Energia e Meio Ambiente

Estados Unidos antes, durante e para além das discussões climáticas na COP28

(Arquivo) Sameh Shoukry, presidente da COP 27 (centro), fala na abertura formal da Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas COP28, na Expo City Dubai, em 30 nov. 2023, em Dubai, Emirados Árabes Unidos (Crédito: COP28 / Christopher Pike/Flickr)

Por Pedro Vasques* [Informe OPEU]

Com a vitória de Biden e Harris, em novembro de 2020, os principais atores envolvidos com o debate climático-ambiental internacional compartilhavam a expectativa de que as negociações voltariam a avançar, em paralelo ao retorno dos Estados Unidos às arenas multilaterais. Contudo, se os problemas econômicos internos dos estadunidenses já eram colocados como barreiras importantes, limitando o alcance e a capacidade de promover a referida agenda, mudanças significativas no contexto internacional a partir desse período podem ter acarretado implicações ainda mais diretas, redefinindo os contornos possíveis do debate climático internacional no momento presente.

No primeiro ano de governo, Biden anunciou uma série de medidas que implicavam não apenas a reversão das ações tomadas por Trump, mas avançavam em relação à gestão de Barack Obama, causando surpresa em certos grupos ambientalistas. O marco da volta do país aos espaços multilaterais foi simbolizado pela organização de uma cúpula do clima, em 22 de abril de 2021.

Apesar das metas anunciadas, o comportamento de China e Rússia já explicitava que as negociações climáticas não seriam realizadas à margem das demais tensões geopolíticas. Isso ficou ainda mais evidente meses depois, durante a reunião do G20 Clima, em que China, Índia e Rússia se colocaram em oposição às propostas de eliminação da energia a carvão, recusando-se a aderir à meta de limitar a variação da temperatura do planeta em 1,5°C. E, no fim do ano, Biden participou da COP26, em Glasgow, mas, em vez de pautar a agenda de maneira propositiva, o governo dos Estados Unidos assumiu uma postura de enaltecimento das reformas internas, com destaque para a aprovação do pacote de investimentos em infraestrutura no Congresso. Estratégia essa que privilegiou a dinâmica das eleições legislativas de 2022, em detrimento de avanços nas discussões internacionais.

US President Joe Biden arriving at COP26 World Leaders Sum… | Flickr(Arquivo) Presidente dos EUA, Joe Biden, chega à Cúpula de Líderes Mundiais da 26ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP26) na SEC, em Glasgow, em 1º nov. 2021 (Crédito: Alan Harvey/Governo do Reino Unido/Flickr)

​Após a intensificação das tensões ao longo de 2021, o início de 2022 foi marcado pelo início da invasão da Ucrânia pela Rússia. Além das análises acerca das inúmeras implicações do conflito, ficou evidente desde logo que o seu prolongamento produziria limitações diretas no atingimento das metas e no avanço das discussões climáticas. Isso porque, no momento em que a Rússia se colocou em oposição às democracias ocidentais, foram estreitadas também as possibilidades de participação e de adesão do país a eventuais compromissos ligados à agenda do clima. Isso é relevante, uma vez que a nação russa é um dos principais emissores de gases de efeito estufa e, em paralelo, suas práticas já explicitavam um baixo compromisso com as pactuações climáticas. Ademais, a manutenção da guerra implicou mudanças na dinâmica energética regional, com, por exemplo, a imposição de restrições ao fornecimento de gás por parte da Rússia e à sua compra pelos países europeus. Isso teria levado à busca de alternativas que, em geral, têm-se mostrado mais caras e menos sustentáveis.

As tensões postas pela guerra tomaram forma em Sharm el-Sheikh, sede da COP27, no final de 2022. Como resultado do encontro, foi prevista a criação de um fundo para ajudar os países a lidarem com perdas e danos climáticos, porém nenhuma nova medida significativa foi adotada para reduzir as emissões. Naquele momento, os Estados Unidos, também com a presença de Biden, sustentaram a necessidade de uma ação urgente, indicando a possibilidade de apoio financeiro para países periféricos. Apesar das convocações estadunidenses, a agudização do conflito entre Israel e Palestina, em outubro de 2023, explicitou graves violações de direitos humanos, bem como um novo obstáculo às discussões climáticas, com o direcionamento de atenção, recursos e esforços para a guerra.

