Trump, MAGA e os EUA enfrentam as eleições presidenciais de novembro de 2024 e mais além
Crédito: r.nial bradshaw/Flickr
Quarto da série “Atitudes, preocupações e preferências políticas dos eleitores de Trump”,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,
Por Wayne A. Selcher, PhD* [Informe OPEU] [Eleições 2024] [Eleitores Trump] [Série]
Um momento histórico de alto estresse
Características notáveis da eleição presidencial americana de novembro de 2024 diferenciam-na consideravelmente das eleições anteriores, com várias “primeiras vezes”. Depois que o presidente Joe Biden (81 anos) foi finalmente convencido pelos principais líderes democratas a não concorrer à reeleição como o presidente mais velho a fazê-lo, ele designou a vice-presidente Kamala Harris (59 anos) para esse papel, ainda que tardio, o que representou um desafio para sua campanha. De origem étnica do sul da Índia (tâmil) e jamaicana, ela é apenas a segunda mulher a concorrer a esse cargo a ser indicada por um dos dois principais partidos, depois de Hillary Clinton em 2016, e é a primeira mulher negra nesse papel.
Na chapa republicana, Donald Trump, derrotado em sua tentativa de ser reeleito em 2020, está tentando voltar como populista, enquanto ainda se recusa a admitir sua derrota em 2020 e promete respeitar os resultados em novembro de 2024 apenas se for uma “eleição justa, legal e boa”, a seu juízo. Aos 78 anos, ele também é agora o candidato mais velho a concorrer à Presidência na chapa de um partido principal, tornando sua escolha de J.D. Vance para vice-presidente ainda mais importante, como um potencial sucessor de emergência. Também incomum, em setembro de 2024, ele foi vítima de duas tentativas de assassinato, enquanto concorria à Presidência, além de um plano de assassinato em andamento do Irã, presumivelmente como vingança pelo assassinato em 2020 do comandante militar iraniano Soleimani no Iraque, durante a Presidência de Trump, e para semear o caos nos EUA.
Logo do slogan de campanha de Trump-Vance: “Make America Great Again!” (Fonte: Wikipedia/ Domínio Público)
Mas, conforme indicado pelo Gallup em setembro de 2024, a opinião pública não está entusiasmada com nenhum dos dois candidatos: “Ambos os candidatos têm, no entanto, avaliações desfavoráveis mais altas do que favoráveis. A avaliação desfavorável de Trump é sete pontos percentuais maior do que sua pontuação favorável, e a de Harris é 10 pontos mais alta […] Apesar da inclinação negativa geral na favorabilidade, ambos os candidatos desfrutam de avaliações positivas quase unânimes dos fiéis de seu próprio partido e positividade insignificante do partido oposto”. Esta eleição presidencial é a terceira consecutiva em que nenhum dos candidatos tem um índice de favorabilidade de 50% ou mais no público. Essa bipolaridade contínua não é um bom sinal para qualquer tipo de consenso nacional e conciliação após a eleição, não importa qual candidato vença.
Kamala Harris está fazendo uma campanha democrata reformista bastante padrão ou normal para o cargo, com uma inclinação decididamente progressista, sensível às preocupações da ala esquerda do partido e alertando sobre os perigos de outro governo Trump. A opinião pública fora do Partido Democrata não a vê como uma vice-presidente particularmente eficaz ou popular. Servindo em um governo extraordinariamente impopular, ela teve de parecer mais moderada e afastada de Biden do que seu histórico profissional justificaria. Ela também está tentando desviar a culpa do fracasso do governo Biden em proteger a fronteira sul e de seu papel nesse fracasso. Até o final de setembro, ela nem mesmo convocou uma coletiva de imprensa, algo definitivamente incomum para um candidato presidencial. Para aqueles que desejam se aprofundar mais em sua campanha, um fluxo de informações positivas está disponível na MSNBC e amplos comentários críticos na Fox News. Mas, seguindo o propósito desta série de artigos, vamos nos concentrar na campanha de Trump, no contexto da opinião pública e do ambiente de atitudes no país neste momento.
