Eleições

Kamala Harris e as chances de não se tornar Hillary Clinton

Kamala Harris e Hillary Clinton (Fonte: Instagram/Hillary)

Por Eduardo Costa e Guilherme Tomasini* [Informe OPEU] [Eleições 2024] [Kamala Harris]

Após um debate desastroso para a campanha democrata, com um cenário externo desfavorável e crescente pressão, o presidente Joe Biden anunciou, em 21 de julho de 2024, sua desistência de concorrer à reeleição, declarando, logo em seguida, seu apoio à vice-presidente, Kamala Harris, como candidata do partido.

Harris aceita concorrer pela nomeação, enchendo a campanha de empolgação. Biden não vinha apresentando bons números nos estados-pêndulos – fator que preocupava os democratas, que observavam uma imagem cada vez mais fragilizada do presidente. Com Harris no topo da cédula, os números começaram a ficar favoráveis, e estados-chave azuis começaram a surgir.

Uma figura que já esteve nessa posição ressaltou, no entanto, a importância de os eleitores democratas não se deixarem levar pelas pesquisas. Durante seu discurso na Convenção Nacional Democrata, em 19 de agosto, a ex-senadora e ex-secretária de Estado Hillary Clinton relembrou seu momento como favorita a derrotar Donald Trump, em 2016, e a tranquilidade de sua campanha com números – o que contribuiu para sua derrota.

Hillary discursa na CND 2024 (Crédito: canal da CND 2024 no YouTube)

As pesquisas eleitorais de 2016 x 2024

Em 2016, a campanha de Hillary Clinton começou em vantagem, com números generosos, principalmente nos estados-pêndulos, como a Flórida, onde ela chegou a ter uma vantagem de 13 pontos.Tratava-se do mais importante estado para a corrida naquele ciclo eleitoral. Nacionalmente, Hillary chegou a registrar 12 pontos de vantagem em agosto daquele ano.

Apesar da queda nos números, conforme a disputa avançava, Hillary se consolidava como a candidata mais competente para assumir a Casa Branca, com credenciais incomparáveis em relação a Trump, e as pesquisas continuavam a mostrar vantagem. A corrida foi ficando mais acirrada, conforme Trump agradava mais a seus eleitores, e a saúde da democrata entrava em jogo com a cobertura misógina da imprensa – o que favorecia o republicano.

Com o fim dos debates decisivos em outubro, Hillary saía como vitoriosa. Ficou à frente nacionalmente por 12 pontos, alcançando 50% de apoio. Em estados decisivos, como Michigan, ela liderava por 7 pontos, entre os prováveis eleitores. Enquanto isso, faltando duas semanas para o dia da votação, Kellyanne Conway, gerente de campanha de Trump em 2016, admitiu que estavam atrás e que a democrata tinha vantagens. Donald Trump, em rara fala, disse que ficaria feliz qualquer que fosse o resultado.

Mas, qual foi o resultado? Donald Trump foi eleito o 45º presidente dos Estados Unidos.

Em 2023, quando ainda faltava um ano para as eleições, as pesquisas já mostravam que a campanha à reeleição de Biden não começaria bem. Após um primeiro debate desastroso, em 27 de junho, poucos dias antes da desistência, Biden aparecia atrás do republicano em sete estados decisivos e com a desvantagem aumentando na Geórgia, na Pensilvânia e no Arizona. Também foi registrado que eleitores de Biden em 2020 tenderiam a votar em Trump este ano.

Com pressões vindas de eleitores democratas, de financiadores de campanha, incluindo várias celebridades, e até membros de seu próprio partido, Joe Biden decidiu abandonar a reeleição e apoiar Kamala Harris a apenas um mês da Convenção Nacional Democrata, que definiria o candidato da legenda, e a quatro meses para a eleição. Harris aceitou concorrer, tornando-se a primeira mulher negra, com ascendência indiana e jamaicana, a ser cabeça de chapa presidencial entre os grandes partidos.

Presidente Joe Biden anuncia retirada da candidatura à reeleição (Crédito: ABC News, YouTube)

As pesquisas, agora com a atual vice-presidente na corrida eleitoral, passaram a mostrar uma melhora. Harris começou a liderar em, praticamente, todos os estados do chamado Blue Wall, com Trump à frente nos estados do Sun Belt. Mesmo que esta corrida se torne a mais acirrada da história, Kamala conseguiu, com todo apoio e animação, trazer a vantagem de Trump para si.

Em pesquisas realizadas entre eleitores indecisos, o debate entre os candidatos teve Harris como vitoriosa, com uma vantagem sólida de 30 pontos (60%-33%). Algumas pesquisas mais recentes mostram a democrata, no entanto, com 1 ponto de vantagem no Michigan e com menos de 1 ponto na Pensilvânia. Ainda que seja uma margem pequena, que não dê garantia de vitória, foi com essa mesma margem que Trump ganhou nos estados decisivos em 2016.

O cenário permanece de empate e incertezas. A corrida começou certa para Trump, acirrando-se com o passar dos meses e ficando mais apertada com Harris, voltando aparentemente, no momento atual, a favorecer Trump.

Novo elemento definidor

Kamala mostra um alinhamento estreito e evidente com as políticas do presidente Biden, especialmente as relacionadas com a Guerra da Ucrânia e o apoio aos aliados dos Estados Unidos, como na Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) e os demais parceiros estratégicos importantes. No entanto, as guerras no Oriente Médio, especialmente o genocídio israelense na Faixa de Gaza, e contra o Hezbollah no Líbano, têm gerado um pequeno dissenso. Mesmo apoiando a incessante parceria estratégica com o Estado de Israel, ao que parece, Kamala Harris se mostra crítica ao genocídio de civis palestinos.

