Latino Observatory

Eleições 2024: consequências de um segundo mandato de Donald Trump para os latinos

(Arquivo) Apoiadores do então presidente Donald Trump, em um comício “Keep America Great” no Arizona Veterans Memorial Coliseum, em Phoenix, no Arizona, em 19 fev. 2020 (Crédito: Gage Skidmore/Flickr)

Por Greiciele da Silva Ferreira, para Latino Observatory* [Republicação]

Ainda é incerto se a eleição de novembro trará uma segunda competição de Biden vs. Trump, já que ainda não foram postulados os candidatos que concorrerão ao cargo de presidente, mas, ao que tudo indica, as maiores chances são de que sejam esses os nomes da eleição. De acordo com o texto argumentativo de Stephen M. Walt para a revista Foreign Policy, independentemente de quem seja o eleito, no campo da política externa não haverá mudanças significativas para os Estados Unidos.

Para criar seu ponto, o autor usa as relações entre os Estados Unidos e o conflito na Ucrânia, as relações comerciais com a China e a posição norte-americana com o Oriente Médio. Para a Ucrânia, Walt acredita que Biden e Trump provavelmente seguirão por um caminho similar ao tratar do conflito, já que, no decorrer de 2023, os cursos da guerra se viraram contra a Ucrânia. Ele afirma ainda que tanto Biden quanto Trump “tentarão negociar e finalizar a guerra após janeiro de 2025, e o acordo resultante provavelmente será mais próximo ao propósito russo que ao objetivo ucraniano”. Sobre a China, os dois seguirão utilizando as mesmas estratégias para lidar com a competição comercial aumentada durante o governo Trump e, com relação ao Oriente Médio, o autor relembra as atitudes catastróficas tomadas por Trump durante seu governo e comenta sobre como, durante o governo Biden, essa relação se deteriorou ainda mais, marginalizando o problema palestino.

Sendo assim, o autor afirma que não se deve enganar, pensando que algum dos dois governos conseguirá alcançar muito mais do que os esforços americanos previamente já alcançaram com relação à política externa frente a essas questões mais latentes nos dias de hoje, não importa quem vença.

Entretanto, esta análise tem como objetivo avaliar qual será a relação do futuro presidente dos EUA com os imigrantes latinos que ali residem, em termos de previsões de políticas públicas, tratamentos despendidos aos imigrantes e recebimento de mais imigrantes. Primeiramente, nos empenharemos em analisar as propostas e planos do mais provável candidato do Partido Republicano: Donald Trump.

Trump pode concorrer à eleição de 2024?

Um dos maiores questionamentos no momento é se Trump poderá concorrer na eleição deste ano, dado o fato de que está sendo acusado de diversos delitos em nível criminal e federal. O Partido Republicano parece, entretanto, muito inclinado a apostar todas suas fichas no ex-presidente. “Trump foi acusado de mau uso de arquivos governamentais confidenciais, falsificar documentos empresariais para conceder pagamentos de suborno e de conspirar para a anulação dos resultados da eleição de 2020 no estado da Geórgia”, conforme publicação da Al Jazeera. Ele também enfrenta uma acusação federal por interferir nas eleições de 2020, as quais ele perdeu para o atual presidente Joe Biden. Ele se afirma inocente em todos os quatro casos.

De acordo com o texto de Al Jazeera, ele pode concorrer à presidência mesmo se condenado: “não há nada na Constituição que proíba alguém que seja condenado de concorrer a um cargo”, explicou Aziz Huq, professor de direito na Universidade de Chicago. Contudo, há uma cláusula pouco conhecida, a Seção 3 da 14ª Emenda – a “cláusula de desqualificação” –, que afirma que “nenhuma pessoa que prestou o juramento de apoiar a Constituição e depois se envolveu em insurreição ou rebelião contra a mesma deverá ocupar qualquer cargo público nos Estados Unidos”. Dito isso, alguns grupos de direitos civis estão buscando a desqualificação de Trump, citando que esta cláusula se afirma no fato de ele haver tentado anular os resultados da eleição de 2020. Mesmo que ela seja utilizada para tentar impedi-lo de concorrer, o que é pouco provável, vale ressaltar que, ainda segundo a Constituição, esse veto pode ser revertido pelo Congresso.