Relações entre China e EUA até a COP28

Em adição ao contexto descrito, a trajetória das relações entre Estados Unidos e China tem uma importância especial, dada a relevância dos países para o debate climático. Desde a década de 1980, pelo menos, mesmo período de emergência das práticas antiambientalistas, o país asiático aparece como uma questão relevante no debate político-eleitoral dos EUA, tornando-se ainda mais central nas últimas décadas. Durante o governo de Donald Trump, foram conduzidos esforços para construir uma agenda substantiva contra os chineses, indo além das estratégias discursivas. Ao final de 2020, o distanciamento explicitado desde o início da referida administração, com a retirada dos Estados Unidos do Acordo de Paris – adesão oficializada em conjunto com a China, durante o governo Obama –, atinge uma dimensão singular com a associação deliberada e sem provas dos chineses à origem da covid-19 e, portanto, à pandemia.

Como dito, meses após o início do governo Biden, com a realização de sua cúpula do clima no Dia da Terra de 2021, os chineses deixaram claro que a retomada do protagonismo estadunidense não se daria de imediato, ao menos no que deles dependesse. Isso ficou explícito na indicação feita pelos representantes do país asiático de que o espaço mais adequado para discutir a emergência climática não seria um fórum criado pelos estadunidenses, mas a COP26, realizada no final daquele ano. A despeito da manutenção das tensões entre os dois países em vários aspectos, dias antes da realização do evento climático internacional os enviados especiais para o clima de ambos os países, John Kerry e Xie Zhenhua, contribuíram significativamente para costurar um acordo entre Estados Unidos e China para intensificar suas ambições climáticas. Todavia, a adesão dos chineses não incluiu o Compromisso Global do Metano, liderado por estadunidenses e europeus, e que obriga seus signatários a reduzirem as emissões desse composto químico em cerca de um terço.

CP Alok Sharma at the COP26 Climate Change Conference Day … | Flickr(Arquivo) Enviado especial dos EUA para o Clima, John Kerry, conversa com seu homólogo chinês, Xie Zhenhua, em um encontro informal na COP26, em Glasgow, em 13 nov. 2021 (Crédito: Tim Hammond/Governo britânico/Flickr)

As conversas entre os dois países seguiram até agosto de 2022, quando houve a visita da então presidente da Câmara dos Representantes, Nancy Pelosi (D-CA), à ilha de Taiwan, considerada uma provocação pelos chineses. Ao que tudo indica, a comunicação ficou suspensa até as vésperas da COP27, no Egito, quando Kerry e Zhenhua sinalizaram a retomada do diálogo, que não teria perdurado de forma estável para além da conferência. No intuito de indicar o reestabelecimento das relações, durante a cúpula do G20, Biden chegou a afirmar que, em conversas com o presidente Xi Jinping, teria reforçado a importância da colaboração dos dois países para inúmeras questões – dentre elas, a redução das emissões de gases de efeito estufa.

Apesar de pressionada pelos Estados Unidos a aderir a compromissos vinculantes mais estritos e “a fazer mais”, em 2022 a China dispendeu em torno de US$ 546 bilhões em energia limpa, mais que os Estados Unidos (US$ 141 bi) e Europa (US$ 181 bi), e cerca de metade do investimento global no setor.

