‘Hold up’: o impacto da campanha relâmpago de Kamala Harris
(Arquivo) Anúncio da senadora Kamala Harris como candidata a vice-presidente na chapa do democrata Joe Biden, em Wilmington (DE), em 12 ago. 2020 (Crédito: Adam Schultz/Biden for President)
Por Lauro Henrique Gomes Accioly Filho* [Informe OPEU]
Colocando a casa em ordem: a entrada de Kamala
Após o desastroso primeiro debate seguido de várias gafes, o Partido Democrata se ergue com a nova voz em voga. A curiosidade sobre essa voz é sua alta performance e velocidade para reverter o jogo eleitoral. Em três semanas de campanha, a candidata Kamala Harris melhora o desempenho democrata nas pesquisas eleitorais, reorganizando a imagem das propostas da legenda. É importante ressaltar, porém, que não há, até o momento, mudanças estruturais inabaláveis nesta corrida eleitoral, marcada por diversos eventos inesperados, como a tentativa de assassinato do candidato Donald Trump. Isso significa que ainda há um longo caminho a se percorrer até aquisição do aval das urnas.
A visão de repaginada exercida pela realocação da Kamala Harris na corrida eleitoral é observada na mais recente pesquisa da Marquette Law School Poll que indica a vice-presidente como a candidata preferida, projetando preferência de 52% dos eleitores registrados, enquanto o ex-presidente Donald Trump é a escolha de 48% dos eleitores. Outro resultado digno de nota nesta pesquisa foi o percentual de 80% eleitores indicando que preferiram a saída de Biden da disputa.
O salto de Kamala tem assustado Trump, especialmente, por sua campanha ser capaz de ofuscar o ex-presidente, que tenta, desde a tentativa de assassinato de 13 de julho, recuperar os holofotes. Assim, após o pânico deflagrado pela trágica condução do debate de Joe Biden, os democratas conseguiram um fôlego com o ingresso da vice-presidente para a maratona eleitoral, colocando Trump em uma saia justa de precisar descobrir como concorrer contra uma mulher negra duas décadas mais jovem que vem ultrapassando-o em multidões e arrecadação de fundos.
O maior ganho da nova aposta democrata é a aceitação da Harris no chamado Rust Belt, o Cinturão da Ferrugem, região dos estados-chave de batalha: Wisconsin, Pensilvânia e Michigan, em que ela alcança 50% das intenções de voto em comparação aos 46% de Trump.
Estados que formam o Rust Belt nos EUA (Fonte: Encyclopaedia Britannica)
Para além de um fenômeno político, Kamala mobiliza novas formas para ganhar o público americano na sua missão de realizar um feito histórico. Desde a independência dos Estados Unidos, em 1776, os 46 presidentes até o momento foram todos homens, e nenhuma mulher ocupou o cargo mais cobiçado do mundo. Seu histórico de transgredir padrões é inadiável: em 2010, tornou-se a primeira mulher e a primeira pessoa negra a ocupar o cargo de procuradora-geral do estado da Califórnia.
Crescimento orgânico: a nova forma de competir
Neste cenário, vale recordar que campanhas presidenciais são uma maratona, cujas etapas são bastantes complexas, porém, movidas por pautas. Uma pesquisa da Associated Press-NORC Center for Public Affairs Research indica que a confiança do eleitor é mais favorável a Trump quando se trata de lidar com a economia e a migração. Kamala, por sua vez, tende a dar mais confiança para lidar com pautas sobre a desigualdade racial, aborto e assistência médica. Além disso, o público está dividido sobre qual candidato faria um trabalho melhor lidando com o crime ou com as guerras em Gaza e na Ucrânia.
Em vista disso, observa-se que determinadas pautas precisam ser mais bem exploradas pelos candidatos para reverter esses números que podem desfavorecer seus índices. Por exemplo, ainda com base na referida pesquisa, a diferença de favorecimento de confiança das pessoas em Trump, se comparado com Harris, chega a 10% para lidar com a migração, e a 7%, em relação à economia. Quando observado o favorecimento de Harris na comparação com Trump, há uma diferença de 24% na pauta sobre políticas de aborto; 25%, acerca da desigualdade racial; e 15%, a respeito de assistência médica.
De acordo com o indicador de pesquisas do semanário The Economist, as pesquisas de intenção de votos mostram uma virada de chave do comando da corrida eleitoral desde a desistência de Joe Biden e o ingresso de Kamala Harris. Embora a diferença entre os candidatos seja de 3%, o crescimento orgânico de Kamala traz um novo gás aos democratas.
O crescimento de Harris alcança o estado decisivo da Pensilvânia, recebendo uma vantagem significativa em uma disputa acirrada sobre o ex-presidente Donald Trump. Segundo os dados da Quinnipiac University Poll, as intenções de voto na Pensilvânia para Harris são de 48% comparado aos 45% de Trump. Um elemento considerável dessa conquista intencional de voto é o apoio das mulheres, as quais representam a maioria das apoiadoras da candidata na região. A confirmação deste crescimento é destacado na média nacional de pesquisas do The Hill/Decision Desk HQ, indicando que Harris tem uma vantagem de 1,6 ponto percentual sobre Trump com base em 115 pesquisas de intenção de voto.
O entusiasmo partidário tem sido um termômetro considerável desta eleição, especialmente, porque ocorreu um processo de troca dos candidatos. Assim, a pesquisa da Monmouth University Polling mostra que, quando Biden era o provável candidato em junho, 46% dos democratas disseram que estavam entusiasmados com a revanche Trump-Biden. Todavia, em uma nova pesquisa após o ingresso da vice-presidente, 85% dos democratas demonstraram entusiasmo com uma disputa Trump-Harris.
