AIPAC x SQUAD: o ‘lobby’ israelense para impedir candidaturas progressistas nos Estados Unidos
Fonte: The Sanders Institute. Crédito: Casa Branca/via Wikipedia Commons
Por Camila Vidal e João Gaspar* [Informe OPEU] [AIPAC] [SQUAD] [Israel]
“Being pro-Israel is good policy and good politics”
AIPAC, 2024
Em 2018, um conjunto de quatro congressistas recém-eleitas pelo Partido Democrata para a Câmara de Representantes (no Brasil, a Câmara de Deputados) formam uma aliança caracterizada por uma agenda progressista considerada à esquerda dos demais congressistas democratas: o Squad. Alexandria Ocasio-Cortez (Nova York), Ilhan Omar (Minnesota), Ayanna Pressley (Massachusetts) e Rashida Tlaib (Michigan) são as integrantes iniciais desse grupo, parte do Caucus Progressista no Congresso dos Estados Unidos, mas que se caracterizam por uma agenda mais agressiva ideologicamente e considerada à esquerda do restante dos integrantes desse mesmo caucus (aqui, com o sentido de bancada parlamentar) e do Partido Democrata. Na eleição de 2020, o grupo incorporaria os recém-eleitos Jamaal Bowman (Nova York) e Cori Bush (Missouri). Já em 2022, Greg Casar (Texas), Delia Ramirez (Illinois) e Summer Lee (Pensilvânia) seriam as últimas adições.
Tabela 1: Congressistas parte do Squad (2018-2022)
Congressista | Estado representado | Eleição |
Alexandra Ocasio-Cortez | Nova York | 2018 |
Ilhan Omar | Minnesota | 2018 |
Ayanna Pressley | Massachusetts | 2018 |
Rashida Tlaib | Michigan | 2018 |
Jamaal Bowman | Nova York | 2020 |
Cori Bush | Missouri | 2020 |
Greg Casar | Texas | 2022 |
Delia Ramirez | Illinois | 2022 |
Summer Lee | Pensilvânia | 2022 |
O Squad tem apoio de importantes grupos sociais (e políticos) de esquerda, em específico o Democratic Socialists of America – a maior organização socialista nos Estados Unidos; e de lideranças independentes, caso do senador Bernie Sanders (Vermont). Com uma agenda que privilegia a classe trabalhadora e grupos minoritários, o Squad defende um estado de bem-estar social mais robusto e uma política de combate do aquecimento global e da mudança climática. Além disso, os integrantes do Squad se caracterizam pela crítica e pela recusa do recebimento de doações de grandes empresas, de lobistas e de comitês de ação política (PACs, na sigla em inglês). Nesse sentido, criaram o Squad Victory Fund, um fundo de doações para apoio a candidaturas e agendas progressistas. Fazem disso, inclusive, uma pauta para o Partido Democrata e para o Congresso estadunidense. Não à toa, membros do grupo apoiaram as candidaturas de Bernie Sanders e Elizabeth Warren nas primárias democratas à Presidência.
A agenda progressista e mais a esquerda do espectro político despertou inimizades de grupos dentro e fora do Partido Democrata. Um desses grupos é o American Israel Public Affairs Committee (AIPAC), o maior comitê de ação política bipartidário que opera financiando lideranças políticas pró-Israel. De acordo com seu website, “A missão do AIPAC é encorajar e persuadir o governo dos Estados Unidos na promulgação de políticas específicas que criem um relacionamento forte, duradouro e mutuamente benéfico com nosso aliado Israel” (tradução própria). Para isso, financiam candidatos e membros do Congresso de ambos os partidos políticos desde que apoiem a causa israelense. Assim, “Nós baseamos nosso apoio somente em candidatos que apoiem a relação Estados Unidos-Israel”.