Em 2023, a deterioração da relação entre os dois países continuou intensa, mantendo reduzidas as possibilidades de diálogo, inclusive na frente climática. É possível lembrar de alguns episódios ao longo do ano que explicitam essa dinâmica, como o acirramento da competição tecnológica, o abatimento do balão meteorológico em espaço aéreo estadunidense, ou a intensificação das atividades militares no mar da China Meridional e em torno de Taiwan. As conversas entre as duas nações, como no ano anterior, encontraram um espaço de possibilidade às vésperas da realização da COP, em uma reunião, mais uma vez, entre John Kerry e Xie Zhenhua, realizada na Califórnia. Ela se deu dias antes do encontro de Biden com Xi Jinping e viabilizou, como resultado de uma série de conversas que já ocorriam há meses, uma declaração conjunta apresentada pelos representantes de ambos os países.

Intitulada Sunnylands Statement on Enhancing Cooperation to Address the Climate Crisis (Declaração de Sunnylands sobre o Reforço da Cooperação para Enfrentar a Crise Climática), a declaração propõe retomar as discussões realizadas em 2021, em Glasgow. Esse encontro prévio à COP28 significou uma importante sinalização positiva de reestabelecimento do diálogo, com a indicação pública do compromisso chinês de redução das emissões de gases de efeito estufa em sua economia até 2035, confirmando a inclusão do metano na atualização de suas metas climáticas. Mas, tal como nos outros anos, os chineses evitaram questões controversas nesses fóruns, indicando que o espaço da COP seria o mais adequado para apresentar à comunidade internacional o posicionamento chinês em relação à questão climática.

A COP28 e seus desdobramentos

A despeito das polêmicas envolvendo a realização da COP nos Emirados Árabes, sob a presidência do sultão Al Jaber, CEO da Abu Dhabi National Oil, a 12ª maior petroleira do mundo em atividade, os encontros preparatórios realizados em Bonn, na Alemanha, indicavam três possíveis frentes de negociação. São elas: a avaliação global sobre o progresso dos países na implementação do Acordo de Paris; a formulação de estratégias de adaptação às mudanças do clima; e a confecção de um programa de trabalho voltado para as questões ligadas à mitigação dos impactos climáticos.

O principal resultado da conferência, como amplamente anunciado, foi a inclusão, no acordo negociado entre os 195 países, da menção acerca da necessidade de se “fazer a transição para longe (em inglês, no original, transition away from) dos combustíveis fósseis nos sistemas energéticos de uma maneira justa, ordenada e equitativa, acelerando a ação nesta década crítica, de forma a atingir emissão líquida zero até 2050, em linha com a ciência”. Texto muito diferente daquele perseguido por ativistas e cientistas, que demandavam o uso da expressão phase out, ou seja, indicando a eliminação dos combustíveis fósseis. Além disso, o acordo prevê a triplicação da capacidade de energia renovável mundial até 2030 e a constituição de um fundo para apoiar países afetados pelas alterações climáticas. Contudo, o documento não definiu compromissos concretos de financiamento.

Tal resultado inédito se deu apesar da grande presença e da atuação em favor das companhias exploradoras de combustíveis fósseis. A Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP), que manteve um pavilhão no evento, chegou a apelar, por meio de uma carta informal escrita por seu secretário-geral, Haitham Al Ghais, e enviada aos seus membros e parceiros, que estes rejeitassem qualquer texto ou fórmula endereçados à energia, isto é, combustíveis fósseis, em vez de emissões. A manifestação foi amplamente rechaçada por diversos atores, produzindo efeito contrário àquele explicitado no texto.

Alguns dias antes, o Brasil havia sido agraciado de forma irônica com o prêmio “fóssil do dia”, por conta da sinalização do presidente Lula favorável à adesão do país à OPEP+, que reuniria países aliados e colaboradores da OPEP, mas sem direito à voto na organização. Ainda que tal decisão tenha sido tomada sob o pretexto de convencer os países produtores de petróleo a se prepararem para o fim dos combustíveis fósseis, a medida foi vista por ativistas como um contrassenso no papel de liderança que deveria ser exercido pelo país.

