Eleição presidencial nos EUA: quem herdará a crise da Ucrânia?
(Arquivo) Presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, em 14 fev. 2022 (Crédito: Presidência/ Flickr/Domínio Público)
Por Beatriz Maria Lamarca Lupetti e Vitor Kishimoto Cavani* [Informe OPEU] [Eleições 2024] [Ucrânia]
A tensão e o conflito entre Rússia e Ucrânia já duram mais de dez anos — desde, pelo menos, a Crise da Crimeia (2014) —, caracterizando um relacionamento complexo e ativo. Os combates que se seguem começaram em 24 de fevereiro de 2022, quando o Exército Russo invadiu o território ucraniano, dando início a uma guerra maciça.
Entre outros motivos alegados, essa medida foi tomada, devido ao avanço da influência da OTAN sobre países historicamente persuadidos pela Rússia, especialmente as ex-repúblicas soviéticas nas suas fronteiras, como os países bálticos. Isso fez a percepção de ameaça crescer progressivamente, como pode ser exemplificado no discurso do presidente Vladimir Putin em 2007, na 43ª Conferência de Segurança de Munique. Nesse dia, em uma de suas falas, o líder russo expressou: “acontece que a OTAN colocou as suas forças da linha de frente nas nossas fronteiras […] Penso que é óbvio que a expansão da OTAN não tem qualquer relação com a modernização da própria aliança ou com a garantia da segurança na Europa. Pelo contrário, representa uma grave provocação que reduz o nível de confiança mútua”.
Putin discursa em Munique com a delegação dos Estados Unidos liderada pelos senadores John McCain e Joe Lieberman e pelo secretário de Defesa Robert Gates assistindo ao fundo, em 10 fev. 2007 (Crédito: Kremlin/Wikimedia Commons)
No caso da guerra russo-ucraniana, é inegável que o apoio militar, econômico, político e humanitário dos EUA é fundamental para a sustentação da Ucrânia nos combates. Ademais, levando-se em conta que a totalidade das disputas aconteceu durante o mandato do atual presidente dos Estados Unidos, Joe Biden (2021-), é de se associar que sejam características de seu governo medidas como a expulsão russa do Sistema SWIFT, a realização de exercícios militares, como o Steadfast Defender 24, e o fornecimento de informações estratégicas para o Exército ucraniano.
Nesse contexto, as ações de política externa do atual governo estadunidense têm sido amplamente criticadas, mas não apenas pela oposição republicana. Enquanto alguns, como o grupo pacifista Code Pink, afirmam que os Estados Unidos estão desperdiçando recursos financeiros, humanitários e militares em uma nação estrangeira, outros criticam a falta de assertividade em medidas para encerrar o conflito, argumentando que o apoio atual é suficiente apenas para sustentar a resistência.
Com a eleição nos Estados Unidos e a decisão de Joe Biden de não buscar um novo mandato, o futuro do apoio estadunidense à Ucrânia se tornou incerto. De um lado, o candidato republicano Donald Trump promete encerrar o conflito rapidamente. Do outro, Kamala Harris, que assumiu a candidatura democrata, defende a continuidade das políticas adotadas pelo governo anterior. Dessa forma, surge a incerteza sobre quem herdará a Crise da Ucrânia e quais serão os próximos passos dessa guerra.
Rumo a tensões crescentes
Kamala Harris começou sua carreira na política estadunidense como procuradora da Califórnia e ganhou prestígio ao se tornar a primeira mulher negra a ocupar o cargo de procuradora-geral. Em 2020, sua trajetória alcançou um marco significativo ao concorrer na eleição presidencial como vice de Joe Biden e vencer a chapa republicana Donald Trump-Mike Pence.
Durante seu mandato como segunda no comando da nação, Harris dedicou especial atenção à diplomacia com os países da América Latina, sem deixar de atuar em outras questões globais de grande relevância, como a retomada do multilateralismo e a defesa do meio ambiente. No caso da guerra na Europa, a democrata teve um papel ativo na crise ucraniana, auxiliando na aprovação de pacotes de auxílio econômico-financeiro no Senado e defendendo a soberania da Ucrânia em suas declarações.
A candidatura de Kamala Harris causou um impacto profundo na corrida eleitoral, transformando o que parecia ser uma vitória certa para Trump em uma disputa acirrada pelo poder. Esse cenário ficou evidente no debate de 10 de setembro, em que Harris e Trump se enfrentaram diretamente, pela primeira vez. A Guerra da Ucrânia foi o sexto tópico discutido. Trump destacou suas boas relações com Putin, afirmando que, por isso, tem maior capacidade de negociar a paz, enquanto Kamala argumentou pela continuidade do auxílio à Ucrânia e pelo fortalecimento dos laços com os países da OTAN. Com um desempenho geral superior, a democrata conseguiu colocar o republicano em uma posição complicada, mudando completamente o rumo da campanha.
Assim, como sucessora de Biden, a candidata democrata tem defendido firmemente a continuidade dos laços estratégicos e diplomáticos com a Ucrânia, posicionando-se como uma forte aliada do país. Em 26 de setembro de 2024, Kamala recebeu o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, em uma reunião de alto nível, na qual discutiram amplamente o futuro da Europa e as implicações da guerra para a segurança regional e global. Durante o encontro, a candidata reiterou seu compromisso inabalável com a soberania ucraniana, enfatizando que os Estados Unidos continuarão fornecendo apoio militar, econômico e humanitário de forma consistente. Harris também deixou claro que não está disposta a negociar com a Rússia e que pretende garantir todos os recursos necessários para sustentar a Ucrânia no conflito e fortalecer seus aliados europeus.
