Resenha crítica de ‘Great Powers and the US Foreign Policy towards Africa’, de Stephen Magu
(Arquivo) Presidente Barack Obama discursa na Cúpula de Líderes EUA-África, no Departamento de Estado, em Washington, D.C., em 6 ago. 2014 (Crédito: DoS/Flickr/Domínio Público)
Por Débora Binatti*
Publicada em 2019, a obra Great Powers and US Foreign Policy Towards Africa (Palgrave Macmillan, 204p), de Stephen M. Magu, descreve, minuciosamente, o histórico das relações de política externa das diferentes potências com o continente africano ao longo das décadas, fazendo não só uma análise política e internacionalista, como também social e histórica. São abordadas tanto as perspectivas das nações europeias, como Inglaterra, França e Alemanha, quanto a dos Estados Unidos. O autor analisa, ainda, a relação entre o BRICS e a África, dando certa ênfase à China, por conta de sua inegável presença no continente.
Para melhor compreender a obra, é necessário conhecer quem lhe deu vida. Professor e pesquisador da Universidade de Bayreuth, o queniano Stephen M. Magu também é filantropo e ativista. Seu campo de atuação profissional cobre as áreas de humanidades em geral e, mais especificamente, história, ciência política e relações internacionais. Com pelo menos três livros publicados – Towards Pan-Africanism (Palgrave Macmillan, 2023, 354p), Explaining Foreign Policy in Post-Colonial Africa (Palgrave Macmillan, 2021, 349p), além de Great Powers… –, suas pesquisas abordam, sobretudo, o Sul Global e as perspectivas pós-colonialistas do continente africano.
Resumo da obra
Para abordar uma temática indubitavelmente complexa e pouco explorada em uma academia eurocêntrica, Great Powers and US Foreign Policy Towards Africa conta com oito capítulos. O primeiro consiste em uma breve introdução, cujo intuito é contextualizar o leitor historicamente. Magu tem o cuidado de admitir que seus interlocutores não dispõem de grande conhecimento sobre o colonialismo europeu e a história do Sul Global ao longo do século XX.
O segundo (Order (and Disorder) in World Order) aborda o tema de uma perspectiva mais científica, deixando mais explícito o teor das Relações Internacionais do livro. Nessa parte, são descritas as mudanças da ordem internacional ao longo dos séculos e seu impacto nos Estados.
O terceiro capítulo (Great Powers, International Order and Stability: Transformation?) trata mais restritamente do conceito de grandes potências, apresentando, novamente, uma grande carga histórica. É admirável como o autor é capaz de contextualizar e explicitar todos os processos políticos e internacionais, de maneira a deixar sua escrita mais fluida e didática. Magu demonstra a natureza interseccional das Relações Internacionais, usando, com facilidade, conteúdos de outras áreas das ciências humanas e sociais, ao aplicá-las a favor de seus métodos pedagógicos e retóricos.
Já no quarto capítulo (A Brief History of US–Africa Relations: To 1990) é apresentado um breve antecedente das relações entre os Estados Unidos e o continente africano, relações essas que se iniciam com o escravismo ainda no período colonial. O capítulo cinco (Post-colonialism, Europe and Africa: Changing Policyscapes) se volta, por sua vez, para o Velho Mundo e traz uma análise da relação entre o continente europeu e suas potências e o continente africano. Tal interação entre os dois continentes é centenária e recoberta de dinâmicas de dominação e poder, visto o passado imperialista e colonial da Europa.
O capítulo seis (Detour: The BRICs and New Directions in Africa Foreign Policy) aborda a interação do grupo BRICS com os países da África. É um momento crucial do livro, visto que apresenta uma nova perspectiva do Sul Global, isto é, um Sul Global emergente.
