Internacional

A participação dos EUA na intensificação do genocídio da Palestina

(Arquivo) Duas palestinas caminham ao lado de casas destruídas e de uma padaria no acampamento de refugiados de Al-Maghazi, na região central da Faixa de Gaza, em 25 nov. 2023 (Crédito: ONU Mulheres/Samar Abu Elouf)

Por Ana Flávia Pires de Moraes, Débora Figueiredo Mendonça Prado, Júlia Camargo Assad de Souza, Maria Fernanda Montandon Lemos* [Informe OPEU] [Oriente Médio] [Palestina] [Israel]

A relação entre os Estados Unidos e Israel tem raízes profundas e é caracterizada por uma aliança sólida, baseada em motivações políticas, econômicas e culturais. Esse vínculo é resultado de uma série de fatores que se intensificaram ao longo das décadas. Desde que os EUA foram o primeiro país a reconhecer Israel como um Estado independente, em 1948, diversos elementos têm sustentado essa aliança, fazendo dela uma das mais robustas no cenário global. Como colocado pelo Jornal Opção, para os Estados Unidos, a proteção de Israel significa segurança global.

Um dos principais fatores que explicam a importância estratégica israelense para os Estados Unidos é o papel de Israel como a única “democracia” no Oriente Médio com características ocidentalizadas. Essa percepção é valorizada especialmente pelos estadunidenses, pois veem Israel como um ponto de estabilidade e uma representação dos valores democráticos no Oriente Médio. Em uma região predominantemente marcada por governos autoritários e monarquias, Israel se apresenta aos olhos dos EUA como um parceiro alinhado aos ideais ocidentais. Essa diferença permite que Israel tenha uma posição única, sendo tratado como um aliado próximo em meio a um contexto de instabilidade regional.

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(Arquivo) Mapa da Faixa de Gaza, em 2009 (Crédito: Lencer Indech/Wikimedia/C.C.)

Outro ponto importante é o apoio dos protestantes ao sionismo, que teve influência significativa na formação e na consolidação da aliança entre os dois países. A relação entre a visão religiosa de grupos protestantes nos EUA e o Estado israelense remonta a uma crença de que a criação de Israel cumpre profecias bíblicas. Esse apoio ganha ainda mais força na ascensão do movimento neoconservador nos EUA, principalmente após a década de 1990, quando essa aliança passa a ser justificada não apenas por interesses estratégicos, mas também por uma visão ideológica que vê Israel como um bastião do Ocidente judaico-cristão em confronto com o Oriente islâmico. Esse imaginário justifica, para muitos, o apoio contínuo a Israel em questões militares e políticas, reforçando a percepção de Israel como um aliado que compartilha da mesma luta cultural. 

A relação especial entre os EUA e Israel também é reforçada por um forte sentimento de responsabilidade moral, em função dos horrores do Holocausto. Para muitos americanos, o apoio a Israel carrega o sentido de compensar as falhas históricas de nações que não conseguiram evitar a tragédia do Holocausto. Isso resulta em um apoio incondicional e no sentimento de que os EUA têm um dever para com os sobreviventes e suas gerações, o que permeia tanto a política estadunidense quanto a postura diplomática dos EUA em defesa de Israel em fóruns internacionais. O papel de Israel, para os EUA, transcende as alianças comuns, passando a ser quase uma questão de honra moral, o que fortalece ainda mais essa ligação. 

Outro elemento determinante nessa aliança é a influência do lobby israelense nos EUA, especialmente no Congresso e em outras esferas políticas. Organizações como o American Israel Public Affairs Committee (AIPAC) têm desempenhado um papel fundamental em consolidar o apoio estadunidense a Israel. Esse lobby político influencia diretamente as decisões estratégicas dos EUA, garantindo que a ajuda militar e o apoio diplomático continuem fortes, independentemente de mudanças partidárias. Dessa forma, o lobby israelense tem conseguido, ao longo dos anos, assegurar que a agenda pró-Israel permaneça uma prioridade, moldando as políticas dos Estados Unidos no Oriente Médio e garantindo que os interesses de Israel sejam defendidos.

AIPAC

Por fim, a relevância de eleitores e financiadores judeus sionistas nos EUA, especialmente para o Partido Democrata, tem sido essencial para manter a aliança entre os dois países. Historicamente, os democratas contavam com o apoio dessas comunidades, que eram grandes financiadoras e tinham voz ativa em campanhas eleitorais. No entanto, o apoio estadunidense a Israel, que antes era equilibrado entre democratas e republicanos, sofreu mudanças após o 11 de Setembro. Com o fortalecimento das alianças neoconservadoras e a ascensão da ideia do “Choque de Civilizações”, os republicanos passaram a ser o grupo que mais expressivamente apoia Israel, enquanto os democratas mantiveram um posicionamento mais moderado. Essa mudança ilustra como o cenário político interno dos EUA influencia a política externa em relação a Israel. 

