OPEU Entrevista

Para Jayesh Rathod, crises política e econômica nos EUA impulsionarão ‘saída pressionada’

 Crédito da arte: Natália Constantino

Por Lauro Henrique Gomes Accioly Filho* [OPEU Entrevista]

Prof. Jayesh Rathod (Crédito: Armando Gallardo/ American University)

Jayesh Rathod é professor de Direito e diretor da Clínica de Justiça para Imigrantes na Faculdade de Direito da Universidade Americana de Washington. Em 2018, recebeu o Prêmio Pauline Ruyle Moore por excelência acadêmica na área do direito público. O professor Rathod trabalhou em casos e projetos de vanguarda relacionados à detenção de imigrantes, defesa contra remoção (incluindo interseções entre imigração e sistema penal), auxílio humanitário, direitos dos trabalhadores imigrantes, acesso à linguagem, entre outros temas.

Ele foi convidado a falar sobre temas de imigração e direito do trabalho em diferentes instituições nos Estados Unidos e atuou como comentarista na mídia local, nacional e internacional, incluindo veículos como CNN, NBC News e National Public Radio (NPR). Foi bolsista Fulbright em duas universidades no Brasil, onde ministrou cursos sobre direito de imigração dos Estados Unidos e política migratória comparada, e conduziu pesquisas relacionadas ao sistema de imigração brasileiro.

Nesta entrevista, o professor Jayesh falou sobre sua próxima publicação, que foi apresentada na recente palestra na Universidade Estadual da Paraíba (UEPB). Sua pesquisa mais recente diz respeito à saída de residentes americanos do país, um movimento com diversos fatores em jogo para este novo cenário nos Estados Unidos.

OPEU: O senhor tem uma carreira notória na área de migração internacional. Quando surgiu seu interesse por essa área e quais desafios marcaram sua trajetória profissional?

Meu interesse nessa área tem origem no meu histórico familiar. Cresci em uma família de imigrantes, já que meus pais imigraram para os Estados Unidos vindos da Índia. Durante minha infância, testemunhei muitos dos desafios enfrentados por imigrantes nos Estados Unidos. Cresci ajudando meus pais, que não falavam inglês muito bem. Posteriormente, frequentei a universidade e lá me interessei mais por questões internacionais. Ao longo desse período, durante minha graduação, concentrei-me bastante em aprender espanhol. Aprender outros idiomas foi fundamental para o meu desenvolvimento futuro no campo da migração internacional. Após concluir a universidade, ingressei na faculdade de direito na cidade de Nova York e, inicialmente, meu foco foi em desenvolvimento internacional e direitos humanos internacionais. Gradualmente, no entanto, passei a me interessar mais por abordar questões de imigração, como carreira. Acredito que isso se deve, em parte, à minha experiência em Nova York, onde há muitas comunidades de imigrantes e diversos desafios. Assim, gradualmente, migrei do interesse em política e desenvolvimento internacional e passei a me concentrar especificamente em questões de imigração doméstica. No entanto, ainda há muita sobreposição entre os campos. Portanto, mesmo agora, embora eu atue na área de imigração nos Estados Unidos, tenho me envolvido com questões internacionais de direitos humanos e legais ao longo da minha carreira. No geral, venho dando sorte de ter uma trajetória profissional muito gratificante.

Os estudos sobre migração e a legislação de imigração são campos que podem ser muito desafiadores intelectual, mas também emocionalmente. Houve muitas mudanças na legislação dos EUA logo no início da minha carreira. Isso foi após os ataques de 11 de setembro. Comecei a atuar em 2001 e, no primeiro ano, a lei e todo o sistema mudaram. Portanto, foi desafiador. Além disso, às vezes é difícil trabalhar com comunidades que são afetadas negativamente por mudanças na política de imigração, incluindo comunidades muçulmanas, latinas e outras que enfrentam muita hostilidade.

Outro contratempo que enfrentei é mais na área disciplinar. Estudei teoria das ciências sociais na faculdade, mas, como alguém treinado em direito, frequentemente penso apenas no papel que o direito pode desempenhar e como ele pode ser usado como ferramenta para gerar uma solução. Atualmente, tenho uma compreensão mais aprofundada da complexidade das questões migratórias e da relevância de explorar outras disciplinas e perspectivas, em vez de depender exclusivamente do enfoque legal.

OPEU: Traçando um panorama histórico dos últimos mandatos estadunidenses, Donald Trump (2017-2021) e Joe Biden (2021-), o que pode ser percebido de diferença em políticas migratórias?