Em contraste gritante com o estilo de Harris, Trump e seus aliados continuam a encorajar e se beneficiar da geração de teorias da conspiração, fazer alegações infundadas, apresentar insultos pessoais mesquinhos e sarcásticos, impugnar instituições, repetir mentiras frequentes e quebrar normas que eram habituais para ambas as partes por décadas. Trump frequentemente acusa os oponentes do que ele mesmo está fazendo, fez ou planeja fazer, como “roubar uma eleição” ou “usar o Departamento de Justiça como arma contra opositores”, talvez para desviar a atenção e depois justificar suas próprias ações, porque “eles fizeram isso conosco”. Seu fluxo de postagens em sua plataforma Truth Social para seus seguidores apresenta conteúdo estranho e, ocasionalmente, emocionalmente imaturo. Com frequência, ele compartilha nas redes sociais postagens provocativas de pessoas que o apoiam. Durante o discurso de aceitação de Harris na Convenção Nacional Democrata, Trump postou 48 vezes conteúdos desafiadores em sua plataforma. (Os sites Trump’s Truth e The Trump Twitter Archive coletam as postagens de Trump em sua Truth Social e outras plataformas, em um formato pesquisável. Seu site de vídeo de campanha está no YouTube.)
Trump agora é um criminoso convicto com vários outros casos criminais e civis suspensos, enquanto se aguarda a eleição, o que é uma situação sem precedentes na história presidencial americana. Como muitas vezes antes, ele está impugnando os resultados das eleições com bastante antecedência com acusações de fraude contra ele, tal como o voto por não-cidadãos legalmente inelegíveis e “registros eleitorais sujos” (ou seja, impróprios), como uma extensão de suas constantes alegações sobre 2020. Isso permite que ele crie sólidas dúvidas entre seus seguidores, para que confiem nele e o apoiem, se ele perder, e reajam vigorosamente contra os resultados.
Trump tende a ter uma visão personalista da Presidência como uma ferramenta para seus próprios propósitos. Ele prometeu muitas vezes, se eleito, “absolutamente” perdoar os manifestantes de 6 de janeiro de 2021, como um grupo ou individualmente. Ele também poderia perdoar seus aliados condenados e encerrar todas as investigações federais atuais sobre seus próprios supostos delitos. Quando presidente, Trump frequentemente ordenava investigações governamentais de seus oponentes. Ele agora alertou, de maneira explícita, que usará o governo para se vingar e para punir seus oponentes, incluindo funcionários, juízes e advogados envolvidos em suas condenações por “corrupção”, caso vença, e ostenta suas convicções em comícios como um distintivo de honra para sua causa. Como Trump disse, referindo-se aos envolvidos em seu veredicto de culpado de maio de 2024 e outros julgamentos: “Então, você sabe, é um caminho terrível, terrível para o qual eles estão nos levando, e é muito possível que isso tenha que acontecer com eles”.
Sua idade (78) e seu histórico de autointeresse, desrespeito ao Estado de Direito, dois impeachments, tentativas de anular os resultados das eleições de 2020, nível de narcisismo, promessas extravagantes sobre o “Dia Um” no cargo, insultos pessoais, retórica raivosa, mentiras constantes, ameaças, problemas legais, o desempenho defensivo no debate de 10 de setembro com Harris e o estilo de fala desconexo teriam afundado a carreira de qualquer político nacional antes de ele aparecer no cenário eleitoral em 2015. Ou seja, mesmo sem considerar seus esquemas de merchandising não convencionais, mas bem-sucedidos, como a venda de Bíblias “Deus Abençoe a América” endossadas por Trump e “cartões” digitais de Tokens Não Fungíveis (NFTs, na sigla em inglês) com imagens heróicas de si mesmo.
Um grande número de ex-funcionários republicanos que trabalharam em estreita colaboração com ele em várias funções (inclusive em segurança nacional e política externa) emitiram advertências severas notáveis sobre sua inaptidão para servir “em qualquer cargo de confiança pública” e/ou apoiaram Harris. A repreensão, em grande parte intrapartidária, por carta assinada em 22 de setembro de 2024 por “mais de 700 funcionários de segurança nacional de alto escalão” que serviram em vários cargos civis e militares é sem precedentes nos tempos modernos: “Esta eleição é uma escolha entre liderança séria e impulsividade vingativa. É uma escolha entre democracia e autoritarismo. A vice-presidente Harris defende os ideais democráticos da América, enquanto o ex-presidente Donald Trump os põe em perigo”. Até J.D. Vance, agora seu companheiro de chapa para vice-presidente, referiu-se a Trump em um artigo de opinião do New York Times em 2016 como “impróprio para o cargo mais alto de nossa nação”, antes de decidir se juntar à equipe. O número de pessoas alertando sobre Trump aumenta a cada semana, mas não há repúdio democrata semelhante a Harris.