O sétimo capítulo (Tunnel’s End: A Light, or an Oncoming Train? US-Africa Foreign Policy Since 2000) retoma a temática dos EUA e apresenta uma breve análise da política externa do país em tempos recentes, desde o governo de George W. Bush, revisitando as medidas adotadas pelo republicano, pelo democrata Barack Obama e pelo também republicano Donald Trump, em especial aquelas relativas ao continente africano. Finalmente, o último capítulo é uma grande retomada do que foi visto ao longo do livro e apresenta uma conclusão digna, embora breve, para uma obra tão densa.
Observações sobre a obra
É inegável que o maior objetivo do autor é apresentar a política externa das grandes potências com relação ao continente africano, como é explicitado no título. A análise presente no livro, assim sendo, dá maior atenção às políticas apresentadas a partir da segunda metade do século XX. Não se trata de uma contradição, assim fazendo-se por uma razão óbvia: é desse momento em diante que os Estados africanos conseguem, finalmente, sua independência política, embora ainda sofram as consequências do colonialismo ocidental, o que é enfatizado pelo autor.
Utilizando-se de um vocabulário extremamente rebuscado, Stephen Magu parte de uma pergunta simples: o que as grandes potências querem da África? Toda sua obra, abordando as mais diversas perspectivas, visa a responder a essa questão, geralmente ignorada pelos pesquisadores. Afinal, o etnocentrismo e o racismo acadêmico acabam por levar a um desdém pelo continente africano.
Para efetuar sua pesquisa, o autor parece fazer uso de uma metodologia bem específica. Observa-se, a partir do texto, o emprego de uma pesquisa aplicada, explicativa e também bibliográfica e documental. Ainda é possível dizer que a investigação em questão aparenta ser um estudo de caso com características de uma pesquisa ex-post facto, visto que analisa, em grande parte, fatos passados. Dessa forma, a metodologia adotada não é apenas adequada, como muito eficiente. As escolhas de Stephen M. Magu permitem que o texto seja extremamente coeso e chegue às conclusões que se esperava. Por fim, quanto ao uso das fontes, deve-se ressaltar, também, que são extensas e completas e se encontram muito bem organizadas e explicitadas ao longo do livro.
Dessa forma, é inegável que a obra Great Powers and US Foreign Policy Towards Africa apresenta grande coerência e organiza magistralmente sua estrutura. O autor sabe se conter, quando necessário, e se estender, quando fundamental. O pesquisador parece conhecer muito bem o público acadêmico que pretende alcançar, porém evita usar demasiados conceitos sem defini-los. Isso permite que não especialistas também aproveitem a leitura.
Espaço para críticas
Há, entretanto, duas críticas cabíveis: a conclusão fica pouco explicitada no oitavo e último capítulo, sendo pouco desenvolvida, muito embora grande parte do texto se destine a ela. Talvez uma escolha vocabular de conjunções conclusivas mais explícitas permitisse um melhor fechamento da obra. Além disso, para uma melhor compreensão de quem lê, poderiam ter sido usados mais mapas. De qualquer modo, trata-se de ausência justificável, visto que o tema abordado demanda um conhecimento básico de geografia. Cabe ao leitor, portanto, saber a localização da África do Sul e do Chifre da África, por exemplo.
Para estruturar tal investigação, era inevitável o extenso uso de fontes, não apenas primárias como secundárias. Vale ressaltar que, devido ao caráter analítico de sua pesquisa, Stephen M. Magu restringe suas fontes primárias a dados dos governos citados, sem recorrer a organizações internacionais, ou a fontes externas aos governos. Quanto às fontes secundárias, são referenciados autores consagrados das Relações Internacionais e da Ciência Política, como Paul Kennedy, Ikenberry, Johnston, Kissinger, Brezina, Hersh, Simpson, Jack Levy, Hedley Bull e Chomsky.
Ao trazer e citar uma gama diversificada de pensadores, Magu se utiliza de diferentes linhas teóricas para estruturar sua tese, o que é sempre um risco. Acaba sendo evidente um certo favoritismo teórico pela Sociedade Internacional, de Hedley Bull, e que fica ainda mais explícito no fim da obra, embora o autor não ignore as demais doutrinas, como o Realismo, o Neoliberalismo e o Construtivismo.