Existem diferenças entre os dois, sendo algumas muito significativas, mas, também, encontramos áreas nas quais, surpreendentemente, há sobreposição. Falando de Trump, há muitos aspectos de suas políticas que ainda são lembrados. Primeiro, houve um ataque à migração humanitária, limitando o sistema de asilo e tentando eliminar proteções como o Status de Proteção Temporária. Outra área foi a aplicação na fronteira, limitando o número de pessoas que podem entrar no país e impondo políticas como o “Permaneça no México”, que exigia que as pessoas esperassem fora dos Estados Unidos, mesmo se quisessem solicitar asilo. Claro, precisamos pensar em todas as proibições de viagem, incluindo a proibição de viagens de muçulmanos. Havia outras, sem mencionar as restrições impostas durante a pandemia.

Algo sobre Trump que não discutimos com frequência, além de todas as mudanças óbvias de política, são as medidas que ele tomou que chamamos de “muro invisível”. Ele queria construir um muro físico, mas também fez muitas outras coisas para retardar os processos migratórios – como levar mais tempo para processar green cards ou mais tempo para agendar entrevistas. Todas essas coisas retardam o processo. É importante pensar nisso como uma espécie de “muro invisível”, além do muro físico.

Wall of Crosses in Nogales | White crosses with the names of… | FlickrAlém do muro físico, há um “muro invisível”. Na foto (arquivo), cruzes brancas carregam os nomes dos mortos ao cruzarem a fronteira dos EUA, do lado mexicano do muro, em Heroica Nogales, México (Crédito: Jonathan McIntosh/Flickr)

Biden alterou algumas das políticas de Trump. Por exemplo, ele facilitou um pouco para alguns migrantes humanitários entrarem no país. Além disso, Biden aumentou bastante as oportunidades para as pessoas entrarem em status temporários, o que tem seus próprios problemas. Mas isso é algo que ele fez. Ele tornou o processo de solicitação de cidadania um pouco mais rápido. Mas onde estamos vendo algumas semelhanças é na fronteira. Esse é um grande problema político para ele. Ele deu continuidade a uma abordagem restritiva na própria fronteira, pois quer limitar as pessoas que cruzam as fronteiras físicas e, em vez disso, incentivar formas mais ordenadas de entrar no país.

OPEU: Tendo em vista que os Estados Unidos se encontram em período eleitoral, qual é a sua perspectiva sobre um possível retorno de Donald Trump à Presidência?

A situação política nos Estados Unidos, atualmente, é muito instável. Parte do problema é que nosso sistema eleitoral tem muitas questões. Alguns dos contratempos são estruturais e outros são externos. Por exemplo, como você sabe, não elegemos um presidente por meio do voto popular, a escolha é baseada no Colégio Eleitoral. Então, este ano, apenas alguns estados vão decidir o pleito: Michigan, Arizona, Pensilvânia, Wisconsin, Flórida e Carolina do Norte, entre outros. São realmente sete ou oito unidades da federação que decidirão quem se tornará o presidente. Não existe votação obrigatória nos Estados Unidos. Também temos muitos estados que aprovaram leis para tornar mais difícil votar. Eles dirão que você precisa trazer sua identidade para votar ou limitar o número de locais onde as pessoas podem votar. É um ataque aos direitos de voto.

Mas há outros fatores que não se relacionam com o sistema eleitoral. Por um lado, Biden tem uma vantagem financeira. O Comitê Nacional Republicano, o comitê que supervisiona o Partido Republicano, não está em uma boa posição financeira. Por outro, um problema que Biden enfrenta é o que está acontecendo no Oriente Médio. Seu apoio a Israel é uma questão, porque há muitos democratas que não gostam dessa política e querem que Biden dê mais apoio à Palestina. As preocupações sobre sua idade também são um complicador, e alguns dizem que ele é muito velho para ser presidente. Mas agora, ao mesmo tempo, as pessoas também estão ficando preocupadas com o estado mental de Donald Trump. O bom para Biden é que a economia parece estar bem. Normalmente, se a economia está boa, o presidente que está no cargo se reelege.

Então se, hipoteticamente, Trump ganhar… Bem, ele já disse que quer deportar muitas pessoas, e a situação da imigração se tornará muito restrita. Mas há algumas coisas que o presidente pode fazer e outras que exigem o Congresso, e ele não pode mudar todas as leis. Da última vez, ele tentou fazer muitas coisas por conta própria, por meio de ordens executivas. Com isso, aqueles que se opõem às políticas podem entrar com processos judiciais, e as políticas frequentemente são suspensas enquanto estão sendo litigadas. Esse padrão provavelmente se repetirá se ele for reeleito.

