Trump e os latinos: um relacionamento em ascensão
Fonte: Amazon
Por Maria Clara Silva Fontes* [Informe OPEU] [Trump 2.0] [Imigração] [Latinos]
Os latinos representam quase 20% da população estadunidense — sendo majoritariamente nascidos nos Estados Unidos — e 36,2 milhões de votos, formando o grupo minoritário mais relevante na votação. Historicamente, os latinos se identificam com os democratas, votando azul em todas as eleições. Apesar de a tendência se manter, o Partido Republicano tem ganhado força nos últimos anos, o que se observa na conquista de 32% dos votos em 2016, com Donald Trump (atrás apenas do recorde obtido por George W. Bush em 2004, que recebeu 44% dos votos latinos), e de 45% em 2024, com o mesmo candidato. Com isso, torna-se a maior votação latina a favor dos republicanos na história. O apoio recorde dessa parcela da população foi mais forte entre os homens (47%), principalmente aqueles nas faixas mais altas e mais baixas de renda (54% entre aqueles com renda menor que US$ 50 mil e também entre os que possuem renda maior que US$ 100 mil), e os eleitores do Sul.
Tal crescimento mostra que, apesar dos “deslizes” da campanha — como dizer que os imigrantes haitianos estavam comendo cachorros em Ohio —, Trump teve êxito em sua estratégia de garantir empregos à nova onda de imigrantes, ao mesmo tempo em que luta para defender os valores tradicionais. O sucesso de sua campanha, bem exemplificado pelo slogan “Kamala é para elus/delus. Presidente Trump é para você”, usado em um de seus anúncios, fica evidente ao se analisar o motivo que levou à escolha de cada candidato: 70% dos latinos afirmam que seu voto em Trump foi uma escolha pelo ex-presidente, e 54%, que o voto em Kamala é uma escolha anti-Trump. Isso pode ser explicado por vários fatores ligados a Harris: seu curto tempo de campanha; a dificuldade de expor propostas além das questões identitárias (apenas 42% dos eleitores afirmavam ter clareza sobre as propostas da democrata para fortalecer a economia, enquanto 75% tinham clareza em relação ao aborto); e a incapacidade de se desvincular do governo de Joe Biden (2021-2025).
Mas talvez a melhor explicação resida mesmo no que Trump representa. Ele foi visto como o “candidato da mudança” pelos seus eleitores (afirmação feita por 86% deles em uma pesquisa em outubro de 2024). Seu perfil de “businessman patriota” o torna o candidato perfeito para mudar os rumos de um país que não vai bem nos tópicos mais relevantes para os latinos.
Saiba mais sobre o tema neste episódio do Diálogos INEU, apresentado pela profª Neusa Maria Pereira Bojikian
Economia como ponto central
Outro ponto crucial foi a economia, apontada por 85% do eleitorado latino como “muito importante”, demonstrando preocupação, principalmente, com o aumento dos preços da comida e de bens de consumo (80% dos eleitores) e com o custo de moradia (77%). Em geral, os latinos pertencem a uma classe mais trabalhadora ꟷ em 2023, representavam uma em cada cinco pessoas ligadas à força de trabalho do país e quase um terço da mão de obra na construção civil ꟷ, com menor educação formal ꟷ em 2021, 56% tinham apenas diploma do ensino médio ou menos. Além disso, é uma população mais jovem que a média estadunidense, o que significa que este grupo teve menos tempo para construir patrimônio, ao passo que foram expostos aos problemas econômicos mais recentes, como a inflação alta e o aumento das taxas de juros para hipotecas.
Por essas características socioeconômicas, essa parcela da população sofreu bastante com tais problemas, que foram em sua maioria causados pela covid-19 e pelo processo de recuperação pós-pandemia. Apesar de o confinamento ter começado ainda no governo Trump (2017-2021), os problemas econômicos foram mais sentidos na administração democrata – e vistos por muitos eleitores como consequência da adoção de medidas mais restritivas —, o que acabou por prejudicar bastante sua avaliação e respingar na imagem de Kamala Harris durante a campanha eleitoral.
Trump soube aproveitar a falta de confiança dos votantes na capacidade de Harris de gerir a economia e aliar isso ao sentimento de nostalgia de uma economia forte em seu primeiro mandato, reforçando a imagem de self-made man capaz de guiar os Estados Unidos para uma nova era de prosperidade, como ele mesmo declarou em um de seus comícios na Pensilvânia: “Eu entregarei o melhor futuro para os porto-riquenhos e os hispano-americanos. Kamala entregará a vocês pobreza e crime.”.
