Política Doméstica

‘Quadridemia’ e o colapso da saúde pública 

Crédito: Jim McCluskey/Flickr

Por Ingrid Marra* [Informe OPEU] [Saúde] 

Com a chegada do inverno nos Estados Unidos, os sistemas de saúde se preparam para o aumento de casos de adoecimento por vírus – especialmente respiratórios. Em 2024, a junção de quatro vírus – SARS-Cov-2 (causador da covid-19), Influenza, Vírus Sincicial Respiratório (conhecido como RSV) e Norovírus – apresentou um desafio ainda maior para um sistema de saúde já colapsado. O potencial fenômeno, coloquialmente chamado de “quadridemia”, sobrecarregou hospitais após as festas de fim de ano.  

Diversos fatores contribuem para o aumento vertiginoso de infecções no inverno: o clima mais seco e frio, aglomerações em ambientes fechados e sem ventilação, e, claro, o abandono do uso de máscaras. Além disso, a queda na taxa de vacinação também influencia a severidade das doenças, que podem resultar em hospitalizações e/ou fatalidades. De acordo com o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC, na sigla em inglês), visitas ao departamento de emergência para covid-19, Influenza e RSV estão aumentando, com um nível alto de presença de doenças respiratórias agudas para a maior parte dos estados.  

 

Fonte: CDC 

Para o vírus da Influenza, apenas 40,8% de crianças e adultos ꟷ uma queda de 4% em relação a 2023 ꟷ foram imunizados, o que pode contribuir para uma maior gravidade dos sintomas apresentados. Dados do CDC mostram um aumento da tendência epidêmica do vírus em praticamente todos os estados, com um aumento em oito de dez regiões. O vírus mais prevalente continua sendo o Influenza A (97% das amostras).  

Fonte: CDC 

De maneira geral, infecções assintomáticas e transmissão pré-sintomática são comuns, aumentando a transmissibilidade da doença. Aproximadamente cem mil pessoas são hospitalizadas pela doença por ano, levando a mais de 4.900 mortes anuais. Por questões de acesso à saúde e vacinas, pessoas negras, indígenas e nativas do estado do Alasca são, em geral, as subpopulações mais propensas à hospitalização.  

Embora apresente muitos sintomas respiratórios, a covid-19 é causada por um vírus de ação altamente inflamatória, que atinge principalmente o sistema neurovascular. A transmissão assintomática também é bastante comum: estudos sugerem que entre 20% e 44% de pessoas infectadas pelo vírus não apresentam sintomas, o que dificulta a contenção do vírus. Ainda que diminuam os níveis de mortalidade e severidade da doença, as vacinas não impedem a transmissão do vírus e, nos EUA, apenas 21% da população adulta recebeu a vacina atualizada até o último relatório emitido pelo CDC no último dia 7 de dezembro. Para crianças, a porcentagem é ainda mais preocupante, com apenas 10,6% de imunizações.  

O vírus da covid-19 se tornou endêmico, com altas taxas de positividade durante todas as estações, incluindo o verão. Para além da testagem oficial em hospitais, os sistemas de testagem de água de esgoto garantem melhores estimativas de carga viral e persistência da doença. Até o momento, cinco estados têm níveis muito altos de atividade viral em água de esgoto, e 16 estados estão com níveis altos.  

Fonte: CDC 

Além disso, o CDC também mostra uma tendência de aumento de casos em diversos estados, principalmente os da Costa Leste.  

Fonte: CDC 

Um outro fator de preocupação é o dano cumulativo de infecções por covid-19, que podem levar à imunodeficiência ꟷ ou seja, quando o sistema imunológico não funciona propriamente ꟷ, contribuindo para infecções oportunistas, como coqueluche, pneumonias, toxoplasmose e tuberculose, entre outras, e covid Longa, uma condição crônica (sem cura), cujos sintomas persistem por, pelo menos, três meses após a infecção. 