De todo modo, no que se refere às relações entre Estados Unidos e China, John Kerry e Xie Zhenhua foram seus principais protagonistas. Discursando lado a lado ao fim da conferência, o representante chinês afirmou que, nos momentos em que as discussões se mostraram difíceis, Estados e China intervieram com a apresentação de propostas conjuntas. E uma das principais bases para a construção dessas alternativas teria sido a declaração de Sunnylands, apresentada meses antes, na Califórnia. O esforço de ambos em mostrar certa sintonia na obtenção do acordo na COP28 é, também, a explicitação do fim de uma trajetória de diálogos estabelecida entre Estados Unidos e China, mas nas pessoas de John Kerry e Xie Zhenhua. Isso porque, o primeiro deixou o governo no início de 2024, e o segundo se aposentou em virtude de problemas de saúde.

Estados Unidos para além da COP28 e as eleições presidenciais de 2024

A posição de Biden e Kerry na COP28, favorecendo o avanço do debate climático, ainda que dentro de certos limites, soma-se a uma lista significativa de ações adotadas pelo governo federal em favor do clima e do meio ambiente. Dentre elas, é possível destacar a aprovação da Inflation Reduction Act, a Justice40 Initiative e o America Climate Corps (derivado da proposta inicial do Civilian Climate Corps). Biden já é considerado por algumas organizações ambientalistas como o presidente que mais agiu em favor do clima, ainda que estejam pendentes uma série de promessas feitas na campanha eleitoral e ao longo do governo.

The Civilian Climate Corps Could Be Transformative. Will Democrats Meet the  Moment? - Inequality.org(Arquivo) Sunrise Movemente e a Green New Deal Network (à esq.) e (à dir.) a equipe de cerca do Civilian Conservation Corps, em Glass Buttes, do rancho Gap (à dir.). Crédito: BLM Oregon & Washington/Creative Commons

Espera-se que, até a realização da COP29, novembro de 2024, no Azerbaijão, outro país no qual o petróleo é protagonista, novas medidas sejam adotadas pelo democrata. Mas, assim como nas eleições de meio de mandato de 2022, especula-se que tais ações privilegiem seu alinhamento a questões internas caras aos estadunidenses, não necessariamente priorizando demandas internacionais – ao menos até a conclusão do pleito eleitoral de 2024.

A eleição presidencial nos Estados Unidos vem sendo considerada o evento climático mais importante do ano. A possibilidade de retorno de Trump traz consigo a fresca lembrança das medidas anticlima e meio ambiente adotadas durante sua presidência, e que afastaram o país dos espaços multilaterais, limitando as possibilidades de avanço nas negociações. Entre avaliações mais otimistas, que destacam a dimensão contingencial e temporária do novo governo Trump, e as mais pessimistas, que veem nisso o aprofundamento da erosão democrática e a incapacidade de as negociações climáticas seguirem sem os Estados Unidos, temos alguns meses de intensa disputa eleitoral.

Caso o comportamento dos eleitores se mantenha relativamente parecido com aquele manifestado em pleitos anteriores, veremos que, apesar de clima e meio ambiente despertarem seu interesse, em última análise, não se trata de elementos considerados prioritários para a ação governamental e, portanto, para a escolha eleitoral. Em geral, apesar da polarização entre democratas e republicanos, fortalecer a economia estadunidense continua sendo a questão prioritária para o eleitorado. Em 2020, a estratégia eleitoral de Biden e Harris foi trazer o debate climático-ambiental para o campo socioeconômico. É provável que essa associação seja vista novamente em 2024. E, em adição a ela, considerando-se as instabilidades causadas pelos atuais conflitos e tensões com países como a China, temos por hipótese que haverá um estreitamento dessas questões com elementos de segurança nacional, principalmente, via debates envolvendo energia e tecnologia.

 

* Pedro Vasques é pesquisador de pós-doutorado da Unicamp, pesquisador do INCT-INEU, membro do Conselho Diretor do Centro de Estudos de Cultura Contemporânea (Cedec) e doutor em Ciência Política pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP).

** Revisão e edição final: Tatiana Teixeira. 1ª versão recebida em 9 jan. 2024. Este Informe não reflete, necessariamente, a opinião do OPEU, ou do INCT-INEU.

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