Internacional

Pesquisadores discutem diplomacia nuclear entre EUA e Irã à luz da corrida eleitoral estadunidense

(Arquivo) Ministros das Relações Exteriores e outras autoridades dos países do chamado P5+1, Irã e União Europeia se reúnem em 30 mar. 2015, em Lausanne, Suíça, para discutir acordo nuclear iraniano (Crédito: Departamento de Estado dos EUA/Flickr)

Por Beatriz Maria Lamarca Lupetti, Eduardo Costa, Mariana Valdisserra e Vítor Kishimoto Cavani*

[Infome OPEU]

No dia 5 de novembro de 2024, os EUA realizarão as eleições para a Câmara dos Representantes e para a Presidência da República. O país se prepara para uma acirrada disputa entre o candidato republicano e ex-presidente, Donald Trump, e a provável candidata democrata e atual vice-presidente, Kamala Harris, que se tornou a principal figura do partido após a renúncia de Joe Biden da corrida eleitoral.

Esse cenário coincide com a ascensão de Masoud Pezeshkian à presidência do Irã, o qual sinalizou para novas articulações e possíveis reconfigurações no Oriente Médio. Diante disso, o think tank estadunidense Quincy Institute for Responsible Statecraft fez uma videoconferência em 25 de julho de 2024, na qual discutiu as medidas que Washington poderá adotar em relação ao programa nuclear iraniano. O webinário pretendia responder à pergunta-título: “Should Washington Revive Nuclear Diplomacy with Pezeshkian’s Iran?”.

O evento, no formato de perguntas e respostas, foi moderado pelo vice-presidente executivo do Quincy Institute, Trita Parsi. Entre os participantes, estavam: Suzanne DiMaggio, especialista em Oriente Médio e Ásia e integrante do think tank Carnegie Endowment for International Peace; Vali Nasr, cientista político e professor da Johns Hopkins/SAIS; Aaron David Miller, senior fellow no.

Os temas abordados no webinário incluíram a diplomacia nuclear, a guerra em Gaza, o aumento da influência chinesa no Oriente Médio e a aproximação entre os regimes iraniano e saudita. Para assistir ao evento completo, clique aqui (disponível apenas em inglês).

Eleições nos EUA e a diplomacia nuclear

Com a proximidade das eleições nos Estados Unidos, Suzanne DiMaggio, ao ser questionada sobre como o governo Biden agiria com o Irã até o dia da posse do(a) próximo(a) presidente em janeiro de 2025, afirmou que se deve impedir uma escalada das tensões entre os países. DiMaggio acrescentou que existem três prioridades para os EUA para o atual período eleitoral: evitar uma guerra entre Israel e Hezbollah; evitar ataques a tropas estadunidenses no Iraque e na Síria; e evitar uma crise nuclear.

Em caso de vitória de Kamala Harris, DiMaggio recomendou a diplomacia nuclear, ou seja, usar a questão nuclear, por vias diplomáticas, como dissuasão para atingir seu objetivo. Para ela, o governo Biden continua acreditando na diplomacia para lidar com as atividades nucleares iranianas e que existe espaço, mesmo que silenciosamente, para reiniciar a diplomacia nuclear.

DiMaggio relembrou que, ao fim de 2023, passos importantes foram dados nas relações EUA-Irã. Entretanto, o ataque do Hamas em 7 de outubro de 2023 interrompeu as conversas. Além disso, a eleição do novo presidente iraniano ofereceu uma oportunidade e uma nova perspectiva para a pauta nuclear. Contudo, essa eleição não significaria uma revisão da política externa iraniana. A expectativa, para a painelista, é que o presidente iraniano eleito continue trabalhando para normalizar as relações com seus vizinhos árabes e aprofundar as relações com China e Rússia.

David Miller acrescenta que, durante o governo Biden, o foco esteve mais nas monarquias do Golfo e menos no Irã, e que, neste período de eleições, o objetivo vai ser firmar um cessar-fogo em Gaza, o que ele classificou como um problema político para os estadunidenses. DiMaggio comentou que Harris, se assumir, deve aprender com “erros de seu antecessor” e buscar colocar o Irã de volta em um acordo que contenha as atividades nucleares, como o pacto firmado em 2015, ou retomar as conversas que aconteciam em Omã, as quais serão aprofundadas posteriormente neste texto.