Para o vírus da RSV, apenas 42,5% de adultos acima dos 75 anos e ainda menos (33%) dentro da população entre 60-74 anos receberam a vacina. Esse vírus tende a ser mais severo em crianças, pessoas imunossuprimidas e pessoas mais velhas, e tem aumentado de severidade nos últimos anos, sendo responsável pela maior parte das hospitalizações pediátricas no país. Em bebês e crianças, o vírus também pode levar ao desenvolvimento de outras condições, como pneumonia e bronquiolite; em idosos, pode exacerbar condições como asma, doença pulmonar obstrutiva crônica e insuficiência cardíaca, e é responsável por entre 60 mil e 160 mil hospitalizações de idosos por ano. Além disso, a presença de infecções assintomáticas pode aumentar consideravelmente o número de casos, uma vez que pessoas assintomáticas não tomam precauções para evitar que a doença se espalhe.  

Para o norovírus, a primeira semana de dezembro apresentou níveis de positividade de 28,9%, três vezes maiores em relação ao mesmo período em setembro e marcando a maior taxa de positividade em cinco anos. O vírus pode ser transmitido por contato direto com gotículas expelidas pelos pacientes ou por aerossois (pelo ar), e é responsável por sintomas gastrointestinais como vômitos e diarreia, embora também possa gerar sintomas como febre baixa, dores musculares e de cabeça, e dores abdominais.  

Fonte: CDC 

O acúmulo de infecções e a falta de uma resposta integrada e coerente em relação à “quadridemia” demonstra um significativo potencial disruptivo ao sistema de saúde do país, que já está sobrecarregado. O CCD também não está de acordo com as políticas da Organização Mundial da Saúde (OMS), que recomenda o uso de máscaras N95 para proteção contra doenças respiratórias, especialmente covid-19.  

O posicionamento do novo governo não é surpreendente: desde o início da administração Trump, o site do CDC está sofrendo diversas modificações, com o aviso abaixo aparecendo em todas as páginas.  

“O site do CDC está sendo modificado para obedecer às Ordens Executivas de Trump”, diz aviso (Fonte: CDC) 

As alterações do CDC, junto com a baixa adesão às vacinas, devem ser reforçadas com a nova administração. O fim de mandatos de vacinas e máscaras são ponto central do governo, com duras críticas a programas de saúde para pessoas de baixa renda. Robert F. Kennedy Jr., indicado pelo presidente Donald Trump para ser o secretário de Saúde, tem posicionamentos que geram preocupação em especialistas na área da saúde: é antivacinas (em geral e da covid-19); afirma que vacinas causam autismo; defende a remoção de flúor da água encanada; e insiste em que a resposta imunológica à covid-19 tem fatores genéticos, como etnia.  

Em janeiro deste ano, o presidente Trump anunciou que sairia da Organização Mundial da Saúde (OMS), acusando a organização de não lidar com emergências de saúde. A decisão, que conta com o pagamento de taxas e um aviso prévio de um ano, deverá entrar em vigor em 22 de janeiro de 2026. Responsável por 18% do orçamento da OMS, o país é hoje seu maior financiador. Sua saída significa, portanto, que diversos programas estarão em risco, dificultando respostas a emergências globais de saúde. 

 

* Ingrid Marra é mestra em Global Political Economy and Development (GPED) pela Universität Kassel, graduada em Relações Internacionais pela UFRJ (IRID-UFRJ), pesquisadora colaboradora do Observatório Político dos Estados Unidos (OPEU) na área de Economia e Finanças 2021-2024, Política Doméstica a partir de 2024. Áreas de interesse: hierarquia monetária internacional e criptomoedas, análise de discurso, pós-desenvolvimento e saúde. Linkedin 

** Primeira revisão: Simone Gondim. Contato: simone.gondim.jornalista@gmail.com. Revisão e edição final: Tatiana Teixeira. Primeira versão recebida em: 8 jan. 2025. Este conteúdo não reflete, necessariamente, a opinião do OPEU, ou do INCT-INEU.

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