(Arquivo) Senador americano J. D. Vance fala com os participantes da Conferência de Ação Turning Point 2023 no Centro de Convenções do Condado de Palm Beach, em West Palm Beach, Flórida, em 16 jul. (Crédito: Gage Skidmore/Flickr)
No entanto, nenhuma dessas desvantagens supostamente pesadas fez muito para diminuir sua aprovação nas pesquisas de opinião pública, em quase 50% em setembro de 2024. Essa persistência é uma medida significativa do desdém que uma grande parte de seus eleitores sente pela “política de sempre” no governo, pelos “eespecialistas”, pela arrogância, pelo desrespeito e pela engenharia social dos progressistas, pela “grande mídia” e pelas políticas do Partido Democrata, que muitos deles denunciam (ecoando Trump) como “socialismo” ou “comunismo”. Seus entusiastas estão urgentemente determinados a reverter o curso do que eles veem como uma nação em crise de rápida deterioração e em falha, em relação à defesa, economia, nível de desperdício e dívida do governo (agora em 121% do PIB), costumes sociais, liberdade, patriotismo, educação, crime, dependência econômica estrangeira (“empregos enviados para o exterior”), envolvimento contínuo em guerras e imigração descontrolada em níveis nunca vistos antes (uma “invasão de fronteira”). Eles são altamente desconfiados de qualquer coisa que se pense ser originária do “establishment liberal” ou do “estado profundo”. O sucesso resiliente de Donald Trump em manter um grande número de seguidores desde a campanha de 2016 é uma medida de suas habilidades de marketing. Mas, de forma mais ampla, destaca dramaticamente o grau de fracasso do modelo americano de democracia nas últimas décadas em acomodar adequadamente a ampla gama de crenças e interesses de uma população cada vez mais diversificada (em muitos aspectos) e em enfrentar com sucesso os crescentes desafios às políticas públicas.
A evolução da cultura política americana e da opinião pública
O diálogo nacional nesta campanha muito competitiva está focado, principalmente, na economia, na imigração em massa, na criminalidade, no direito ao aborto e em questões culturais. No entanto, o desacordo partidário é muito mais profundo e se ampliou na maioria das questões desde 2003, conforme mostrado por uma análise da pesquisa do Gallup de séries temporais de 2003 a 2023 e também pelo Pew Research. O atual discurso nacional é dominado e fortemente dividido por sentimentos pró e anti-Trump, um divisor de águas que causou discórdia partidária e brigas desagradáveis até os níveis de amizade e família da vida cotidiana desde 2016. Uma pesquisa do New York Times de outubro de 2022 concluiu que
“Quase um em cada cinco eleitores – 19% – disse que a política prejudicou suas amizades ou relacionamentos familiares […] à medida que pessoas com anos de experiência em comum chegaram à conclusão de que não concordavam mais com fatos suficientes para ter argumentos coerentes […] Quase metade dos eleitores da pesquisa também reconheceu fazer julgamentos sobre outras pessoas com base em suas políticas. Quarenta e oito por cento dos entrevistados disseram que conhecer as opiniões políticas de uma pessoa lhes dizia ou muito ou um pouco sobre se alguém era uma boa pessoa”.
Desde aquela data, as tensões sociais apenas aumentaram. As campanhas estão ocorrendo em um clima de atitude pública amplamente negativa e em meio a deficiências nacionais não resolvidas de longa data, como a desconfiança dos procedimentos eleitorais, que preparam o terreno para maior tensão e violência potencial, se os membros do lado perdedor reagirem com força. Esse potencial parece ser mais aparente entre os apoiadores de Trump, de acordo com quase todas as pesquisas sobre o assunto. Ambas as partes prepararam equipes de advogados para os esperados desafios legais pós-eleitorais. A American Bar Association (equivalente à Ordem dos Advogados do Brasil, OAB) estabeleceu equipes de advogados de resposta rápida para oferecer assistência jurídica imediata antes e depois da eleição, para salvaguardar os procedimentos e as instituições democráticas. A Agência de Segurança Cibernética e Infraestrutura do governo federal criou um site para diferenciar o boato da realidade sobre o processo (eleitoral), tendo em vista o grande número de casos inadvertidos e deliberados de informações falsas que certamente surgirão.