Great Powers and US Foreign Policy Towards Africa apresenta suas referências e sua bibliografia ao fim de cada capítulo, a fim de manter a organização e a coesão da obra. Tal escolha deixa o livro mais limpo, facilita a consulta e permite uma melhor utilização das fontes por parte do leitor.
Retomando a questão temática da obra, torna-se explícito que o maior problema teórico apresentado é como as grandes potências – em especial os Estados Unidos – lidam com as ameaças provenientes do continente africano – com maior ênfase àquelas oriundas do Chifre da África. O autor cita pela primeira vez essa problemática na quarta página do livro, retomando-a recorrentemente ao longo dos capítulos.
A partir da análise proposta, busca-se perceber qual tipologia de política externa foi, ou ainda é, adotada pelos EUA. Observa-se, assim, um certo isolacionismo estadunidense e uma ausência de políticas referentes ao continente africano, que, por sua vez, ao longo da história, foi amplamente ignorado pelas autoridades dos Estados Unidos. Não que isso signifique a ausência de políticas como um todo, contudo, quando se compara o número e a extensão das políticas europeias, e até mesmo para a América Latina, a extensão das políticas para a África passa a ser diminuta.
É certo que, dentro desse tema, a questão dos Estados falidos, ou fracassados, e a inação das grandes potências é a mais relevante. Percebe-se que, dentro da ordem internacional, as grandes potências vivem uma constante de impunidade por seus atos contra os Estados mais fracos, como é o caso de muitas nações africanas, ocorridos em um passado recente.
Vale ressaltar que a atuação humanitária das nações mais fortes se dá, geralmente, como uma forma de política estratégica e política de poder. Sendo assim, presencia-se na atualidade um grande número de Estados falidos, visto que, embora a existência deles corrobore para crimes contra a humanidade, ela não impacta economicamente as potências mundiais. E, quando o faz, observa-se uma atuação agressiva por parte delas, muitas vezes ignorando os direitos de autodeterminação dos povos e, até mesmo, os próprios direitos humanos. Embora faça uso de muitos eufemismos, Stephen Magu é capaz de abordar tal problemática, o que é admirável, visto seu contexto de atuação estadunidense.
Assim sendo, é inegável que a obra carrega uma grande originalidade, pois o Sul Global é frequentemente preterido no meio acadêmico. O autor é capaz de estruturar todas as suas ideias em um texto extremamente coeso e instigante. Dessa forma, Great Powers and US Foreign Policy Towards Africa é um ótimo texto da área de Relações Internacionais e é extremamente importante para aqueles que se interessam por política externa, em especial, quando se trata das Grandes Potências. A leitura, definitivamente, não será vã.
* Débora Binatti é bolsista de Iniciação Científica do INCT-INEU/OPEU (PIBIC-CNPq), graduanda em Relações Internacionais pelo Instituto de Relações Internacional e Defesa (IRID/UFRJ), autora do livro Meus Anos Lusitanos (Editora In Media Res, 2022) e presente nas antologias 43 Poemas Neurodivergentes (TAUP, 2023), Antologia Humor+ (Editora OffFLIP, 2023), Nós (Editora OffFLIP, 2023), Coletânea Off FLIP 2023 (Editora OffFLIP, 2023), Coletânea Juntas e Diversas (Editora In Media Res, 2023), Cadernos Marginais (Editora Fi, 2023). Formação em Diplomacia, Política Externa, Geopolítica, Geoestratégia, UN Convention of the Rights of the Child, Children´s Rights, and Global Health e Deutsche Kultur – und Landeskunde. Contatos: dmfcbinatti@gmail.com, @debs_binatti (Twitter e Instagram).
** Primeira revisão: Simone Gondim. Contato: simone.gondim.jornalista@gmail.com. Segunda revisão e edição final: Tatiana Teixeira. Primeira versão recebida em 26 dez. 2023. Esta Resenha OPEU não reflete, necessariamente, a opinião do OPEU, ou do INCT-INEU.
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