O que é racismo ambiental? Uma análise da injustiça climática nos EUA, parte I
Pessoas protestando por justiça climática (Crédito: Freepik)
Série sobre Racismo e Injustiça Ambientais
Por Haylana Burite e Lucas Amorim* [Informe OPEU]
“Os espaços de onde as pessoas podem ser removidas e negligenciadas têm uma cor: são negros, são indígenas” (on-line, tradução nossa) afirma a especialista em sociologia urbana e ativista ambiental Rita Maria da Silva Passos. Entretanto, o pensamento mainstream não associa as práticas racistas estruturais e institucionais com as mudanças climáticas e o agravamento dos impactos em grupos “racializados”.
Quando o furacão Katrina devastou Nova Orleans em 2005, foram os bairros de maioria negra que enfrentaram as maiores consequências da tempestade. Dos sete ZIP codes (CEPs) mais prejudicados, quatro deles tinham populações que eram, no mínimo, 75% negras. Doze anos depois, durante o furacão Harvey, o bairro que sofreu os piores danos causados pelas inundações foi uma seção do sudoeste de Houston, onde 49% dos residentes são afro-descentes. Esse padrão de superexposição a eventos extremos e suas consequências é atestada pela análise da E&E News sobre os pagamentos federais de seguros contra inundações.
Uma grande preocupação relativamente às inundações nas cidades são os residentes mais vulneráveis, ou seja, aqueles que vivem nas zonas mais baixas, em bairros não arborizados, com precário sistema de escoamento de água e em zonas de risco. Em termos demográficos, isso se traduz em grupos étnicos minoritários e comunidades de baixa renda. Embora eventos extremos afetem diferentes grupos econômicos e também incidam sobre populações brancas, a capacidade de resposta e recuperação é muito menor nas populações socialmente vulneráveis que, no dia-a-dia, sofrem com problemas infraestruturais e com a negligência e a omissão do poder público.
Redlining e a vulnerabilização imobiliária nos EUA
O que chama atenção é que essa preocupação com os grupos vulnerabilizados nem sempre foi uma questão para agentes públicos e tomadores de decisão nos EUA, que preferiam, conscientemente ou não, definir uma prática segregacionista racista. No New Deal, em 1930, um termo foi cunhado para descrever a delimitação estratégica de áreas, baseada em critérios raciais e de classe, com o objetivo de restringir o acesso a empréstimos financeiros para propósitos imobiliários: os mapas de redlining.
O governo usava mapas codificados por cores para classificar a capacidade de empréstimo de bairros em mais de 200 cidades e vilas nos Estados Unidos. Os bairros foram classificados do menos arriscado ao mais arriscado – ou de “A” a “D”. Os bairros com a letra “D” eram os considerados mais arriscados, o que significava que estes bairros não eram dignos de inclusão em programas de aquisição da casa própria e de empréstimos. Não por coincidência, a maioria das áreas “D” eram majoritariamente habitadas por pessoas negras.
Pode-se caracterizar o redlining como uma política pública liberal. Os chamados mapas de redline foram usados nos EUA, porque o governo precisava reconstruir o mercado imobiliário após a Grande Depressão e evitar execuções hipotecárias. Apesar da política mencionada ter afetado desproporcionalmente minorias vulnerabilizadas, esses grupos foram direcionados ou forçados a permanecer em áreas negligenciadas pelo poder público.
O conceito de redlining foi ampliado para muitas estratégicas históricas de exclusão racial no setor imobiliário: desde a orientação racial por parte de agentes imobiliários (direcionando compradores e locatários negros de casas para determinados bairros ou edifícios e longe de outros) a pactos raciais em muitos subúrbios e empreendimentos, proibindo os residentes negros de comprarem casas. Tudo isso contribuiu para a segregação racial que molda o cotidiano dos Estados Unidos.
A histórica luta pela superação do racismo ambiental nos EUA
O estudo sobre a injustiça ambiental teve início no final dos anos 1970, quando residentes de um bairro de classe média negra em Houston, Texas, descobriram que o governo estadual autorizou a instalação de descarte de resíduos sólidos em sua comunidade. A medida levantou um questionamento desconfortável: por que sua comunidade foi escolhida para sediar essa instalação, enquanto bairros habitados por pessoas brancas nas proximidades não foram considerados?
O conceito de racismo ambiental surgiu a partir de protestos, em 1982, contra depósitos de resíduos tóxicos no condado de Warren, Carolina do Norte, onde a maioria da população era negra. Tal ato ganhou atenção nacional, uma vez que mais de 500 manifestantes resistiram a uma proposta de instalação de descarte de resíduos que planejava armazenar 60 mil toneladas de solo contaminado por PCB. Quando resíduos contaminados começaram a chegar ao local, a população local se opôs: eles se deitaram na estrada para bloquear os caminhões basculantes.
No ano seguinte, em 1983, um relatório federal corroborou as descobertas de Robert Bullard em Houston: comunidades negras no sul eram o alvo de uma porcentagem desproporcionalmente alta de aterros sanitários. Já em 1987, um estudo conduzido por Benjamin Franklin Chavis Jr. revelou que essa realidade se estendia por todo o país.
Benjamin Chavis – um químico, ministro da Igreja Unida de Cristo e ativista dos direitos civis afro-americanos – trabalhou junto a Martin Luther King Jr. na juventude. Ele se envolveu intensamente nos protestos do condado de Warren e desenvolveu o conceito de racismo ambiental. O estudo mostrou que, em praticamente todas as áreas pesquisadas, a cor da pele se mostrava como o fator mais determinante para determinar a proximidade de um indivíduo a um depósito de resíduos tóxicos.
Essa constatação continua sendo verdadeira mesmo após se considerar os marcadores geográficos e de renda. Embora os níveis de renda desempenhem um papel nas disparidades, muitas vezes são um fator exacerbante, se considerado o demarcador étnico.
* Haylana Burite é pesquisadora bolsista de Iniciação Científica do OPEU (INCT-INEU/PIBIC-CNPq) e graduanda em Relações Internacionais do Instituto de Relações Internacionais e Defesa (IRID/UFRJ). Contato: buritehaylana@gmail.com.
Lucas Silva Amorim é pesquisador colaborador do INCT-INEU/OPEU e doutorando pelo Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (IRI-USP). Contato: amorimlucas@usp.br.
** Revisão e edição finais: Tatiana Teixeira. Primeira versão recebida em 3 mar. 2024. Este Informe OPEU não reflete, necessariamente, a opinião do OPEU, ou do INCT-INEU.
*** Sobre o OPEU, ou para contribuir com artigos, entrar em contato com a editora do OPEU, Tatiana Teixeira, no e-mail: tatianat19@hotmail.com. Sobre as nossas newsletters, para atendimento à imprensa, ou outros assuntos, entrar em contato com Tatiana Carlotti, no e-mail: tcarlotti@gmail.com. Assine nossa Newsletter e receba o conteúdo do OPEU por e-mail.
Siga o OPEU no Instagram, Twitter, Linkedin e Facebook e acompanhe nossas postagens diárias.
Comente, compartilhe, envie sugestões, faça parte da nossa comunidade.
Somos um observatório de pesquisa sobre os Estados Unidos,
com conteúdo semanal e gratuito, sem fins lucrativos.