Imigração e a identidade latina
Em setembro, uma pesquisa da emissora NBC descobriu que 35% dos latinos consideram que a imigração é mais prejudicial do que benéfica, a maior taxa dos últimos 20 anos. Essa pesquisa é um reflexo do pensamento de parte dos latinos que já estão nos Estados Unidos, seja aqueles que possuem green card, sejam filhos e netos de imigrantes que já nasceram no território, de que a imigração está “fora de controle” e é preciso medidas mais rígidas para impedir a entrada de novos imigrantes em situação ilegal. Tal pensamento é justificado por eles da mesma forma que os estadunidenses justificaram a insatisfação com a entrada deles no país, alguns anos atrás: “eles aumentam a taxa de crimes e tomam nossos empregos”.
Já conhecido por sua mão firme e discurso forte em relação ao assunto, Trump também se aproveitou do recorde de imigrações clandestinas registrado durante o governo Biden, um número que estava em queda há décadas. Fez uma campanha robusta e insistente sobre o tema, com falas como “Eles estão tomando os empregos dos negros e tomando os empregos dos hispânicos” ꟷ um problema central para 59% do eleitorado latino.
Sua proposta de deportação em massa enfrentou, no entanto, oposição da maior parte do eleitorado: 79% dos latinos afirmam que os imigrantes em condição clandestina que já estão no país deveriam ter o direito de permanecer, caso cumpram uma série de requisitos. Ou seja, “quem já está aqui pode ficar, mas ninguém mais entra”.
Apesar dessa discordância, Trump conseguiu convencer o eleitorado latino de que políticas imigratórias mais firmes que ele defende são necessárias e a opção ideal ante a passividade do governo Biden-Harris, e não um ataque à comunidade, como suas propostas foram vistas em 2016.
Valores culturais e o conservadorismo latino
Além da falta de relevância de temas identitários e sociais, como a questão do aborto e a defesa da democracia, ante os temas ligados à economia, outro fator que leva ao crescimento dos votos dos homens latinos em Donald Trump é a imagem que ele representa. O futuro presidente é o retrato de um bilionário bem-sucedido pelas suas próprias mãos, com uma família unida, o ideal de homem no American Dream. Essa imagem consegue dialogar diretamente com o imigrante latino e com aqueles de primeira e segunda geração que ainda sonham alcançar uma vida próspera em uma casa de cercas brancas, que será fruto unicamente de seu trabalho, criando uma conexão mais forte com essa parcela do eleitorado.
Além da persona de Donald Trump, também é importante considerar os valores que ele representa. Com 15% dos latinos sendo evangélicos ꟷ número que está crescendo rapidamente ꟷ, imigrantes vindos de países com governos considerados de “extrema esquerda”, como Cuba e Venezuela, e movimentos negacionistas como o antivacina crescendo nos diferentes segmentos da sociedade estadunidense, Trump se mostrou como o candidato defensor da liberdade, da família, de Deus e dos bons costumes, além de ser a “alternativa ao governo comunista que seria instaurado por Harris”.
Dessa forma, Trump consegue ir além de propostas e planos de governo, alcançando eleitores, também, por suas crenças e valores.
O que isso significa para o futuro da política estadunidense?
É crucial que os partidos entendam que os eleitores latinos não formam um bloco homogêneo e suas decisões políticas são influenciadas por uma diversidade de fatores. As campanhas políticas devem abandonar a ideia de uma votação monolítica e considerar a complexidade dessa comunidade.
Para reconquistar o voto latino, o Partido Democrata precisa ir além de pautas identitárias e se concentrar em questões que realmente afetam o cotidiano dessa população, como economia, saúde e segurança. Ao partir de uma abordagem mais segmentada e inclusiva, alinhada às preocupações concretas e regionais dos latinos, o partido pode recuperar as perdas e fortalecer sua base eleitoral entre esse grupo crescente e influente.
* Maria Clara Silva Fontes é graduanda em Relações Internacionais pela Universidade Estadual da Paraíba (UEPB). Contato: mariaclarasilvafontes@gmail.com.
** Primeira revisão: Simone Gondim. Contato: simone.gondim.jornalista@gmail.com. Revisão e edição final: Tatiana Teixeira. Primeira versão recebida em: 8 dez. 2024. Este conteúdo não reflete, necessariamente, a opinião do OPEU, ou do INCT-INEU.
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