Perdão presidencial e polarização: o conflito político após o ataque ao Capitólio

(Arquivo) Ataque ao Capitólio, em Washington, D.C., em 6 jan. 2021 (Crédito: Bill Bryan/Flickr)
Por Andy Mickelly Canovas Lima* [Informe OPEU] [6 de Janeiro] [Trump 2.0]
No dia 6 de janeiro de 2021, o Capitólio dos Estados Unidos, símbolo da democracia americana e sede do Congresso, foi invadido por apoiadores de Donald Trump, em um ataque que buscava interromper a certificação da vitória de Joe Biden e Kamala Harris na eleição presidencial de 2020. Marcado por violência e caos, o episódio resultou em cinco mortes, centenas de feridos e uma profunda crise na visão de estabilidade democrática do país. Durante sua campanha para retornar à Presidência, em 2024, Trump prometeu conceder perdão aos responsáveis pela invasão, reforçando sua base política, ao posicioná-los como patriotas injustamente perseguidos.
Ainda sobre perdão presidencial, antes de Trump reassumir o poder, seu antecessor Joe Biden tomou uma decisão que buscava proteger figuras públicas de retaliações políticas: em suas últimas horas no cargo, em 20 de janeiro de 2025, concedeu perdões preventivos a indivíduos que poderiam ser alvo de investigações e processos judiciais considerados politicamente motivados. Os perdões emitidos por Biden não incluíram os responsáveis pelo ataque ao Capitólio, mas figuras que desempenharam papéis centrais na resposta ao evento e em outras questões críticas durante seu governo. Biden destacou que essas medidas preventivas não implicavam culpa ou má conduta, mas tinham como objetivo proteger servidores públicos dedicados de retaliações injustas que poderiam prejudicar suas reputações e finanças. Entre os nomes mais proeminentes estavam o Dr. Anthony Fauci e o general reformado Mark Milley. Fauci, que liderou a resposta do governo à pandemia da covid-19, enfrentou ataques constantes de aliados de Trump, devido às suas divergências com o então presidente sobre medidas sanitárias e a gravidade da crise. Milley, por sua vez, foi uma figura controversa no governo Trump, tomando medidas para limitar os poderes do então presidente sobre decisões militares e nucleares.
(Arquivo) Presidente Donald Trump parabeniza o general do Exército Mark A. Milley, 20º presidente do Estado-Maior Conjunto, após ser empossado como presidente em cerimônia de boas-vindas das Forças Armadas no Summerall Field, Base Conjunta Myer-Henderson Hall, Virgínia, em 30 set. 2019 (Crédito: Dominique A. Pineiro, suboficial de 1ª classe da Marinha dos EUA/Departamento da Defesa/Flickr)
Além de Fauci e Milley, Biden também estendeu os perdões a membros do comitê que investigou o ataque de 6 de janeiro, como a ex-congressista republicana Liz Cheney, e a policiais que defenderam o Capitólio durante o ataque. Esses indivíduos foram elogiados por sua coragem em defender a democracia e por suas contribuições para a proteção das instituições americanas. Biden argumentou que o simples fato de serem investigados ou processados, mesmo que inocentados posteriormente, poderia causar danos irreparáveis à reputação e à estabilidade financeira desses servidores. Ao conceder esses perdões, Biden buscava evitar que a polarização política intensificada pela invasão ao Capitólio continuasse a ser usada como arma contra figuras públicas que desempenharam seu trabalho em defesa do país.
Perdão e política
A decisão de Biden gerou reações variadas. Seus aliados elogiaram o gesto como um ato de coragem e compromisso com a proteção da democracia e de seus defensores. Para muitos, os perdões simbolizavam um esforço para preservar a integridade institucional em meio a um cenário de crescente instabilidade política. No entanto, críticos, especialmente entre os republicanos, viram a ação como uma politização do poder de perdão presidencial e um possível precedente perigoso para futuros líderes. Essa controvérsia destaca os desafios de liderar um país profundamente dividido, onde decisões que visam a proteger indivíduos e instituições podem ser interpretadas de forma polarizada.
Posteriormente à sua posse, Donald Trump concedeu perdão presidencial a 1.500 acusados, incluindo os líderes dos grupos de extrema direita Oath Keepers e Proud Boys, que estavam cumprindo penas de prisão por atos relacionados ao 6 de Janeiro. Essa decisão marcou um claro contraste com a postura adotada por Biden, evidenciando a disputa narrativa sobre os eventos da referida data e reforçando a divisão política no país. Se, por um lado, Biden tentou proteger figuras institucionais de retaliações, Trump buscou reabilitar seus aliados, consolidando a ideia de que os envolvidos na insurreição eram vítimas de perseguição política.
Leia mais sobre a invasão ao Capitólio neste Informe de Flávio Limoncic
As decisões de Biden e Trump em relação aos perdões presidenciais ilustram como o sistema político americano segue profundamente polarizado, onde o uso desse poder não apenas reflete estratégias de governo, mas também serve como instrumento de disputa e para fins eleitorais. Enquanto Biden procurou resguardar indivíduos que, em sua visão, defenderam as instituições democráticas, Trump reverteu essa lógica, ao inocentar aqueles que desafiaram essas mesmas instituições. Esse embate expõe uma crise mais ampla: a dificuldade dos Estados Unidos em estabelecerem um consenso sobre os limites da legalidade e da lealdade política, tornando o poder de perdão um reflexo da luta pelo controle da narrativa histórica do país.
Conheça outros textos da autora no OPEU
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Informe “A postura dos EUA no Acordo de Paris sob a óptica trumpista”, 26 nov. 2024
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* Andy Mickelly Canovas Lima é graduanda do sétimo semestre do curso de Relações Internacionais da Universidade Anhembi Morumbi e aluna participante do projeto de extensão da referida instituição em parceria com o OPEU. Contato: andy.mickelly@gmail.com.
** Revisão e edição finais: Tatiana Teixeira. Recebido em 30 jan. 2025. Este Informe não reflete, necessariamente, a opinião do OPEU, ou do INCT-INEU.
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