Das quatro integrantes iniciais do Squad, duas têm origem muçulmana: Rashida Tlaib, palestino-estadunidense; e Ilhan Omar, somali-estadunidense. Como as primeiras muçulmanas eleitas para o Congresso dos Estados Unidos, essas lideranças e o grupo de que participavam soaram como alerta para conservadores e lobistas israelenses. Antes mesmo do início da guerra Israel-Gaza, a própria agenda do Squad, progressista e relativamente socialista, já era percebida como contrária a Israel. Em 2019, por exemplo, a Associação dos Presidentes Republicanos do Condado de Illinois (IRCCA, na sigla em inglês) publicaria na sua página de Facebook uma foto das integrantes do grupo com o título: Jihad Squad. No texto, escreviam: “Jihad política é o seu jogo. […] Se você não concorda com sua agenda socialista, você é racista”. A mensagem, publicada no site The Hill, seria apagada posteriormente junto com um pedido de desculpas.
Integrantes do Squad, neste pôster do Working Families Party, durante a campanha das midterms de 2022
Nesse mesmo ano, a maior delegação de congressistas dos Estados Unidos visitou Israel. A comitiva contou com a presença de 41 democratas e 31 republicanos. Contrariando declaração anterior que permitira a entrada de todos representantes estadunidenses, a embaixada israelense decidiu impedir a entrada no país de Omar e Tlaib por conta do apoio de ambas ao movimento Boycott, Divestment and Sanctions (BDS) – que pressiona o governo dos EUA a sancionar economicamente Israel com o objetivo de desocupar terras palestinas. Essa decisão aconteceu logo após um tuíte do então presidente Donald Trump, em que alega que permitir a entrada em Israel das integrantes do Squad seria uma demonstração de fraqueza por parte do país, já que elas “odeiam Israel e todos as pessoas judias” (tradução própria). Após repercussão negativa em boa parte dos congressistas, o governo de Israel concedeu permissão para Tlaib por conta de “questões humanitárias”, visto que a visita permitiria à congressista visitar sua avó. Entretanto, por conta de uma série de restrições impostas por Israel, a ida se tornou impossível de ser concretizada.
Desde então, o maior grupo lobista pró-Israel no Congresso estadunidense vem lançando uma ofensiva contra membros progressistas no PD alinhados ao Squad. Em 2022, o AIPAC gastou US$ 700 mil para impedir a reeleição de Tlaib e milhões de dólares para impedir Summer Lee – sem sucesso em ambos os casos,. Dois anos depois, a estratégia foi outra: o AIPAC iria focar em um menor número de candidatos – aqueles que consideraria mais fácil a derrocada. O esforço financeiro, dessa vez, compensaria. Na eleição de 2024, pela primeira vez, o Squad não conseguiu a reeleição de todos os seus nove integrantes. Cori Bush e Jamaal Bowman perderam nas primárias democratas para os candidatos centristas pelo Partido Democrata, Wesley Bell e George Latimer, que contaram com apoio e financiamento maciço do AIPAC nessas candidaturas. Considerada a disputa mais cara na história das eleições em primárias para o Congresso, o AIPAC desembolsou, só para conter Bowman, cerca de US$ 20 milhões. O jornal britânico The Guardian chegou a considerar a disputa como a “batalha pela alma do Partido Democrata”. Uma batalha, é bom lembrar, financeiramente assimétrica.
Enquanto Bush e Bowman, assim como os outros membros do Squad, notorizaram-se no Congresso estadunidense pelas duras críticas a Israel por conta da guerra em Gaza, Latimer e Bell se posicionavam a favor do país. De acordo com a plataforma de Bell, “Israel – a única democracia e mais forte aliado Americano no Oriente Médio – foi atacado por terroristas em 7 de outubro”. No Congresso, Bell promete “lutar para ter Certeza de que os Estados Unidos permaneçam leais ao seu mais forte aliado Israel”. Não é de se negligenciar que o AIPAC planejou gastar mais de US$ 100 milhões na corrida eleitoral de 2024 para conter o avanço e as reeleições de membros mais progressistas do Partido Democrata a partir de candidaturas como a de Bell e de Latimer. De acordo com seu website, 98% das candidaturas apoiadas pelo grupo saíram vitoriosos das urnas em 2024. Em específico, derrotaram 24 candidatos “que fragilizariam a relação Estados Unidos-Israel” com financiamento de US$ 53 milhões. Boa parte desses recursos, entretanto, foi usada para financiar campanhas negativas contra candidaturas progressistas, a exemplo de Bowman e Bush. Na maioria dos casos, longe de destacar a crítica dos candidatos a Israel (pressupondo que não teria o impacto negativo desejado), a campanha difamatória se deu a partir de críticas específicas acerca dos mandatos anteriores dos candidatos e de “escândalos” pessoais.