OPEU: Recentemente, o senhor apresentou uma palestra na Universidade Estadual da Paraíba sobre “saída pressionada”, e uma publicação futura está por vir sobre o tema. O que motivou a escolha desse tópico?

Foi tanto um interesse acadêmico quanto pessoal. Do lado acadêmico, quando estive no Brasil em 2016-17, tornei-me mais interessado em políticas migratórias comparativas e em examinar como diferentes países adjudicam pedidos de refúgio. Isso me motivou a começar a olhar para o sistema de migração de forma mais global em minha própria pesquisa acadêmica. E, ao mesmo tempo, também houve um artigo que li, era de um advogado estadunidense que estava fazendo a pergunta: “Os afro-americanos podem receber asilo em outros países?”.

Os profs. Jayesh Rathod e Cristina Pacheco, no evento promovido pelo Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais (PPGRI) da UEPB, em 12 mar. 2024, em João Pessoa (Crédito: Síria Bandeira/UEPB/Arquivo pessoal)

Essas foram algumas das forças intelectuais que me levaram a explorar a questão dos cidadãos dos EUA deixando o país. Mas, ao mesmo tempo, isso foi durante os anos de Trump, e eu mesmo estava sentindo um certo sentimento de instabilidade e insegurança. Eu estava pensando: “O que eu faria se tivesse que deixar o país? Como eu sairia? Para onde eu iria?”.

Essas duas coisas se combinaram e me levaram a pesquisar o tópico. Como pesquisador e acadêmico, estou interessado em tópicos que estão conectados com o que está acontecendo na vida real e que está afetando a vida de pessoas reais. Essa é uma questão sobre a qual as pessoas estão falando, mas que não foi estudada, então eu queria estudá-la mais.

OPEU: O senhor acredita que seus estudos atuais sobre residentes dos Estados Unidos estarem buscando sair do país estão relacionados com a ascensão da extrema direita, com Trump exercendo destaque nesse cenário? E você acha que um possível retorno de Trump à Presidência poderia ser mais explorado nessa nova publicação, em que está trabalhando? O fenômeno de emigração dos estadunidenses poderia crescer em um possível retorno de Trump à Presidência?

Definitivamente, acredito que essa preocupação com o crescimento da extrema direita é um grande fator que contribui para as pessoas se sentirem instáveis nos Estados Unidos. Elas sentem que, política e socialmente, haverá mais conflitos na sociedade, seja por conta de políticas que podem mudar para tornar o país mais conservador, ou mesmo que as políticas não mudem. O que é mais um motivo pelo qual as pessoas pensam em sair, não é mesmo? Então, mesmo que parte da população não esteja preocupada em ser prejudicada diretamente, esse grupo pode simplesmente não querer viver em uma sociedade tão conflituosa.

Não há muitas evidências de que ele vá implementar políticas que sejam economicamente benéficas o suficiente para essas comunidades e realmente impedirem que as pessoas saiam. Será que ele vai facilitar o acesso aos cuidados de saúde? Isso parece duvidoso. Será que ele vai realmente pressionar para aumentar o salário mínimo? O que ele vai fazer para gerar mais empregos? Talvez algum tipo de medida restricionista? Com isso, quero dizer políticas comerciais que possam ter algum impacto. Mas acho que não está claro que a agenda econômica de Trump vá ajudar as pessoas que estão sendo forçadas a pensar em deixar o país. É interessante que elas possam apoiá-lo política e ideologicamente, mesmo que elegê-lo não mude a realidade econômica para elas. Veremos…

OPEU: Muitas acadêmicas da área de gênero, como Jasbir Puar e Judith Butler, abordam os intensos desafios que a comunidade LGBTQIA+ enfrenta no seu cotidiano. Como esses indivíduos se encontram no âmbito da migração nos Estados Unidos, especialmente aqueles que são residentes no país?

Temos um presidente que é mais moderado, mas, em nível estadual, temos governadores muito conservadores em alguns lugares. Em muitos desses estados estão sendo aprovadas leis muito restritivas, especialmente em relação à comunidade trans. Então, as pessoas temem que, se tivermos um presidente de direita e, digamos, o Congresso também se torne republicano, eles poderiam facilmente aprovar leis muito hostis à comunidade LGBTQIA+. Além disso, temos uma Suprema Corte que sugeriu que vai eliminar alguns direitos das pessoas LGBTQIA+, incluindo o direito ao casamento. As pessoas estão preocupadas e, como resultado, estão começando a elaborar o que eu chamaria de um “plano de saída”. Elas não necessariamente sairão de imediato, mas pensam na possibilidade. Estão obtendo outra cidadania ou outro status em outro país, que podem usar em caso de emergência.