A somatória desses cinco elementos – a percepção de Israel como uma democracia ocidental no Oriente Médio, o apoio religioso ao sionismo, o dever moral em relação ao Holocausto, o papel do lobby israelense e a importância dos eleitores e financiadores judeus sionistas – forma a base de uma aliança robusta e multifacetada. Essa relação se manifesta não apenas na esfera diplomática, mas também na cooperação militar e econômica, e sustenta uma visão de mundo compartilhada entre os dois países, que prioriza o enfrentamento de ameaças provenientes do Oriente Médio.

Posição dos Estados Unidos na ONU

Segundo Saliba Sarsar, em seu artigoThe Question of Palestine and United States Behavior at the United Nations”, a Guerra Fria (1945-1991), com sua competição ideológica e geopolítica entre os EUA e a União Soviética, transformou a ONU em uma peça no jogo de políticas das superpotências. Como principal fundador da ONU e liderança global, os EUA se sentiram responsáveis por defender o mundo livre, influenciar outros países a seguir seu modelo e liderar a diplomacia mundial sem interferências de uma maioria pouco qualificada ou uma minoria extremista. Dessa forma, a Carta das Nações Unidas foi assinada em São Francisco, em 26 de junho de 1945, após a Conferência das Nações Unidas sobre Organização Internacional, entrando em vigor em 24 de outubro do mesmo ano. Seu principal objetivo era manter a paz e a segurança internacional, adotando medidas coletivas eficazes para prevenir e afastar ameaças à paz, suprimir atos de agressão ou outras quebras de paz e resolver disputas ou situações internacionais, de forma pacífica e em conformidade com os princípios da justiça e do direito internacional. Assim, o Conselho de Segurança foi formado por cinco membros permanentes — China, França, Rússia, Reino Unido e Estados Unidos —, que derrotaram o nazifascismo em 1945 e detêm poder de veto em todas as resoluções. 

Ainda segundo Saliba Sarsar, o poder de veto dos Estados Unidos no Conselho de Segurança historicamente criou diversos obstáculos no conflito entre Israel e Palestina, o que se faz presente até nos dias atuais. A postura estadunidense em relação a Israel é moldada por décadas de aliança e está baseada, segundo líderes e especialistas de ambos os países, em interesses nacionais comuns e em visões semelhantes sobre a reestruturação do Oriente Médio. Além da proximidade histórica entre os dois países, há também razões práticas, como as atitudes dos EUA em relação a Israel e aos países árabes, bem como a influência de grupos judaicos estadunidenses no financiamento, nas eleições e na formulação de políticas públicas nos EUA. Esse contexto faz com que os Estados Unidos frequentemente favoreçam Israel, em detrimento dos Estados árabes e dos palestinos. Com isso, os EUA já exerciam influência e mantinham relações estreitas com Israel desde a criação da ONU. Ao apoiar a Resolução 181 da Assembleia Geral da ONU, os EUA estabeleceram as bases para futuras colaborações com Israel em diversos contextos internacionais, influenciando o padrão de voto estadunidense nas Nações Unidas em favor de Israel. Observa-se, assim, o impacto significativo dessa relação, especialmente no âmbito do Conselho de Segurança.

Segundo dados da ONU, desde 1972, os Estados Unidos vetaram, pelo menos, 53 resoluções do Conselho de Segurança que apresentavam críticas a Israel. Esse apoio constante faz Washington bloquear resoluções que buscam abordar a violência extrema enfrentada pelos palestinos. A Resolução 9552, que sugeria a possibilidade de um cessar-fogo, foi vetada pelos EUA, sob o argumento de que tal medida poderia prejudicar as negociações com o Hamas. A justificativa estadunidense afirmou que exigir um cessar-fogo imediato e incondicional, sem garantias sobre a liberação de reféns pelo Hamas, não traria uma paz duradoura e poderia prolongar o conflito e o cativeiro dos reféns. Outra resolução, a 9609, que propunha o reconhecimento do Estado Palestino como membro pleno da ONU, também foi vetada pelos EUA. Diante disso, evidencia-se a grande influência do poder de veto dos Estados Unidos no Conselho de Segurança, revelando um extremo apoio a Israel e deixando em segundo plano a grave crise humanitária vivida pelo povo palestino.