Além disso, a escolha de Tim Walz como companheiro de chapa, em vez de Josh Shapiro, governador judeu sionista da Pensilvânia, mostra a tentativa de não desagradar ao eleitorado muçulmano no Michigan, estado-pêndulo decisivo na corrida à Casa Branca. Nas eleições de 2020, Joe Biden venceu no Michigan justamente com o apoio dos eleitores árabes, mostrando a importância inédita da política externa, em específico, como um ponto de inflexão para os estadunidenses.

Efeitos da política externa nas campanhas de 2016 e 2024

Durante a campanha presidencial de 2016, Hillary Clinton sofreu várias críticas relativas à sua passagem pelo governo Obama, visto que, durante seu mandato como secretária de Estado, ela teria enviado arquivos com informações confidenciais usando o e-mail pessoal.

Além disso, a democrata, enquanto à frente do Departamento de Estado, teve um papel definidor na política externa dos EUA nos anos 2010, sendo a idealizadora da política do “Pivô para a Ásia”, a fim de redirecionar o eixo estratégico do Oriente Médio para o Indo-Pacífico. Desse modo, para além de almejar conter a ascensão da China na região, Hillary se destaca como uma candidata mais “linha dura” contra os atores hostis como Rússia e Irã.

Apesar disso, Clinton sofreu com a hiperbolização do ataque ao consulado estadunidense na Líbia, em 2012, que matou o embaixador dos Estados Unidos no país. De acordo com um relatório da Comissão de Inteligência do Senado, esse ataque poderia ter sido evitado. No que tange a Harris, sua herança do governo Biden e seus efeitos, a política externa mais influente nessas eleições também se relaciona com ações do governo Trump, ponto que a própria democrata utiliza como uma fragilidade do candidato.

Os fatores principais de política externa que estão influenciando a atual conjuntura eleitoral são, sem dúvida, a retirada das tropas estadunidenses do Afeganistão, de forma totalmente desordenada, em 2021; a Guerra de Israel na Faixa de Gaza e o conflito no Líbano, desde 7 de outubro de 2023; e, por fim, a Guerra Russo-Ucraniana, desde fevereiro de 2022.

(Arquivo) Soldados da 10ª Divisão de Montanha do Exército dos EUA vigiam pista do aeroporto de Cabul, em 16 ago. 2021 (Crédito: Sgt. Isaiah Campbell/Wikimedia Commons)

Sendo a herdeira presuntiva de Joe Biden, Kamala Harris acaba tendo de lidar com a pressão, especialmente da ala progressista do partido, a fim de que um cessar-fogo em Gaza seja alcançado. Até o momento, este parece ser um cenário improvável no curtíssimo prazo.

Apesar disso, fatores de política externa que potencialmente influenciariam a eleição, como a Guerra entre Rússia e Ucrânia, apresentam menos relevância em ambas as campanhas, já que, no momento – assim como para o restante do mundo –, novos fatos acabaram apagando sua notoriedade. Podemos citar os assuntos mais importantes para os eleitores dos EUA nas eleições de 2024: economia, em primeiro lugar, seguida de imigração e aborto.

O improvável possível

Pela segunda vez em menos de dez anos, os Estados Unidos veem uma mulher como cabeça de uma campanha democrata pela Casa Branca e – apesar de, atualmente, não nos surpreender – concorrendo contra o mesmo republicano de anos atrás. Ainda que as conjunturas nacionais e internacionais sejam hoje diferentes do que se observou em 2016, é impossível não colocar as campanhas em uma comparação.

Pode-se dizer que os democratas aprenderam com 2016 e, em 2020, elegeram Joe Biden para presidente. Agora, o tempo mostrará se conseguirão fazer o mesmo este ano, em função dos altos e baixos em quatro anos de governo Biden. Apesar de parecer improvável para alguns, a corrida ainda está indefinida, tornando-se, assim, algo possível.

Se Kamala Harris for eleita em novembro – assim como preveem o historiador Allan Lichtman e suas 13 chaves para a Casa Branca –, 2024 se tornará um ano histórico para os Estados Unidos, elegendo a primeira mulher negra para a Presidência, coroando um ciclo de lutas femininas. Isso também consolidaria o papel transitório de Biden, que, além de ter sido vice do primeiro presidente negro, ajudou a eleger a primeira mulher vice-presidente.

 

* Eduardo Souza Costa é graduando em Relações Internacionais na PUC-SP e integrante do Grupo de Estudos sobre Conflitos Internacionais (GECI) da PUC-SP. Contato: eduscosta16@hotmail.comGuilherme Tomasini dos Santos é graduando em Relações Internacionais na PUC-SP e integrante do Grupo de Estudos sobre Conflitos Internacionais (GECI) da PUC-SP. Contato: gui.tomasini@hotmail.com.

** Primeira revisão de conteúdo: Antonio Pedro Bandeira de Mello de Miranda (mestrando no Pós-Graduação em Relações Internacionais da Universidade Federal do ABC) e Isabela Agostinelli (pesquisadora de pós-doutorado no INCT-INEU/CNPq). Contatos: antoniopedro.miranda@gmail.com e isagostinellis@gmail.com. Revisão de texto: Simone Gondim. Contato: simone.gondim.jornalista@gmail.com. Revisão e edição final: Tatiana Teixeira.

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