Dito isso, tenha em mente que, enquanto muitas pessoas estão planejando, outras não estão em posição financeira para planejar. Talvez elas tenham outros desafios, como questões de saúde mental, limitações físicas ou o fato de estarem geograficamente isoladas. Além disso, a comunidade está se perguntando: “Se eu for embora, para onde irei?. Talvez as coisas estejam ruins aqui, mas será mais seguro no Reino Unido? Talvez não…”.

Então, imagine que você se relaciona com alguém do mesmo sexo e é casado nos EUA. Você gostaria de ir para um país que reconheça o casamento. Da mesma forma, se você é uma pessoa trans nos EUA e está fazendo terapia hormonal, você pensa: “Em que país vou poder obter esse apoio?”. Como pessoa LGBTQIA+, há muitas coisas para se pensar.

OPEU: Como o senhor enxerga o papel do projeto neoliberal na ascensão da ultradireita nos Estados Unidos e nesse fenômeno de emigração de estadunidenses, especificamente no caso daqueles que se encontram nos privilégios da branquitude?

Fonte: site institucional

O neoliberalismo se enraizou nos últimos 40 a 50 anos, promovendo políticas econômicas muito relaxadas e de livre-mercado que resultaram em muitas transformações econômicas nos EUA. Essas políticas impactaram diversas comunidades, incluindo muitos estadunidenses brancos. E estamos vendo o impacto dessas políticas neoliberais em algumas indústrias nos EUA. A globalização e o acesso a diferentes mercados de trabalho transnacionais realmente prejudicam muitas pessoas da classe trabalhadora. É algo que vem acontecendo há décadas, e eu mencionei isso na palestra na Universidade Estadual da Paraíba, sobre “Saída Pressionada” (foto ao lado). Mas acredito que há outro fenômeno paralelo muito importante, que é a diversificação demográfica dos Estados Unidos.

A partir dos anos 1960, a lei de imigração mudou, eliminando muitas barreiras à imigração para pessoas da África, da Ásia e do Oriente Médio. Muitos imigrantes começaram a chegar a partir dos anos 1960. E, ao longo dos últimos 60 anos, a demografia nos EUA mudou muito. Agora, há muito mais minorias vivendo em lugares nos EUA que, antes, eram predominantemente brancos. Isso ajuda a extrema direita a criar a retórica que critica os imigrantes, como o lema “Tornar a América Grande Novamente”. Mas essas políticas neoliberais estão resultando, também, em muitas dificuldades econômicas para os estadunidenses brancos, e eles estão procurando fora do país lugares mais acessíveis para se aposentar.

Como eu disse na minha palestra, há essa ironia: algumas dessas comunidades que têm atacado imigrantes estão enviando pessoas para viver seus anos de aposentadoria no exterior, porque é mais acessível. Eles se mudam para países como Equador, Costa Rica, Panamá, Colômbia e outros, mesmo que eles possam criticar os migrantes para os EUA que chegam desses lugares. E então, sim, uma grande parte disso está ligada ao neoliberalismo, mas uma fração é o conceito de privilégio branco. Algumas das entrevistas que os pesquisadores fizeram mostraram que, entre as razões pelas quais as pessoas saem, além da dificuldade econômica, está a procura por um ambiente diferente e mais idealizado. Eles dirão coisas como: “os Estados Unidos não são mais como eram antes, parecem mais perigosos, parecem diferentes de quando eu era criança etc.”. Muitas vezes, isso é uma forma indireta de reagir à diversificação demográfica do país. Não quero atacar essas pessoas, porque acredito que seu sentimento de desconforto é real e, muitas vezes, não é apenas um preconceito explícito. É mais complicado do que isso.

Então, para algumas pessoas, deixar os Estados Unidos, ironicamente indo para um país onde elas têm muito mais status social como pessoas brancas, pode ser muito atraente, mesmo que não estejam pensando nisso intencional, ou explicitamente. Isso está entre os fatores que motivam as pessoas a saírem.

 

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Lauro Henrique Gomes Accioly Filho é mestrando do Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB). Contato: lauroaccioly.br@gmail.com.

** Primeira revisão: Simone Gondim. Contato: simone.gondim.jornalista@gmail.com. Segunda revisão e edição final: Tatiana Teixeira. Entrevista realizada em 14 mar. 2024. Seu conteúdo não reflete, necessariamente, a opinião do OPEU, ou do INCT-INEU.

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