A importância dos vice-presidentes nos EUA e as eleições de 2024
(Arquivo) Presidente Joe Biden e sua vice, Kamala Harris, na Casa Branca, em Washington, D.C., em 12 mar. 2021 (Crédito: Casa Branca/Lawrence Jackson)
Por Kayla Arnoni Vertematti Baptista* [Informe OPEU]
Por muito tempo, o cargo de vice-presidente dos Estados Unidos não foi considerado uma posição de muita relevância e poder. Os primeiros vice-presidentes tinham poucas funções além de presidir o Senado e votar para desempatar decisões. Esse olhar depreciativo sobre a vice-presidência era tão forte que John Nance Garner (1933-1941), então vice-presidente de Franklin Delano Roosevelt (1933-1945), descreveu o cargo como “não valer um balde de cuspe quente”, e John Adams, o primeiro vice-presidente dos Estados Unidos, considerava ser o cargo “mais insignificante já criado pelo homem”. Mas por que essa visão?
Origem do cargo e os métodos de eleição
A criação do cargo de vice-presidente dos Estados Unidos mostra a adaptabilidade da Constituição americana a responder às necessidades de governança com o passar do tempo. No sistema original, estabelecido em 1787, os eleitores do Colégio Eleitoral votavam em dois candidatos, sem distinção específica entre presidente e vice-presidente. O candidato com o maior número de votos se tornava presidente, e o segundo colocado assumia o cargo de vice. A ideia por trás desse sistema era garantir que os dois indivíduos mais votados ocupassem os cargos mais altos do governo.
No entanto, esse arranjo logo se mostrou não ser o ideal para a seleção dos candidatos. Como o vice era o segundo colocado na eleição presidencial, muitas vezes presidentes e vice-presidentes pertenciam a partidos ou ideologias diferentes, o que poderia gerar conflitos e falta de cooperação na gestão. Um dos “defeitos” desse sistema apareceu na eleição de 1800. Thomas Jefferson (1801-1809) e Aaron Burr (1801-1805) empataram no Colégio Eleitoral. A situação criou um impasse, porque o sistema original não diferenciava claramente os votos para presidente e vice-presidente. A eleição foi então encaminhada para a Câmara de Representantes, que, após 36 rodadas de votação, decidiu Jefferson como presidente, e Burr, como vice. O episódio expôs a falta de praticidade desse processo e a necessidade de reformá-lo. Assim, foi proposta e ratificada em 1804 a Décima Segunda Emenda à Constituição, trazendo mudanças substanciais.
A emenda determinou que os eleitores do Colégio Eleitoral votassem separadamente para os cargos de presidente e vice-presidente. Além disso, estabeleceu procedimentos claros para determinadas situações: se houvesse um empate para a presidência, a eleição seria decidida pela Câmara de Representantes, com cada estado tendo um voto. Se o empate ocorresse para a vice-presidência, o Senado escolheria o vice-presidente entre os dois candidatos com o maior número de votos, exigindo um quórum de dois terços.
A partir do século XX, tornou-se costume nos Estados Unidos que o presidente e o vice-presidente do mesmo partido fossem lançados juntos como uma chapa unificada. Com o passar do tempo e reformas eleitorais, foi estabelecido que o voto seria único para a chapa presidencial. Isso significa que, ao votar em um presidente, automaticamente também se vota em seu vice-presidente, garantindo que ambos estejam alinhados politicamente. Essa prática promove uma gestão mais coesa e eficaz.
Funções e competências, ontem e hoje
A posição inicial do vice tinha como principais responsabilidades presidir o Senado para desempatar votações e ocupar a primeira posição na linha de sucessão presidencial. Apesar desse papel importante no Senado, o vice-presidente tinha pouca influência nas operações do governo para além do Legislativo. A reforma da vice-presidência começou com Walter F. Mondale (1977-1981), que serviu sob o mandato do presidente Jimmy Carter (1977-1981). Mondale reestruturou a posição, estabelecendo o modelo para o vice-presidente moderno, que pauta o papel até hoje. Uma das mudanças mais notáveis trazidas foi a relação estreita e colaborativa estabelecida com o presidente. Ele foi o primeiro a ter um escritório dentro da Casa Branca, um símbolo de sua relevância. A proximidade que surgiu a partir dessas mudanças permitiu ao vice participar regularmente de reuniões de gabinete e de alto nível, influenciando diretamente as políticas e decisões do governo.
(Arquivo) Carter e Mondale chegam a Camp David para discutir a crise dos reféns americanos no Irã, nov. 1979 (Crédito: Marion S. Trikosko/Library of Congress)
Mondale teve um papel ativo em uma ampla gama de políticas domésticas e internacionais, criando um precedente para que futuros vice-presidentes fossem vistos não apenas como sucessores em potencial, mas como consultores ativos e influentes na administração diária do governo, a exemplo de Dick Cheney, vice de George W. Bush (2001-2009). Desde então, os vice-presidentes têm desempenhado papéis cada vez mais importantes e diversificados, como em crises internas e em assuntos de política externa. Eles representam os Estados Unidos em viagens e em negociações diplomáticas, lideram iniciativas específicas de políticas públicas, coordenam respostas a problemas nacionais e mantêm comunicação regular com o Congresso, além de presidir o Senado.
Sucessão
A sucessão presidencial nos Estados Unidos é definida pela 25ª Emenda na Constituição, que estabelece os procedimentos para transferência de poder em casos de morte, renúncia, destituição, ou incapacidade. O vice-presidente é o primeiro na linha de sucessão e assume imediatamente a presidência, se for necessário. Se o cargo de vice-presidente estiver vago, o presidente nomeia um sucessor, sujeito à confirmação pelo Congresso. A linha de sucessão continua com o presidente da Câmara de Representantes, o presidente temporário do Senado e os membros do Gabinete presidencial.