Os partidários do sistema bipartidário são tentados a culpar o “outro lado” pelas tensões nacionais e a absolver os seus próprios de culpa. Mas um exame do sistema político como um todo, especialmente em um contexto comparativo e de séries temporais, mostra sérias disfunções e desconfianças das instituições e uma cultura política que representam um desafio crescente aos valores, normas, instituições e procedimentos democráticos. Uma pesquisa de agosto de 2024 do Pew Research descobriu que, “Atualmente, os democratas são 30 pontos percentuais mais propensos do que os republicanos a expressar confiança de que a eleição presidencial será conduzida de forma justa (77% vs. 47%)”.
Em abril de 2024, o Gallup concluiu o seguinte de sua pesquisa internacional sobre atitudes no público das nações democráticas do G7:
“Dadas essas realidades, os EUA agora ocupam o último lugar no Índice das Instituições Nacionais em comparação com o restante do G7. O Índice das Instituições Nacionais é uma medida composta da confiança que os residentes de um país têm nas principais instituições nacionais, como as forças armadas, o sistema judicial, o governo nacional e a honestidade das eleições. Em 2006, os EUA lideraram o índice entre os países do G7, marcando 63 de 100 pontos possíveis. Em 2022, ficou na parte inferior pela primeira vez registrada, marcando 53 pontos, e consolidou sua posição com um declínio para 49 pontos no ano passado”.
As características da situação eleitoral em 2024 foram resumidas em contraste comparativo pela revista semanal The Economist:
“As eleições americanas tendem a criar conflitos. A América é a única democracia presidencial adequada, em que a pessoa que ganha mais votos não necessariamente ganha o poder. O intervalo de dois meses entre a votação e a certificação eleitoral no Congresso é o mais prolongado em qualquer lugar. A complexidade convida a desafios legais, que aumentam a complexidade. Por todas essas razões, as eleições americanas exigem paciência e confiança. Infelizmente, o país vem em último lugar entre o G7 na confiança no judiciário e em último lugar na crença de que suas eleições são honestas”.
Declínio democrático, autoritarismo e violência política
Sentimentos e governos autoritários ou autocráticos estão se expandindo globalmente, com efeitos que afetam os países democráticos. A grande maioria do público americano ainda apoia firmemente a democracia em abstrato, de acordo com pesquisas de painel feitas de 2017 a 2022 pelo Democracy Fund. Mas algumas pessoas estão dispostas a abrir exceções, em circunstâncias específicas, quando seus próprios interesses entram em conflito com procedimentos e resultados, uma postura denominada “hipocrisia democrática”. Ou seja, “o apoio à ideia de democracia foi maior do que o apoio a seus componentes fundamentais, como freios e contrapesos, conforto com o pluralismo, aceitação de resultados eleitorais impopulares e condenação de casos reais de violência política”.
Nas pesquisas do estudo de painel, “líder forte” foi definido para os participantes como aquele “que não precisa se preocupar com o Congresso e as eleições” para fazer as coisas (ou seja, sem equilíbrio institucional de poder). Algumas das muitas descobertas perspicazes deste excelente projeto de painel de longo prazo incluem:
“Definimos ‘autoritários consistentes’ como qualquer pessoa que apoie consistentemente qualquer uma das alternativas à democracia – ter líderes fortes, governo militar ou favorecer um golpe militar para lidar com a corrupção – ou que justifique consistentemente a violência para atingir objetivos políticos. Cerca de 8% dos americanos em geral atenderam a esses critérios […] O risco real para a democracia americana, então, é a parcela significativa de pessoas que apoiam ou aceitam o comportamento antidemocrático e a violência política quando seu lado o faz e que estão dispostas a desistir da democracia para promover seus interesses partidários […] Quando os líderes partidários tomam ações antidemocráticas – como mudar as regras eleitorais a seu favor, enfraquecer o poder dos freios e contrapesos ou subverter as eleições – seus apoiadores estão dispostos a seguir em frente. Os níveis mais altos de apoio à liderança autoritária vêm daqueles que estão descontentes, desengajados da política, profundamente desconfiados de especialistas, culturalmente conservadores e têm visões negativas em relação às minorias raciais”.