O AIPAC ainda foi além. Para conter as candidaturas progressistas democratas, o grupo lançou um “Super” Comitê de Ação Política (SuperPAC) específico para esse fim: o United Democracy Project (UDP). O Projeto foi responsável pelo maior número de doações e financiamentos a partir de um PAC para o Partido Democrata nessa eleição. Com o objetivo de lutar contra “congressistas anti-Israel”, o United Democracy Project é sucinto nas informações apresentadas em seu website. Nele, aparecem os dois únicos endereços para contato – pessoa física e mídia – e uma breve autodescrição:
O United Democracy Project é uma organização composta por cidadãos americanos — democratas, republicanos e independentes — unidos na crença de que a parceria da América com nosso aliado democrático Israel beneficia ambos os países. O United Democracy Project trabalha para ajudar a eleger candidatos que compartilham nossa visão e serão fortes apoiadores do relacionamento EUA-Israel no Congresso.
De acordo com o relatório do AIPAC referente às eleições para o Congresso de 2024, o UDP “ajudou a derrotar os detratores da relação EUA-Israel em 11 das 12 disputas em que estavam na cédula”. De fato, a eleição de Latimer e Bell pelo Partido Democrata desbancando os membros mais à esquerda do partido, Bowman e Bush, foi possível graças ao financiamento e à atuação desempenhada pelo AIPAC e seu super Comitê, o UDP. Esse fato é registrado pelo Comitê Israelense nas falas de agradecimento de ambos os congressistas recém-eleitos: “Eu gostaria de agradecer aos nossos parceiros no AIPAC… Nós não teríamos atravessado o fim da linha sem todos vocês”, no caso de Wesley Bell; e “Eu estou agradecido em ser eleito essa noite. Isso não teria acontecido sem o apoio de vocês – que fez toda a diferença”, no caso de George Latimer.
Site do United Democracy Project, do AIPAC (Fonte: The Times of Israel. Crédito: captura de tela via JTA, em 21 mar. 2022)
Ao fim, a atuação encabeçada pelo maior comitê de ação política israelense no Congresso estadunidense – e que desembolsou a maior quantia já registrada em primárias para o Congresso – retirou da disputa (e do Congresso) vozes importantes do movimento progressista estadunidense. Com isso, contribuiu diretamente para a manutenção de um Partido Democrata “moderado” e mais conservador. Muito se fala sobre a falta que faz um partido verdadeiramente de esquerda nos Estados Unidos e sobre a ascensão conservadora atual em ambos os partidos políticos nesse país, mas pouco se debate sobres os esforços de grupos de pressão e do grande capital que atuam, justamente, para impedir o acesso de lideranças e agendas progressistas ou, pelo menos, menos conservadoras. O exemplo do AIPAC na eleição de 2024, nesse sentido, é um desses esforços. Lamentável.
* Camila Feix Vidal é professora no Departamento de Economia e Relações Internacionais da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e faz parte do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Estudos sobre os Estados Unidos (INCT-INEU), do Grupo de Pesquisa em Estudos Estratégicos e Política Internacional Contemporânea (GEPPIC), do Instituto de Estudos para América Latina (IELA/UFSC) e do Instituto Memória e Direitos Humanos (IMDH/UFSC). Contato: camila.vidal@ufsc.br e camilafeixvidal@gmail.com.
João Gaspar é graduando em Relações Internacionais pela Universidade Federal de Santa Catarina, bolsista do Instituto de Estudos Latino-Americanos (IELA-UFSC) e colaborador do projeto de pesquisa liderado pela professora Camila Vidal, Coerção e Consenso: a Política Externa dos EUA para a América Latina. Contato: joaogkg@hotmail.com.
** Revisão e edição final: Tatiana Teixeira. Primeira versão recebida em 23 dez. 2024. Este conteúdo não reflete, necessariamente, a opinião do OPEU, ou do INCT-INEU.
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