Segurança e Defesa

A assistência militar dos EUA à Ucrânia em um contexto de guerra com a Rússia

 Soldado da Guarda Nacional ucraniana, em 6 abr. 2022 (Fonte: Wiki Commons)

Por Rafael Esteves Gomes*

Após a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), a diminuição dos conflitos interestatais na Europa se tornou evidente, possibilitada, principalmente, pela criação da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) e pela integração econômica, que originou a atual União Europeia (UE). Além disso, o período posterior a 1945 foi de consolidação da hegemonia estadunidense, baseada, sobretudo, em seu poderio militar e econômico. Isto beneficiou a pacificação da Europa, que pôde priorizar seu desenvolvimento econômico, estando sob o guarda-chuva nuclear e militar dos Estados Unidos.

Assim, após o fim da Guerra Fria em 1991, elevou-se a sensação de segurança na Europa, diante da expansão da OTAN e da UE, concomitante à decadência militar e econômica de Moscou. Nesse sentido, os EUA passaram a priorizar outras regiões, em particular aquelas afetadas pela ascensão chinesa, algo que foi amplamente impactado pela invasão russa da Ucrânia.

Tendo questões históricas e geopolíticas como pano de fundo, a guerra russo-ucraniana alterou as perspectivas de segurança regional europeia, gerando reações de vários países, como o envio de ajuda militar e financeira dos EUA para a Ucrânia. Nesse contexto, cabe notar o maior envolvimento estadunidense em questões regionais europeias e o reconhecimento oficial da Rússia como ameaça ao status quo internacional.

A guerra russo-ucraniana

O colapso da URSS levou diversos países à independência de Moscou, sendo a Ucrânia um dos casos mais relevantes. Tendo em vista as ligações históricas, econômicas e geopolíticas, a soberania de Kiev dependia de um equilíbrio entre as relações com a Rússia e os países da OTAN. Com estes últimos, o governo ucraniano buscou intensificar as relações, principalmente a partir do século XXI.

A aproximação entre Ucrânia e OTAN gerou preocupações no Kremlin, particularmente após os eventos da Primavera Ucraniana, em 2013. Após a anexação da Península da Crimeia e em meio à ação dos movimentos separatistas na região ucraniana do Donbass, ambos em 2014, a invasão russa à Ucrânia, em 2022, escalou a crise entre Kiev e Moscou, além de dar início a uma nova fase na relação entre a Rússia e os países da OTAN. Partindo da justificativa de ameaça ao seu país, o presidente russo, Vladimir Putin, anunciou em 24 de fevereiro de 2022 a “Operação militar especial”, com bombardeios em diversas cidades e a entrada das Forças Armadas russas em território ucraniano, levando a uma reação dos Estados Unidos e aliados, via sanções contra o país e sua elite política.

Após mais de um ano de conflito, a Ucrânia ainda luta para manter sua integridade territorial, mesmo com o alto custo de vidas, civis e militares. Já a Rússia, mesmo com dificuldades, tenta garantir vantagens estratégicas, investindo cada vez mais recursos, à medida que aumenta o envolvimento da OTAN, liderada pelos Estados Unidos, em apoio a Kiev. O prolongamento da guerra leva a uma intensificação da devastação da Ucrânia e a iniciativas mais agressivas de isolamento político, econômico e financeiro da Rússia, principalmente por parte dos EUA.

America's steadfast support for Ukraine, European security - U.S. Embassy & Consulates in ItalyGuerra russo-ucraniana alterou as perspectivas de segurança regional europeia (Crédito: Embaixada americana na Itália/Flickr)

Assistência estadunidense à Ucrânia

Inicialmente, o fornecimento de apoio militar do governo de Joe Biden à Ucrânia se limitou ao envio de pequenas quantidades de armamentos portáteis antitanque e antiaéreo, além do posicionamento em condenar os ataques russos e oferecer proteção a Zelensky em território estadunidense. A partir do prolongamento do conflito, a Casa Branca decidiu suprir Kiev com diversos pacotes de equipamentos militares, o que permitiu às Forças Armadas da Ucrânia manter seu esforço de guerra. Diante do cada vez maior envolvimento de Moscou na Ucrânia, Washington passou a intensificar seu apoio, mediante o envio de maiores pacotes, com armamentos qualitativamente melhores.

Desde o início do conflito, os EUA foram os maiores fornecedores de equipamentos militares para a Ucrânia, com aproximadamente US$ 48 bilhões já tendo sido anunciados em munições, armas, veículos de combate e de apoio às tropas. De todo o armamento enviado para Kiev, destacam-se as armas portáteis antitanque (Javelin), defesa antiaérea portátil (Stinger) e o sistema de lançamento múltiplo de foguetes (HIMARS), além da defesa antimísseis (Patriot) e dos prometidos carros de combates (M1 Abrams).