O nível de “hipocrisia democrática” ou “duplo padrão partidário” foi especialmente acentuado entre os republicanos, em contraste com os democratas (estes últimos mesmo durante a Presidência de Trump), fato destacado em outros estudos de opinião pública. Aqueles que apoiam violações dos princípios democráticos tendem a justificá-lo como a busca de um bem maior, de acordo com as opiniões e os interesses de seu partido. O relatório do Fundo para a Democracia observa:
“Entre os 81% dos republicanos que acreditavam, em setembro de 2020, que é importante que o perdedor reconheça o vencedor da eleição, 62% rejeitaram Biden como o presidente legítimo após a eleição, 53% disseram que era apropriado que Trump nunca concedesse a eleição, 87% acharam apropriado que Trump contestasse os resultados da eleição com ações judiciais, e 43% aprovaram que os legisladores republicanos reatribuíssem votos a Trump. Os republicanos que exibem níveis mais altos de polarização afetiva foram os mais resistentes a aceitar uma derrota eleitoral. Em contraste com uma rejeição esmagadora e consistente da violência política nas quatro ondas da pesquisa, os eventos violentos de 6 de janeiro de 2021 foram vistos favoravelmente pelos republicanos. Quase metade dos republicanos (46%) descreveu esses eventos como atos de patriotismo, e 72% desaprovaram o Comitê Seleto da Câmara de Representantes que foi formado para investigá-los”.
Em relação à prevalência de sentimentos autoritários na população americana como um todo, no que se refere às eleições de 2024, uma pesquisa grande de setembro de 2024 do Public Religion Research Institute concluiu que:
“Nossa nova pesquisa descobriu que quatro em cada dez americanos são suscetíveis a apelos autoritários, e esse número sobe para dois terços dos republicanos e protestantes evangélicos brancos […] Notavelmente, enquanto a grande maioria dos americanos rejeita o uso da violência política, aqueles que apoiam o autoritarismo são quase duas vezes mais propensos do que o público em geral a apoiá-lo. Essas descobertas devem servir como um aviso importante, à medida que entramos em uma temporada eleitoral que é incrivelmente significativa para a saúde da democracia americana […] Os republicanos são cerca de 2,5 vezes mais propensos do que os democratas a concordar com medidas de violência política: que os patriotas podem ter que recorrer à violência para salvar nosso país (27% vs. 8%); que os americanos comuns precisarão garantir que o líder legítimo assuma o cargo, mesmo que isso exija a tomada de ações violentas (24% vs. 10%); e que cidadãos armados são necessários como observadores eleitorais (24% vs. 10%, respectivamente). E os republicanos que têm uma visão favorável de Trump são consideravelmente mais propensos do que aqueles que têm uma visão desfavorável de Trump a concordar com todas as três declarações”.
A maioria dos estudiosos do assunto, e muitas autoridades relacionadas com a aplicação da lei, concordam em que a violência política e o apoio a ela estão aumentando. Em junho de 2024, o professor Robert Pape, diretor do Projeto de Segurança e Ameaças da Universidade de Chicago, observou o recente aumento na aceitação da violência por parte da esquerda, o que aumenta o número total de pessoas que dizem tolerar a violência política. Suas pesquisas mostram que agora há mais apoio na esquerda para aceitar a violência para impedir que Trump recupere o cargo (estimativa: 26 milhões) do que na direita para garantir que ele retome a presidência (estimativa: 18 milhões), uma reversão de apenas alguns anos atrás. Aqueles muitos milhões que não participariam de nenhuma violência poderiam muito bem aprovar os resultados de tal violência.