US Constitution | Jonathan Thorne | FlickrSeção 3 da 14ª Emenda, a cláusula de desqualificação: “nenhuma pessoa que prestou o juramento de apoiar a Constituição e depois se envolveu em insurreição ou rebelião contra a mesma deverá ocupar qualquer cargo público nos Estados Unidos” (Fonte da imagem: Jonathan Thorne/Flickr)

A partir disso, é necessário notar que os Republicanos escolherão oficialmente seu candidato na convenção partidária que ocorrerá no meio de julho em Wisconsin, enquanto os Democratas devem confirmar seu candidato (que certamente será Biden) na convenção em agosto, enquanto a eleição oficial ocorrerá em 5 de novembro. Nesse ínterim, os dois partidos resguardam suas decisões sobre quais serão suas nomeações para concorrer à Presidência, enquanto os votos estaduais determinam o candidato de cada partido. Trump ganhou confortavelmente nos estados de Iowa e New Hampshire em janeiro, pressionando sua maior concorrente, a ex-embaixadora na ONU e ex-governadora da Carolina do Sul, Nikki Haley, a abandonar a competição.

Trump afirma que não desistirá da corrida eleitoral, mesmo que haja uma condenação. Além disso, uma pesquisa de dezembro realizada pelo jornal The New York Times junto com a Siena College mostrou que 62% dos republicanos eleitores das primárias acreditam que ele deveria permanecer como nomeado do partido, caso vença nas primárias e mesmo se condenado por algum dos crimes.

Ainda de acordo com a matéria de Al Jazeera, Geoff Kabaservice, vice-presidente de Assuntos Políticos no Niskanen Center, um think tank de centro-direita em Washington, D.C., afirma que “Trump usou estes casos para acusar os Democratas de ‘fazerem tudo que está sob seu alcance para impedi-lo de se tornar presidente novamente’ e reiterar afirmações de que o sistema de Justiça está sendo manipulado contra ele e, embora essa estratégia possa funcionar para os apoiadores de sua política Make America Great Again (MAGA), ela deve falhar com os republicanos mais moderados, independentes ou até mesmo democratas que podem considerar votar nele”, diz Kabaservice.

Posto isso, por mais que haja motivos para que Trump não seja uma boa escolha para a eleição presidencial deste ano, todas as chances apontam, favoravelmente, para sua nomeação pelo Partido Republicano.

Planos de Donald Trump para a imigração

Durante seu tempo como presidente dos Estados Unidos, Trump iniciou a construção do muro que separa os Estados Unidos do México, além de ter iniciado testes de saúde e monetários para imigrantes, e de limitar o asilo no país. Seu plano para 2025 irá ainda mais longe, potencialmente dificultando para milhões de estrangeiros a entrada e a permanência nos EUA, de acordo com a publicação de Axios, que dá um panorama geral do novo plano do provável candidato.

Entre a criação de novas políticas e a extinção de políticas antigas e nunca usadas, ou pouco eficientes, a seguir estão as que ele pretende usar, caso seja eleito:

  • Triagens ideológicas: Trump deve construir triagens ideológicas para pessoas que estejam solicitando uma ida legal aos EUA. Ele buscaria, com isso, rejeitar solicitantes que fossem considerados “marxistas” e “comunistas”. Suas triagens ideológicas envolveriam pesquisar pelas contas de redes sociais dos solicitantes, o que já é uma prática iniciada durante o governo de Trump para obtenção do visto.
  • Dificuldade para obtenção de vistos e imigração: ele planeja dificultar o acesso ao sistema de imigração dos Estados Unidos para pessoas de países, cujos cidadãos têm altos índices de permanência ilegal no país após seus vistos expirarem. Ele também quer que os solicitantes provem que podem pagar por um plano de saúde, além de fazer com que visitantes paguem taxas pesadas para entrar no país.
  • Bloqueio aquático: Trump pretende enviar a Guarda Costeira e a Marinha para formar um bloqueio nas águas entre os EUA e a América Latina, para parar barcos com tráfico de drogas, como uma forma de demonstrar sua força, assim como já realizado por ele quando, em 2020, enviou navios de guerra ao Caribe como um aviso aos cartéis. Ele também planeja designar os cartéis de drogas como “inimigos combatentes ilegais” para permitir que o Exército norte-americano possa se direcionar contra eles no México.
  • Expansão da ideia de “banimento muçulmano”: para bloquear mais pessoas de países específicos de entrar nos EUA. Em seu tempo na Presidência, Trump baniu a imigração de pessoas de mais de uma dúzia de países majoritariamente muçulmanos, ou da África, ordem que foi rescindida pelo presidente Biden, mas que deve voltar a ser utilizada no caso da reeleição de Donald Trump.
  • Fim do direito de cidadania por nascimento para filhos de imigrantes indocumentados: Trump chegou a considerar isso quando presidente, mas a Corte atualmente mais inclinada a ser conservadora deu mais confiança a seu time para ingressar nesta luta legal inevitável. Com isso, crianças nascidas nos Estados Unidos de pais imigrantes indocumentados não teriam direito à cidadania norte-americana.
  • Aumento das barreiras flutuantes no Texas: mesmo que sejam uma controvérsia, a colocação das boias para evitar a entrada de pessoas pelo Rio Grande será provavelmente estendida em um segundo mandato de Trump.
  • Completar o muro: Trump gastou bilhões de dólares para a criação do muro na fronteira sul e provavelmente irá completá-lo.
  • Deportações: Os imigrantes podem começar a ser rapidamente deportados através do uso das controversas Alien and Sedition Acts, criadas em 1798 e utilizadas durante a Segunda Guerra Mundial para vigilância e detenção de imigrantes italianos, alemães e japoneses.