(Arquivo) Vice-presidente Kamala Harris em entrevista coletiva com o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, em 17 fev. 2024, no Commerzbank, em Munique (Crédito: Casa Branca/ Lawrence Jackson)
Recalculando a rota
Essa política tem, no entanto, a possibilidade de sofrer drásticas mudanças, em caso de vitória do empresário e ex-presidente Donald Trump. Diferentemente da convergência em temas como o apoio estadunidense a Israel, quando se trata dessa guerra leste-europeia, o conservador tende a adotar uma visão pacificadora.
Por um lado, suas falas são recebidas com preocupação na Ucrânia, já que se prevê, em um possível novo mandato de Trump, uma diminuição da ajuda, principalmente financeira, que é um dos pilares para manter a frente ucraniana de pé. Por conseguinte, durante esse período de campanha, o presidente Zelensky chegou, também, a se encontrar com o republicano, a fim apresentar suas expectativas e tentar assegurar a manutenção do apoio ou, ao menos, evitar cortes intensos, no cenário descrito acima. Mesmo com conversas sobre o fim da contenda e acordos de paz, as promessas feitas por Trump não se alinham com as preferências de Kiev, que escolhe apostar em seu “Plano para a Vitória”, que conta com a permissão do uso de armas ocidentais para ataques de longa distância contra a Rússia, além de outros pontos.
Por outro, o republicano também chegou a dar declarações mais ambiciosas, como a de que, caso ganhe, acabará com a guerra em um dia. Ainda que tenha sido chamado à realidade pelos russos por conta de suas declarações hiperbólicas, as previsões indicam uma possível mudança no rumo da potência estadunidense em direção a decisões que favoreçam a Rússia.
A proximidade entre Donald Trump e Vladimir Putin existe desde pouco antes do primeiro mandato do republicano (2017-2021), quando os Estados Unidos acabaram se envolvendo em questões como a possível interferência russa nas eleições de 2016 (acusações negadas por Moscou). Outrossim, trazendo um reflexo dessa colaboração para a contemporaneidade, ficou claro o partido tomado pelo Kremlin durante uma entrevista do presidente russo em setembro de 2024, em que, à luz da corrida eleitoral, ironizou um apoio a Kamala Harris. Esse comentário se demonstrou favorável a Trump por poder ser interpretado como uma declaração de associação indireta, já que posicionamentos mais explícitos seriam ainda mais criticados, além de poderem servir de pretexto para a suspeita de ingerência na decisão do próximo chefe do Executivo estadunidense.
(Arquivo) O então presidente dos EUA, Donald Trump, e presidente Vladimir Putin, em 16 jul. 2018 (Crédito: Casa Branca/Shealah Craighead)
Um futuro incerto
As eleições estadunidenses de 2024 representam um ponto de inflexão significativo para o futuro da guerra na Ucrânia, devido às abordagens drasticamente divergentes dos candidatos democrata e republicano em relação ao conflito. Essas diferenças exacerbam os dilemas enfrentados pelos eleitores dos Estados Unidos, principalmente em um contexto de polarização política e social extrema.
A sociedade está profundamente dividida, com debates fervorosos não apenas sobre a política externa, mas também sobre questões internas, como o aborto e o armamentismo, que impactam diretamente o cotidiano dos eleitores. Kamala Harris tende a garantir o apoio de setores progressistas e de parte significativa da comunidade afro-americana, enquanto Donald Trump, apesar de seu discurso controverso em questões raciais e migratórias, tem conseguido atrair eleitores latinos, conservadores e de baixa renda com sua promessa de revitalização econômica, criticando o governo Biden por falhas no combate à inflação e à estagnação na economia estadunidense.
Diante desse cenário, o resultado das eleições permanece incerto, pois as preocupações econômicas, somadas às divergências quanto ao papel dos EUA no cenário global, tornam a escolha dos eleitores ainda mais complexa. Mesmo assim, uma coisa é certa: a política externa estadunidense em relação à Ucrânia mudará. Rumo à maior ou menor intensidade? Isso apenas as urnas dirão.
* Beatriz Maria Lamarca Lupetti é graduanda em Relações Internacionais na PUC-SP e integrante do Grupo de Estudos sobre Conflitos Internacionais (GECI) da PUC-SP. Contato: beatrizmariall7@gmail.com
Vitor Kishimoto Cavani é graduando em Relações Internacionais na PUC-SP e integrante do Grupo de Estudos sobre Conflitos Internacionais (GECI) da PUC-SP. Contato: vitorkcavani89@gmail.com.
** Revisão de conteúdo realizada por Tito Lívio Barcellos Pereira (doutorando no PPGRI San Tiago Dantas) e Isabela Agostinelli (pesquisadora de pós-doutorado no INCT-INEU/CNPq). Revisão de texto: Simone Gondim. Contato: simone.gondim.jornalista@gmail.com. Revisão e edição final: Tatiana Teixeira.
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