Muitas análises comparativas em um contexto global vêm alertando, há pelo menos uma década, sobre o “declínio democrático” gradual nos Estados Unidos, em áreas como manipulação eleitoral (inclusive em nível estadual), cultura política, eficácia das instituições e excessos do executivo. Por exemplo, o Índice de Estado de Direito do World Justice Project classificou os Estados Unidos em 26º lugar no mundo entre 142 países em 2023, em relação a oito fatores de governança. A Freedom House tem rastreado e analisado essas tendências negativas nos Estados Unidos, incluindo a ameaça de informações falsas e enganosas e o status dos direitos políticos e das liberdades civis.
Nos últimos anos, porém, os líderes de opinião republicanos (incluindo o presidente da Câmara dos Representantes, Mike Johnson) passaram a insistir em que os Estados Unidos não são uma “democracia”, mas sim uma “república constitucional”. Os republicanos falaram e propagandearam explicitamente por décadas sobre democracia versus nazismo e, depois, versus comunismo. O presidente George W. Bush disse que esperava transformar o Iraque e o Afeganistão em “democracias”, não em “repúblicas constitucionais”. Como mostra qualquer curso introdutório de Ciência Política, é possível ser uma república constitucional que é também uma democracia representativa. Essa mudança de terminologia não está sendo feita em favor da precisão acadêmica ou retórica, mas por algum propósito político prático na orientação de governança que merece observação subsequente atenta, particularmente se Trump ganhar a Presidência.
O movimento dos líderes de opinião da direita americana em direção à admiração da autocracia ou do autoritarismo por seus valores tradicionais e características antiprogressistas e anti-“woke” foi registrado em muitos indicadores e por eventos. A Conferência de Ação Política Conservadora (CPAC, na sigla em inglês) foi realizada na Hungria em maio de 2022, com a participação do presidente autocrático Viktor Orbán. Ele também foi entrevistado com simpatia pela celebridade da direita Tucker Carlson em agosto de 2023 e recebe atenção contínua na Fox News. Trump recebeu Orbán em sua propriedade em Mar-a-Lago em julho de 2024. No debate presidencial de setembro de 2024 com Harris, Trump citou Orbán como um de seus admiradores e um líder “forte” amplamente respeitado. Por um lado, Trump muitas vezes expressou sua admiração por ditadores como “líderes fortes”, muitas vezes chamando-os de “inteligentes”. Por outro, retrata Harris como muito “fraca” (e muito progressista) para ser uma presidente eficaz, insinuando que, como mulher, ela não seria levada a sério por importantes líderes estrangeiros, especialmente adversários.
Melhores amigos: Trump e Viktor Orbán posam para foto em Nova Jersey, em ago. 2022 (Fonte: RadioFreeEurope)
Várias organizações importantes realizaram estudos e simulações sobre a capacidade institucional do país de resistir a um ataque de tentativas autoritárias de monopolizar ou tomar o poder total, inclusive por meio de atrito gradual e subterfúgio. A Just Security publica um American Autocracy Threat Tracker que “cataloga de forma abrangente todos os Projetos 2025 de Trump e seus aliados e outros planos e promessas específicos”. Em maio e junho de 2024, o Democracy Futures Project do Brennan Center for Justice conduziu “cinco exercícios de mesa apartidários com a premissa de um candidato autoritário ganhar a Presidência para testar a resiliência das instituições democráticas. As ações executivas antidemocráticas exploradas nos cenários foram baseadas nas declarações públicas do ex-presidente Donald Trump sobre seus planos para um possível segundo mandato”. Os exercícios consistiram em cinco simulações com profissionais seniores experientes, 175 participantes de ambos os partidos e independentes, de diversos setores sociais e governamentais. Nas palavras de Barton Gellman, diretor-executivo do Centro, “Os jogos demonstraram repetidamente que um autoritário no controle do Poder Executivo, com pouca preocupação com os limites legais, tem uma vantagem estrutural sobre qualquer esforço legal para contê-lo […] Os exercícios sugerem que não seria possível bloquear todos os abusos, mas existem ferramentas disponíveis para desviar, atrasar e diminuir os danos”.