Alguns dos presidentes mais marcantes dos EUA foram vices, como Lyndon Johnson (1963-1969) e Harry Truman (1945-1953). São significativos, porque deixaram suas próprias marcas na história dos EUA com políticas e abordagens distintas das de seus predecessores. Por exemplo, Lyndon Johnson aumentou significativamente a presença militar dos EUA no Vietnã, contrastando com a abordagem de John F. Kennedy, e Harry Truman adotou uma postura mais forte em relação à União Soviética, que era diferente da diplomacia preconizada por Franklin D. Roosevelt.
Os candidatos de 2024
Olhando para as eleições de 2024, esses exemplos históricos servem como lembrete de como o papel do vice-presidente pode evoluir de sucessor em potencial para um influente parceiro político durante o mandato. A escolha do vice-presidente pode desempenhar um papel crucial na unidade e na eficácia de uma chapa. A reputação, as habilidades e as posições políticas do vice-presidente podem não apenas complementar as do presidente, mas também atrair diferentes segmentos do eleitorado.
O atual presidente Joe Biden busca a reeleição, enfrentando críticas sobre sua idade e capacidade de continuar a liderar o país, o que aumenta o foco na figura da vice-presidente Kamala Harris. Trazendo diversidade à chapa, ela é, no entanto, frequentemente questionada, tanto por críticos dentro do próprio Partido Democrata quanto por opositores republicanos. Essas críticas a Harris muitas vezes levantam questões sobre misoginia e racismo. Como a primeira mulher, a primeira negra e a primeira asiático-americana a ocupar o cargo, está sob um holofote que amplifica os preconceitos de gênero e racismo, especialmente quando questionam sua competência e habilidades de liderança. Embora críticas legítimas e baseadas em políticas sejam esperadas, mulheres líderes encaram uma avaliação mais dura e pessoal.
A intersecção entre misoginia e racismo coloca Harris em uma posição de dupla penalização. Ela lida com preconceitos que seus colegas homens, em sua grande maioria brancos, dificilmente enfrentam, e essa combinação torna as críticas não apenas mais severas, mas também menos focadas em seu desempenho real. Espera-se que ela não apenas faça bem seu papel, mas que supere todas as adversidades e represente perfeitamente todos os grupos aos quais pertence. Quando ela não atende a essas expectativas elevadas, a decepção pode ser desproporcional, refletindo os preconceitos subjacentes.
Buscando retornar ao cargo que ocupou de 2016 a 2020, o ex-presidente Donald Trump ainda não definiu quem concorrerá como seu (ou sua) vice, uma escolha que será estratégica para a tentativa de manter a base conservadora unida e para atrair eleitores moderados. A seleção de Mike Pence como candidato a vice-presidente por Trump em 2016 foi estratégica para consolidar o eixo conservador, fornecendo um contrapeso à personalidade mais volátil de Trump. No entanto, após os ataques ao Capitólio em 6 de janeiro de 2021, Pence não apoiou os esforços de Trump para reverter o resultado das eleições, e confirmou a vitória eleitoral de Biden. A relação entre os dois se deteriorou, tornando pouco provável sua viabilidade e aceitação como seu vice na chapa de 2024.
(Arquivo) Trump e seu então vice, Mike Pence, no Salão Oval da Casa Branca, em Washington, D.C. em 1º abr. 2020 (Crédito: Casa Branca/Shealah Craighead)
Entre os candidatos cogitados por Trump, há aqueles que poderiam diversificar sua base eleitoral, como Tim Scott, senador pela Carolina do Sul e o único senador negro republicano, que pode ser capaz de atrair eleitores moderados e de representar diversidade racial na chapa. E Nikki Haley, ex-embaixadora dos EUA na ONU e ex-governadora da Carolina do Sul, traz consigo uma significativa experiência internacional e poderia atrair eleitores não necessariamente alinhados com o Partido Republicano.
Já os entre candidatos que fortaleceriam o perfil conservador da chapa, há Ron DeSantis, governador da Flórida, conhecido por suas políticas conservadoras e sólida base entre os eleitores republicanos. Kristi Noem, governadora de Dakota do Sul, também é vista como uma aliada leal a Trump, com uma postura firme que poderia mobilizar a base mais tradicional do partido. Mike Pompeo, ex-secretário de Estado e diretor da CIA, traz uma forte experiência em política externa e segurança nacional, complementando o perfil conservador da chapa. Marjorie Taylor Greene, representante (deputada) pela Geórgia conhecida por suas posições ultraconservadoras, é cogitada para reafirmar a base mais radical do partido. E Elise Stefanik, deputada por Nova York, é reconhecida por sua lealdade a Trump, ao mesmo tempo que pode atrair eleitores mais jovens alinhados com o conservadorismo do partido.
Leia mais da autora no OPEU
Informe OPEU, “O que está por trás dos elefantes vermelhos e dos jumentos azuis na política estadunidense?”, em 16 de maio de 2024
Informe OPEU, “Como as campanhas eleitorais nos EUA podem ser financiadas?”, em 5 jun. 2024
* Kayla Arnoni Vertematti Baptista é graduanda em Relações Internacionais pela Universidade Anhembi Morumbi e aluna participante da UC Dual em parceria com o OPEU. Contato: kaylavertematti@gmail.com.
** Revisão e edição finais: Tatiana Teixeira. Recebido em 20 jun. 24. Este Informe não reflete, necessariamente, a opinião do OPEU, ou do INCT-INEU.
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