O foco de Trump está, de acordo com a publicação, na fronteira sul, mas ele também tem planos de restringir severamente a imigração. Muitas de suas propostas radicais poderiam aumentar as tensões do país com o México, dado o fato de que Trump precisará da cooperação mexicana, se quiser fazer valer seu plano de diminuir as migrações vindas do Sul, a partir de seu plano de reiniciar a política “Remain in Mexico” (“Permaneça no México”, em tradução literal), que forçava as pessoas que buscavam asilo nos EUA a aguardar no México por suas audiências. Entretanto, trata-se de um plano controverso, quando muitos experts afirmam que os Estados Unidos precisam de mais imigrantes para abastecer sua economia.

President Trump Travels to Arizona | President Donald J. Tru… | Flickr(Arquivo) O então presidente Donald Trump caminha ao longo da 200ª milha concluída do novo muro de fronteira com o México, em 23 jun. 2020, perto de Yuma, Arizona (Crédito: foto oficial da Casa Branca por Shealah Craighead/Flickr)

Imigrantes indocumentados enfrentarão, então, uma abordagem muito mais agressiva de prisões e deportações, dado que Trump planeja envolver agentes do FBI, da DEA (Drug Enforcement Administration) e da Guarda Nacional para rastreá-los.

Ele também deve trazer de volta o uso do Título 42 – a suspensão de entrada que foi usada milhões de vezes para expulsar imigrantes que entravam ilegalmente no país, cujo fim já foi discutido pelo Latino Observatory.

Apesar de enfrentar obstáculos legais e operacionais em suas propostas, elas foram aceitas e abraçadas pelos pré-candidatos presidenciais mais próximos a Trump nas pesquisas, como o governador da Flórida, Ron DeSantis, e Vivek Ramaswamy, ambos afirmando que executarão as deportações em massa e o fim do direito à cidadania por nascimento. Nikki Haley e Tim Scott também se juntaram a Trump e DeSantis para apelar para que os Estados Unidos rejeitem refugiados palestinos. Enquanto outros candidatos do Partido Republicano, incluindo mais moderados como Chris Christie, prometeram restabelecer algumas das políticas de fronteira adotadas por Trump e construir mais quilômetros do muro, de acordo com a publicação da CBSNews.

O que podemos concluir é que um segundo mandato do candidato republicano Donald Trump será, provavelmente, muito parecido com o primeiro. Sua posição anti-imigrante fará com que ele tome todas as medidas possíveis e impossíveis para evitar a entrada e forçar a saída de todos aqueles que considera indesejáveis no país, os quais usa como bode expiatório para os problemas e dificuldades enfrentadas pela população norte-americana, em vez de usar o melhor de suas habilidades administrativas, políticas e diplomáticas para a resolução dessas adversidades.

 

* Greiciele da Silva Ferreira é graduanda em Relações Internacionais pela UNESP de Marília e bolsista do Latino Observatory.  Contato: greiciele.s.ferreira@unesp.br.

** Publicado originalmente no site Latino Observatory, em 21 fev. 2024. Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião do OPEU, ou do INCT-INEU.

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