O ambiente pré-eleitoral
Os Estados Unidos em 2024 mostram amplo acordo na teoria sobre seus valores básicos, mas sofrem de dois fluxos partidários conflitantes e díspares de informações e significados quanto às especificidades práticas (exemplos: Fox News vs. MSNBC). Existem verdades” ou “fatos que realmente importam” separados sobre quase tudo e diferentes “fontes confiáveis”, inclusive sobre a natureza, as características-chave, os procedimentos e as instituições da democracia, os termos-chave a serem enfatizados e quais questões e escândalos são os mais urgentes e quais devem ser ignorados (muitas vezes por “indignação seletiva”). Cada lado se sente mais bem informado e tende a ver os consumidores sérios do fluxo oposto como mal-informados e equivocados, porque essas outras fontes “escondem a verdade”.
A forte animosidade partidária bloqueia o diálogo e o compromisso bipartidário que costumavam ser possíveis. Os americanos concordam amplamente em que “a democracia está em jogo”, mas diferem muito sobre quem ou o que é a ameaça. A alfabetização cívica entre a população mostra fraquezas (particularmente em detalhes importantes das eleições e do funcionamento do governo), e a preservação da democracia raramente está no topo das preocupações de um eleitor nas urnas, duas desvantagens para a proteção da democracia pelos cidadãos. Mas uma pesquisa da Economist/YouGov no início de setembro de 2024 mostrou que a maioria dos americanos estava dedicando atenção à campanha eleitoral, respondendo “Muito” (47%), “Alguns” (29%), “Apenas um pouco” (17%) e “Nenhum” (7%).
Aspectos da Constituição que entrou em vigor em 1789 se tornaram difíceis de manejar nas condições nacionais do início do século XXI, e mudanças nesse documento básico são muito difíceis politicamente. A suposição comum ao longo de décadas, inclusive nos livros didáticos universitários sobre o governo americano, de que os americanos apoiam totalmente a democracia foi refutada na teoria e na prática. Os americanos estão definitivamente insatisfeitos com a condição da nação e expressam exaustão com anos de conflito e divisão. A autoconfiança nacional foi abalada, mais do que em muitos países com economias avançadas. Uma pesquisa do Pew Research de abril de 2024 mostrou que “apenas 19% dos americanos dizem que a democracia nos Estados Unidos é um bom exemplo para outros países seguirem”.
O público está cético em relação às informações eleitorais em geral, com baixa confiança recorde no governo nos últimos 15 anos. Apenas 50% dos democratas, 35% dos republicanos e 24% dos independentes acreditam em que as eleições de novembro de 2024 serão “abertas e honestas”, em uma pesquisa de setembro de 2023 do Public Affairs Council. Cerca de 70% dos republicanos ainda acreditavam, em setembro de 2024, em que a eleição de 2020 foi “roubada” de Trump por fraude, e a maioria está frustrada porque a grande mídia não leva sua reclamação a sério. Por que a suspeita e a raiva? A eleição de 2020 foi tão acirrada nos resultados do Colégio Eleitoral que uma hipotética realocação de apenas 44.000 votos na Geórgia, no Arizona e em Wisconsin (0,28% do total nacional) teria resultado em um empate no Colégio Eleitoral, jogando a eleição para a Câmara dos Representantes, com uma provável vitória de Trump. Uma pesquisa AP-NORC descobriu que os republicanos são mais propensos, em novembro de 2024, a confiar na palavra de Trump do que nos resultados oficiais das eleições para obter informações precisas, 67% contra 51%, enquanto 87% dos democratas confiam nos números oficiais.
Regularmente, Trump aumenta as expectativas entre seus fãs sobre a certeza de sua vitória para salvar o país, em contraste com suas visões apocalípticas dos resultados supostamente extremos de uma Presidência de Harris, como “Israel deixará de existir”, “você vai acabar na Terceira Guerra Mundial” e prevendo “uma depressão, se ela se tornar presidente. Como em 1929”. Em março de 2024, ele afirmou: “Se não vencermos esta eleição, não acho que terá outra eleição neste país”. Disse em um comício em Las Vegas, em junho de 2024: “A única maneira de eles nos vencerem é trapaceando”, uma afirmação comum sua. Para aumentar a sensação de grave ameaça que ele usa para descrever o país, em meados de setembro Trump se referiu a Harris com “Esta é uma esquerdista radical, marxista, comunista, fascista”.