Nesse sentido, é importante entender os efeitos desse apoio ao esforço de guerra ucraniano. Por um lado, as grandes empresas que suprem o complexo industrial-militar dos EUA, como Lockheed Martin e Northrop Grumman, lucraram com a guerra, graças ao esvaziamento dos estoques e ao estabelecimento de novos contratos com o governo estadunidense. Por outro, a população dos EUA tem apoiado cada vez menos o envolvimento do governo nos assuntos ucranianos. Algumas pesquisas vêm mostrando um aumento da percepção de que os EUA já fizeram muito pela Ucrânia, passando de 7% para 26% entre fevereiro de 2022 e fevereiro de 2023. Ao mesmo tempo, o número de apoio diminuiu de 49% para 17%, no mesmo período.

Consequências

O apoio militar estadunidense tem se mostrado essencial para as Forças Armadas da Ucrânia resistirem aos avanços russos, evitando uma derrota militar. Apesar de alguns sucessos, Kiev ainda se encontra em desvantagem frente ao poderio militar de Moscou. Diante dos resultados dos equipamentos fornecidos pelos Estados Unidos e da evidente assimetria ainda apresentada, obter mais armamentos – e cada vez mais modernos – se tornou uma meta para o presidente ucraniano, Volodimir Zelensky, que já visitou os Estados Unidos, fez três viagens pela União Europeia e participou de eventos na Arábia Saudita e Japão.

Do ponto de vista da Rússia, o envolvimento dos EUA no conflito se mostrou ruim para os objetivos estratégicos do Kremlin, uma vez que neutralizou algumas vantagens das suas Forças Armadas sobre as da Ucrânia. Assim, Moscou foi obrigada a investir, cada vez mais, recursos em suas operações em território ucraniano, fragilizando o governo no cenário interno e externo.

Para os Estados Unidos, o fortalecimento militar da Ucrânia é interessante estrategicamente, uma vez que atrapalha as ambições da Rússia, e economicamente, considerando-se a dependência criada por Kiev sobre os armamentos estadunidenses. Dessa forma, o governo dos EUA tem dado especial atenção à Ucrânia, como se constata com o envio de armamentos mais modernos e até com a visita do presidente Biden a Kiev, em fevereiro de 2023.

Biden e Zelensky, em 20 fev. 2023, em Kiev (Crédito: Embaixa americana na Itália/Flickr)

Desafios futuros

Nessa conjuntura, a opinião pública é o maior desafio que o governo estadunidense enfrenta. Joe Biden sentiu uma grande diminuição do apoio público à assistência militar à Ucrânia, algo diretamente associado à queda da popularidade do presidente frente aos desafios políticos e econômicos atuais. A depender das estratégias abordadas pela Casa Branca para estabilizar as questões políticas e econômicas estadunidenses, o atual apoio a Kiev pode ficar difícil de sustentar.

Outro ponto importante é a avaliação do governo estadunidense sobre um possível ponto de saturação para manter tal ajuda militar, tendo em vista a abundância de armamentos enviados à Ucrânia. Muitos dos equipamentos fornecidos faziam parte de um excedente de produção armazenado para eventuais conflitos futuros, que não são mais produzidos, geralmente devido à complexidade logística, ou pelo desenvolvimento de algo moderno. A questão ucraniana esgota as reservas militares disponíveis para o envio, chegando perto do mínimo estratégico. Se tal escala da necessidade de armamentos continuar, a assistência à Ucrânia se tornará inviável no curto prazo.

Finalmente, em relação à Ucrânia, a abundância e a variedade de material enviado é um desafio logístico por si só. Os armamentos fornecidos são totalmente diferentes dos utilizados pelos militares ucranianos, sendo necessária uma capacitação dos combatentes para o manuseio, além da dificuldade de equipar e reparar tais materiais. Ademais, há uma preocupação com o armazenamento e o envio ao front, pois podem ser detectados e destruídos pelos russos, antes mesmo de serem utilizados.

 

* Rafael Esteves Gomes é bacharel em Relações Internacionais (IRID/UFRJ) e mestrando em História Comparada (PPGHC/UFRJ). Principais áreas de interesse: Política Externa, Política Internacional, Geopolítica, Segurança Internacional e Defesa. Contato: rafaelestevesgomes7@gmail.com.

** Primeira versão recebida em 26 abr. 2023. Este Informe OPEU não reflete, necessariamente, a opinião do OPEU, ou do INCT-INEU. Revisão e edição final: Tatiana Teixeira.

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