Viral, orgânica e segmentada: a campanha de Kamala no digital
A campanha de Harris está trabalhando para capitalizar seu poder no mundo digital. Kamala mostra seu forte engajamento nas redes sociais, com seus 65 posts no TikTok em 20 dias recebendo mais visualizações do que os 335 posts de Biden ao longo de quase cinco meses. Seus memes virais indicam uma maior aproximação com o público jovem que não só reflete seu poder nas urnas, mas uma capacidade de definir uma narrativa instintiva de aproximação com as pessoas por detrás das telas. Especialmente, porque os eleitores indecisos da eleição de 2024 são mais jovens e mais diversos do que a composição da população geral de prováveis eleitores de 2024.
Com um ingresso certeiro no TikTok, Kamala elaborou um discurso propulsor para um público de 20 milhões de usuários que refletem a linguagem digital da Geração Z, sendo uma aposta grande da candidata aproveitar as plataformas de mídia social dominadas pelos jovens para ganhar força com essa faixa do eleitorado. Os ganhos desses movimentos são refletidos no surgimento do seu fandom apelidado de “K-Hive” em uma homenagem ao nome da dedicada base de fãs de Beyoncé, a “BeyHive”.
@kamalaharris
Página oficial de Kamala Harris no TikTok
Neste contexto, o Partido Democrata ganha uma nova condução desde a entrada de Harris na disputa, revigorando o apoio dos jovens americanos, uma importante base de eleitores democratas que Biden estava lutando para manter. Nas 48 horas após Biden se afastar e apoiar formalmente Harris, quase 40.000 pessoas se registraram para votar, provocando o maior pico relatado neste ciclo eleitoral. A maioria desses eleitores recém-registrados (83%) tem entre 18 e 34 anos. Assim, ela se mantém a postos para converter essa onda de ímpeto em votos no dia das eleições em novembro.
Sua estratégia é bem desenhada, segmentando funcionalidades e escolhendo públicos-alvos para cada rede social. A conta no X/Twitter se concentra nos ativos em debates políticos, o Instagram é pensado para os millennials, o Facebook é voltado para pessoas mais velhas, e o TikTok faz seu papel de atender o público jovem.
O medo desse sucesso alcança os membros da equipe de campanha de Trump, assim como seus conselheiros e doadores, ao temerem a juvenilidade e a energização da dinâmica de Kamala, que conquistou uma arrecadação expressiva de milhões de dólares em poucos dias. Neste cenário, eles pensam em expandir o mapa político para conquistar os tradicionais “estados azuis”, como Minnesota e Virgínia. A piora do desempenho republicano se acelera, porque a tática de Trump de recorrer a insultos não tem favorecido sua disputa. Diferentemente de Hillary Clinton, adversária de Trump na disputa presidencial de 2016, Kamala é hábil para ter uma reação imediata e dura de contornar os insultos.
O que aguardar dos próximos capítulos?
A condução orgânica que Kamala exerce em seu slogan – alterando o tom profundamente sério de Biden sobre o adversário republicano, que se referia a ele como uma “ameaça à democracia”, para uma linguagem leve e jovial, como “eles são bizarros” – tem surtido vários efeitos. Um deles é o senso de humor de Kamala se sobressaindo em relação aos gestos sombrios e ameaçadores de Trump, sobretudo, por ser conhecido como um difamador eficaz. Neste contexto, Trump tem lutado para revidar, ainda mais, sabendo que Harris surge como principal novidade política do país.
Por exemplo, uma publicação na sua rede social alternativa Truth Social afirmava que a imagem de Kamala chegando a um aeroporto do Michigan para um comício de campanha era “falsa”, insistindo em que sua campanha utilizou inteligência artificial (IA) para mascarar a ausência de apoiadores da candidata no local. Suas falas na rede social foram desmentidas por fotografias, vídeos e relatórios de agências noticiosas independentes, confirmando a presença de cerca de 15 mil pessoas.
A próxima tela a ser colorida deste retrato eleitoral será a do debate presidencial transmitido pela ABC, em 10 de setembro. Será um momento de avaliar a manutenção, queda ou aumento da rápida ascensão de Harris, a qual deixou a campanha de Trump se esforçando para desenvolver uma linha de ataque coerente contra ela. Até o momento, não tem adiantado a velha estratégia disruptiva de difamação, a qual vem sendo aplicada pelo republicano, sem descanso, ao pronunciar repetida e propositadamente errado o nome de Harris, além de questionar a identidade racial de sua adversária.
Uma característica que indica distinção entre Harris e Biden é a forma de lidar com Trump, em que ela sabe lidar com os deslizes polêmicos do comportamento de Trump, evidenciado quando reorganizou os gritos dos seus apoiadores em seu comício em Eau Claire, Wisconsin, pedindo a prisão do ex-presidente Donald Trump. Sua fala foi cirúrgica ao dizer “os tribunais vão cuidar dessa parte”, evitando que a retórica de Trump fosse que ele sofreria de uma contínua perseguição dos democratas.
* Lauro Henrique Gomes Accioly Filho é pesquisador colaborador do OPEU e mestrando do Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB). Contato: lauroaccioly.br@gmail.com.
** Revisão e edição finais: Tatiana Teixeira. Recebido em 15 ago. 2024. Este Informe não reflete, necessariamente, a opinião do OPEU, ou do INCT-INEU.
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