Watch Carnegie Endowment's Miller on Iran's Attack on Israel - BloombergAaron David Miller fala com a Bloomberg sobre a resposta de Israel ao ataque do Irã (Fonte: print do site da Bloomberg)

Vali Nasr observou que os iranianos também estão se preparando para lidar com uma possível administração Trump. Nessa possibilidade, DiMaggio comentou que é difícil saber o que deverá acontecer e se cometeriam o mesmo erro de sair do acordo nuclear de 2015. A entrevistada afirmou que, se alguns nomes que ela ouviu se confirmarem, não haverá espaço para uma diplomacia séria.

EUA e as relações entre Arábia Saudita e Irã

Sobre a relevância da Arábia Saudita na relação dos Estados Unidos com o Oriente Médio, Miller destacou a importância da estabilidade regional, principalmente com uma análise voltada para o Golfo e para Israel. Considerando a visão da administração de Biden, Miller comentou que uma normalização israelense-saudita teria de ser precedida por acordos de segurança mútua entre os estadunidenses, os sauditas e os israelenses, além da implementação de um programa nuclear simbólico de enriquecimento de urânio no solo saudita e da troca e distribuição de armas de alta tecnologia. Apesar disso, esse tipo de resolução teria de passar pela aprovação do Senado dos EUA e, por esse motivo, dificilmente aconteceria até as eleições.

Trita Parsi questionou a viabilidade dessa normalização, alertando sobre os grandes impactos que um possível acordo árabe-israelense poderia causar — sem especificar os países envolvidos. Ele também levantou dúvidas sobre como os acordos nucleares iranianos poderiam ser mantidos nesse contexto.

DiMaggio concordou que um acordo desse tipo não é viável nos próximos meses, pois sua concretização depende fortemente da configuração do Senado. Ela mencionou que, durante a administração Biden, houve uma tentativa de balanceamento estratégico na região. Embora não tenha se aprofundado, destacou que essa estratégia envolveu uma aproximação simultânea com a Arábia Saudita e o Irã, incluindo tentativas fracassadas de retorno aos acordos nucleares.

Vali Nasr - Wikipedia

Vali Nasr, em 2020 (CC BY 2.0)

Na sequência, Vali Nasr mencionou a China como ator de peso. Nesse sentido, descreveu a importância do acordo nuclear para que os EUA se mantenham como ator principal no fluxo de tecnologias e de investimentos sauditas, assim evitando a aproximação chinesa, já em curso na região. Ao descrever a situação de paz iraniana-saudita atual, Nasr lembrou a despretensão saudita de assinar um acordo que poderia inflamar novamente sua relação com o Irã e voltar a transformar o Golfo em uma “zona quente de guerra”. Ele enfatizou que a ideia da Arábia Saudita de entrar em normalização com Israel, sem a criação de um Estado Palestino com fronteiras do Acordo de 1967, defendido pelos árabes, é difícil de ser concebida. Assim, Nasr sugeriu a necessidade de se avançar em direção ao Irã e, ao mesmo tempo, a normalização entre Israel e Arábia Saudita.

Por fim, Vali Nasr acrescentou que, com o Irã crescendo nuclearmente, um acordo de mútua segurança entre Israel e Arábia Saudita poderia ameaçar o Irã de maneira a forçá-lo a agir. Desse modo, existiriam apenas duas soluções para as administrações estadunidenses: aceitar um Irã nuclear e não agir no Oriente Médio; ou conseguir formular políticas persuasivas o suficiente para diminuir as tensões.

Impactos regionais do 7 de Outubro

O ataque do grupo palestino Hamas contra o território israelense e o genocídio promovido por Israel contra a população de Gaza tiveram consequências avassaladoras para a região. Parsi afirmou que a guerra na Faixa de Gaza paralisou completamente a já fragilizada diplomacia nuclear entre os EUA e o Irã, enquanto Miller destacou que a consequência mais significativa foi a interrupção dos acordos destinados a normalizar as relações entre Israel e a Arábia Saudita.

De acordo com DiMaggio, os EUA têm alguns objetivos que buscam reduzir a grande instabilidade recente na região, como evitar uma guerra entre Israel e o Hezbollah, garantir que grupos alinhados ao Irã não ataquem tropas estadunidenses no Iraque e na Síria e prevenir uma crise nuclear.

