Sociedade

Que se chamem as coisas pelos nomes: a morte de Aaron Bushnell e os protestos pró-Palestina

Vigília pela morte de Aaron Bushnell realizada em frente à Embaixada de Israel, em Washington, D.C., em 26 fev. 2024 (Crédito: Elvert Barnes Photography/Flickr)

Por Débora Binatti* [Informe OPEU]

Aaron Bushnell - Southern New Hampshire University - San Antonio, Texas,  United States | LinkedIn

Aaron Bushnell (Fonte: LinkedIn)

Os gritos de Aaron Bushnell pela libertação da Palestina ecoaram enquanto o fogo tomava o seu corpo e invadia suas entranhas; fervendo, sim, pela autocombustão escolhida e abraçada, visto que a alternativa era ainda mais nefasta: continuar vivendo com a memória de ter servido ao imperialismo estadunidense e israelense. Aaron Bushnell morreu, carbonizou aos pés da embaixada de Israel em Washington, D.C., mas seu recado ecoou, por meio das notícias acerca de sua morte, como se pode ver na Al Jazeera, CNN e BBC.

Membro da Força Aérea dos Estados Unidos, Aaron Bushnell era um aviador de 25 anos, de San Antonio, Texas. Seu óbito se deu em 26 de fevereiro de 2024, em decorrência de seus ferimentos, informou o Departamento de Polícia Metropolitana de Washington, D.C. Os detalhes da morte do oficial estão relatados na matéria publicada pela rede catariana Al Jazeera: “Bushnell fez uma transmissão ao vivo na plataforma de mídia social Twitch, vestindo uniforme da Força Aérea e declarando que ‘não seria cúmplice de genocídio’, antes de se encharcar de combustível no domingo 25/2/24”.

Esse não é o primeiro caso de suicídio associado a representações consulares de Israel. Em dezembro passado, uma manifestante ateou fogo em si mesma do lado de fora do consulado israelense em Atlanta, sendo que uma bandeira palestina foi encontrada no local. Por isso, acredita-se que o ato tenha sido um protesto político, tal como foi o caso de Aaron Bushnell.

Os atos extraordinários de suicídio não são os primeiros casos de manifestação contra Israel e a favor da libertação da Palestina.

Saiba mais sobre o tema neste episódio do programa Diálogos INEU

Lembra-se que, em 15 de outubro de 2023, a Al Jazeera já noticiava manifestações de solidariedade à Palestina ao redor do mundo e nos Estados Unidos, ou os protestos nas universidades estadunidenses que foram reprimidas por Israel, seguidos de casos de doxxing, quando um grupo andou pelas universidades com um caminhão que continha informações pessoais, desde endereço até número fiscal de estudantes pró-Palestina. Doxxing é o ato de revelar informações de identificação sobre alguém, como nome verdadeiro, endereço residencial, local de trabalho, telefone, informações financeiras e outras informações pessoais, tendo como fim levar a pessoa em questão a ser atacada de alguma forma.

Em 25 de março de 2019, a TeleSUR também noticiava que “muitos ativistas pró-Palestina se reuniram em frente à Casa Branca para protestar”, bem antes dos eventos de 7 de outubro de 2023, justificativa utilizada por Israel para avançar contra Gaza nos dias de hoje. Curiosamente, aqueles que se interessam pelo cinema francês, ao assistirem ao filme de Agnès Varda sobre os Panteras Negras, conseguem ver as lideranças marxistas-leninistas falando sobre a defesa da Palestina em suas manifestações, isso ainda em 1968. A defesa da Palestina não é um evento novo que surge nos últimos meses de 2023, tampouco é a limpeza étnica que Israel promove em território palestino.

As tecnologias que possibilitam a videotransmissão em tempo real dão, porém, uma nova conotação ao genocídio em Gaza. Se, ao longo do século XX, as atrocidades cometidas por Israel poderiam ser questionadas, agora, com as evidências materiais de jornalistas e membros de organizações humanitárias, não é mais possível negar: os Direitos Humanos dos palestinos estão sendo violados, e as ações de Israel se configuram como genocídio, conforme declarações de especialistas da ONU. Um genocídio apoiado, aprovado e financiado pelos Estados Unidos e, mais especificamente, pelo presidente Joe Biden.

Há consequências para tal apoio, como afirma Aaron David Miller no artigo “Biden Owns the Israel-Palestine Conflict Now”, publicado na edição de 14 de novembro de 2023 da revista Foreign Policy: “Ao vincular os Estados Unidos ao trauma de Israel em 7 de outubro e à sua campanha resultante para erradicar o Hamas em Gaza – e toda a morte e destruição que isso está causando –, Biden agora compartilha a responsabilidade direta pelo destino do conflito israelense-palestino. Biden se comprometeu publicamente com uma mudança fundamental no status quo. Para que isso aconteça, em primeiro lugar e acima de tudo, será necessário que haja líderes israelenses e palestinos comprometidos com esse objetivo. Mas, mesmo com esse tipo de líderes, Biden também precisará assumir isso”.

P20230920CS-0042 | President Joe Biden participates in a bil… | Flickr(Arquivo) Presidente Joe Biden participa de reunião bilateral com o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, em 20 set. 2023, no InterContinental Barclay, na cidade de Nova York (Crédito: Cameron Smith/Casa Branca/Flickr)

A decisão impacta, também, as eleições para a Presidência dos Estados Unidos que serão realizadas em novembro deste ano, como analisa Joey Cappelletti, da Associated Press na PBS News Hour: “Embora os motivos pelos quais os eleitores prefiram os delegados não plenos em detrimento de Biden possam ser diferentes, a escolha tem sido cada vez mais considerada como um voto de protesto contra a forma como Biden lidou com o conflito em Gaza, onde mais de 30.000 pessoas foram mortas, dois terços delas mulheres e crianças, na ofensiva de Israel após o ataque do Hamas em outubro”.

O futuro é, contudo, incerto. Se Biden conseguirá recuperar a confiança de seus eleitores que discordam de sua política externa para a Palestina, talvez somente o tempo e vastas análises políticas irão dizer. Só há uma certeza: junto com Aaron Bushnell, são 32.845 pessoas mortas em Gaza, conforme dados atualizados em 4 de abril de 2024, da Al Jazeera, com base em dados do Ministério da Saúde palestino na Cisjordânia ocupada, assim como Escritório da ONU para a Coordenação de Assuntos Humanitários, Organização Mundial da Saúde e governo palestino.

 

Conheça mais textos da autora no OPEU:

Economia e Finanças, Materialismo dialético se faz moderno ao passo que a luta de classes se acirra nos EUA, 22/3/24

Política Doméstica, Biden diminui a pedra de Sísifo financeira de mais de 150.000 estudantes, 9/3/24

Internacional, Anthony Blinken toca promessas em solos de guitarra, 20/11/23

 

* Débora Magalhães Binatti é graduanda em Relações Internacionais pela Instituto de Relações Internacionais e Defesa da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IRID/UFRJ), bolsista de Iniciação Científica do INCT-INEU/OPEU (PIBIC/CNPq) e pesquisadora do INANA. Contato: dmfcbinatti@gmail.com. Twitter: @debs_binatti. Instagram: @debs_binatti.

** Primeira revisão: Simone Gondim. Contato: simone.gondim.jornalista@gmail.com. Segunda revisão e edição final: Tatiana Teixeira. Recebido em 4 abril. 2024. Este Informe não reflete, necessariamente, a opinião do OPEU, ou do INCT-INEU.

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