Uma ampla análise das pesquisas pelo Gallup do ambiente eleitoral no final de setembro de 2024 determinou que “Quase todas as medidas do Gallup que mostraram alguma relação com os resultados das eleições presidenciais anteriores ou que falam sobre as percepções atuais dos dois principais partidos favorecem o Partido Republicano em detrimento do Partido Democrata”.
A participação eleitoral em 2020 foi de 66,7% dos eleitores elegíveis, a mais alta desde 1900, um sinal de mobilização incomum de eleitores e um nível elevado de preocupação pública com os candidatos e a direção do país. A eleição de 5 de novembro de 2024 também pode ter uma participação eleitoral extraordinária por causa dos altos riscos inerentes às opções fortemente divergentes.
Os resultados definitivos do Colégio Eleitoral dependerão do resultado em apenas cerca de sete estados “indecisos” (dos 50) que ainda são competitivos – Arizona, Geórgia, Michigan, Nevada, Carolina do Norte, Pensilvânia e Wisconsin –, e a pressão sobre os eleitores e funcionários eleitorais lá é intensa. Disputas e escrutínio sobre “cédulas inválidas” e “irregularidades eleitorais” são quase uma certeza. Muitos milhões de eleitores do lado perdedor ficarão frustrados, e o vencedor no Colégio Eleitoral pode novamente ter uma minoria do voto popular, pela terceira vez desde 2000. Organizações e jornalistas esboçaram possíveis cenários negativos pós-eleitorais. Como os vencedores e perdedores reagirão ao que acontecer após a eleição será o próximo teste de estresse crucial da resiliência da democracia americana e o assunto do próximo artigo desta série.
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Informe OPEU “Trump, MAGA, and the United States Face the November 2024 Presidential Election and Beyond“, 10 out. 2024
Informe OPEU “A Profile of Trump Voters: The Demographics of his MAGA Enthusiasts and Their Relationship to Him”, 18 set. 2024 [Versão em português disponível aqui, com tradução de Gabriel Moura, bacharel em Relações Internacionais pela Universidade Anhembi Morumbi. Conferência da tradução: Wayne Selcher]
Informe OPEU “A Profile of Trump Voters: Values and Policy Preferences”, 23 ago. 2024 [Versão em português disponível aqui, com tradução de Tatiana Teixeira, pesquisadora de Pós-Doutorado (INCT-INEU/CNPq) e editora-chefe do OPEU]
Informe OPEU “The Appeal of Donald J. Trump”, 24 jun. 2024 [Versão em português disponível aqui, com tradução de Tatiana Teixeira, pesquisadora de Pós-Doutorado (INCT-INEU/CNPq) e editora-chefe do OPEU]
Book review “Eric Hoffer’s ‘The True Believer: Thoughts on the Nature of Mass Movements’”, 11 mar. 2024 [Versão em português disponível aqui, com tradução de Andressa Mendes, doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas (Unesp, Unicamp, PUC-SP)]
Estudos e Análises “American Political Culture in Transition: The Erosion of Consensus and Democratic Norms”, 29 fev. 2024
Estudos e Análises “Is the United States ‘Exceptional’?”, 3 ago. 2021 [Versão em português em breve]
Informe OPEU “Suggested Cost-Free Online Sources for U.S. Politics and Foreign Policy”, 2 jun. 2021
Publicity “Virtual Library: The Ultimate Online Research Guide”, 26 abr. 2021
* Wayne A. Selcher, PhD, é professor Emérito de Estudos Internacionais no Departmento de Ciência Política, na Elizabethtown College, PA, USA, e colaborador regular do OPEU. É fundador e editor da WWW Virtual Library: International Affairs Resources, um guia para pesquisa on-line sobre os mais diversos tópicos. Contato: wayneselcher@comcast.net.
** Tradução: Wayne Selcher. Revisão e edição final: Tatiana Teixeira. A versão original em inglês deste artigo foi publicada em 10 de outubro. Este conteúdo não reflete, necessariamente, a opinião do OPEU, ou do INCT-INEU.
*** Sobre o OPEU, ou para contribuir com artigos, entrar em contato com a editora do OPEU, Tatiana Teixeira, no e-mail: professoratatianateixeira@outlook.com. Sobre as nossas newsletters, para atendimento à imprensa, ou outros assuntos, entrar em contato com Tatiana Carlotti, no e-mail: tcarlotti@gmail.com.
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