Outro tema que foi trazido durante o webinário foram os “Encontros de Omã”, que consistem em reuniões mediadas ou facilitadas pelo governo omani. Em resposta aos recentes ataques entre Israel e Irã, os EUA cancelaram uma reunião em Omã e recongelaram US$ 6 bilhões que haviam sido acordados com o Irã em troca de prisioneiros. Segundo Nasr, essa retração por parte dos estadunidenses levantou dúvidas sobre o compromisso da administração Biden com o Irã e se futuras administrações, como a de Harris ou Trump, estariam dispostas a engajar com o regime iraniano de maneira significativa.

Should Washington Revive Nuclear Diplomacy with Pezeshkian's Iran? - YouTube

Fonte: Print do vídeo do seminário

DiMaggio abordou a questão, sugerindo o retorno ao acordo de Omã de 2020 (também conhecido como Acordo de Doha), expondo seu sucesso na desescalada de conflitos e em evitar ataques a tropas dos Estados Unidos na Síria e no Iraque; em desacelerar o enriquecimento de urânio iraniano; e em diminuir seus estoques de material nuclear. Além disso, citou uma troca de prisioneiros em setembro de 2023.

Finalmente, a última menção a um dos “Encontros de Omã” aconteceu na última declaração de Nasr, na qual descreveu algumas partes do Plano de Ação Conjunto Global (JCPOA, na sigla em inglês). Nesse contexto, o participante utilizou o cumprimento de compromissos acordados para demonstrar que o respeito às decisões conjuntas pode levar os EUA a conseguirem antecipar e evitar crises, favorecendo a ideia de uma abordagem diplomática.

Qual será o rumo da diplomacia estadunidense?

Desde o tópico das próximas eleições dos EUA até a importância de uma diplomacia nuclear, há um consenso, a partir de óticas diferentes, entre os participantes. Ao mesmo tempo, também foi possível perceber as perspectivas distintas em temas como a normalização das relações entre Israel e Arábia Saudita.

Por mais que os assuntos citados acima tenham sido bem desenvolvidos, notou-se, porém, a ausência de aprofundamento a respeito da influência chinesa e russa no Oriente Médio. Ademais, os painelistas poderiam ter explorado a forma como a inserção desses atores na região pode (ou não) impactar a influência estadunidense.

Por fim, respondendo à pergunta “Should Washington Revive Nuclear Diplomacy with Pezeshkian’s Iran?”, podemos afirmar que, de acordo com os pesquisadores, a resposta é sim. Esse é, contudo, um passo que depende das escolhas do futuro presidente estadunidense, já que a sugestão é de que, até lá, a prioridade do atual governo seja a de buscar estabilidade, e se espera um melhor resultado, caso a vitória seja de um(a) candidato(a) democrata.

 

* Beatriz Maria Lamarca Lupetti é graduanda em Relações Internacionais na PUC-SP e integrante do Grupo de Estudos sobre Conflitos Internacionais (GECI) da PUC-SP. Contato: beatrizmariall7@gmail.com

Eduardo Costa é graduando em Relações Internacionais na PUC-SP e integrante do Grupo de Estudos sobre Conflitos Internacionais (GECI) da PUC-SP. Contato: eduscosta16@hotmail.com.

Mariana Valdisserra é graduanda em Relações Internacionais na PUC-SP e integrante do Grupo de Estudos sobre Conflitos Internacionais (GECI) da PUC-SP. Contato: marivaldisserra@gmail.com.

Vitor Kishimoto Cavani é graduando em Relações Internacionais na PUC-SP e integrante do Grupo de Estudos sobre Conflitos Internacionais (GECI) da PUC-SP. Contato: vitorkcavani89@gmail.com.

** Revisão de conteúdo realizada por Isabela Agostinelli (pesquisadora de pós-doutorado no INCR-INEU/CNPq) e Karime Cheaito (doutoranda no PPGRI San Tiago Dantas e integrante do GECI). Copidesque: Simone Gondim. Contato: simone.gondim.jornalista@gmail.com. Revisão e edição finais: Tatiana Teixeira. Primeira versão recebida em 30. jun. 2024. Este conteúdo não reflete, necessariamente, a opinião do OPEU, ou do INCT-INEU.

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