O apoio militar a Israel

É evidente que os Estados Unidos empregam estratégias políticas de maneira incisiva no cenário geopolítico do Oriente Médio. Desde outubro de 2023, sua presença militar na região tem sido significativamente ampliada. A exemplo disso, pode-se observar que, nessa mesma época, o conselheiro de Segurança Nacional dos EUA, Jake Sullivan, declarou em um artigo de nome “The Sources of American Power“, na revista Foreign Affairs, que o Oriente Médio “está mais silencioso do que esteve por décadas”. Vale salientar que essa fala se deu exatamente uma semana antes do último surto de conflito entre Hamas e Israel.

White House's Jake Sullivan: Israel-Gaza war "could spiral" into bigger  conflictFonte: Axios

Por isso, muitos analistas discutem como os Estados Unidos têm um papel crucial na escalada das hostilidades na Palestina, tanto pelo fato discutido anteriormente, de que constantemente o país utiliza  seu poder de veto no Conselho de Segurança da ONU, quanto também pelo fornecimento contínuo de armas a Israel. Esse último fato é gritante, principalmente quando se olha para os números: em outubro de 2024, Israel declarou que garantiu uma ajuda dos EUA de US$ 17,9 bilhões para apoiar militarmente o país. Desse valor, US$5,2 bilhões são destinados para a compra de equipamentos para o sistema de defesa aérea, incluindo o sistema antimísseis Iron Dome, o David ‘s Sling e um sistema laser avançado. 

Para além desses mecanismos, as bombas usadas no ataque israelense que matou o líder do Hezbollah, Hassan Nasrallah, foram fabricadas pelos Estados Unidos. Essas bombas são conhecidas como “destruidoras de bunkers“, pois têm uma capacidade de penetrar no solo antes de explodir, e também foram equipadas com Joint Direct Attack Munition (JDAM) – um kit de direcionamento que transforma bombas não guiadas em munições “inteligentes”, capazes de alcançar um alvo com alta precisão. Esse ataque foi crucial para a escala do conflito no Oriente Médio, pois Nasrallah era uma figura central na resistência contra Israel. Em função de sua morte, a posição do Irã na região foi bastante enfraquecida.

É imprescindível salientar que o genocídio na Palestina acontece historicamente desde 1947/48, mas que todos esses acontecimentos mais recentes demonstram a escalada e intensificação desse crime. Dados do Instituto Internacional de Pesquisa para a Paz de Estocolmo mostram que, entre 2017 e 2021, os Estados Unidos foram responsáveis por fornecer 92% de todas as armas importadas por Israel.

Diante disso, é visível como os EUA são grandes responsáveis pelo desenvolvimento tecnológico de Israel, sendo também um dos principais responsáveis por assegurar a criação e a sustentação do Estado de Israel e mais de 42 mil mortes oficiais diretas,  sendo 70% de mulheres e crianças – sem contar a morte de cerca de dez mil pessoas sob escombros.

 

Ana Flávia Pires de Moraes é graduanda em Relações Internacionais pelo Instituto de Relações Internacionais e Economia (IERI/UFU). Contato: anaflaviapm23@gmail.com 

Débora Figueiredo Mendonça Prado é professora associada do Instituto de Economia e Relações Internacionais da Universidade Federal de Uberlândia (IERI-UFU) e pesquisadora do INCT-INEU. Contato: deboraprado@ufu.br 

Júlia Assad é bolsista de Iniciação Científica do INCT-INEU/OPEU (PIBIC-CNPq), graduanda em Relações Internacionais pelo Instituto de Relações Internacionais e Economia (IERI/UFU). Contato: Julia.assad@ufu.br.

Maria Fernanda Montandon Lemos é graduanda em Relações Internacionais pelo Instituto de Relações Internacionais e Economia (IERI/UFU). Contato: montandonmariaf@gmail.com

** Primeira revisão: Simone Gondim. Contato: simone.gondim.jornalista@gmail.com. Segunda revisão e edição final: Tatiana Teixeira. Primeira versão recebida em 18 dez. 2024. Este Informe OPEU não reflete, necessariamente, a opinião do OPEU, ou do INCT-INEU.

*** Sobre o OPEU, ou para contribuir com artigos, entrar em contato com a editora do OPEU, Tatiana Teixeira, no e-mail: tatianat19@hotmail.com. Sobre as nossas newsletters, para atendimento à imprensa, ou outros assuntos, entrar em contato com Tatiana Carlotti, no e-mail: tcarlotti@gmail.com.

 

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