Esporte e vacina no debate político: o Partido Republicano, a Lei FREEBIRD e Novak Djokovic
(Arquivo) Novak Djokovic no US Open 2021 (Crédito: Andrew Ong/USTA)
Por Danilo Faustino e Tatiana Teixeira*
O mês de março no circuito masculino e feminino de tênis é o momento do ano em que os Estados Unidos sediam, pela primeira vez no calendário, dois dos principais torneios. Para a Association of Tennis Professionals (ATP) e a Women Tennis Association (WTA), a potência norte-americana tem grande importância nessa época, porque recebe os primeiros Masters 1000 e WTA 1000 Mandatory (segundo nível entre os torneios) do circuito. Na Califórnia, acontece o BPN Paribas Open, conhecido popularmente como Indian Wells. Já na Flórida, a cidade de Miami Gardens serve como espaço para a última parada dos jogadores antes da “gira europeia”.
Juntos, os Sunshine Doubles, como são conhecidos pelo público, oferecem aproximadamente US$ 17 milhões em prêmios e movimentam a economia local pelo turismo, hotelaria e alimentação. Ganhar em um desses dois torneios – o Indian Wells, muitas vezes chamado de “Quinto Slam” – significa prestígio, dinheiro e até mil pontos no ranking. Dessa forma, os tenistas de todo o mundo se esforçam para estarem presentes no evento. Até o período pós-pandemia não era necessário mais do que um visto para entrar no país. Este ano, com as políticas de migração de Biden exigindo a comprovação da vacinação contra a covid-19, ao menos um jogador do top 100 encontrou problemas para participar do evento e não compareceu.
Número 1 do mundo no início do evento de Indian Wells, Novak Djokovic se viu impedido de jogar em solo estadunidense, após ter o visto negado por sua resistência a se vacinar contra a covid. Em 2022, o jogador já havia sido proibido de participar de outros dois principais eventos nos Estados Unidos, sendo um deles o US Open, o último Grand Slam do ano e o torneio de tênis com o maior prêmio para o vencedor. Com o impedimento à entrada do sérvio no ano passado, alguns políticos do Partido Republicano, entre eles o texano Ted Cruz (R-TX), manifestaram-se, exigindo de Biden uma exceção e pressionando por mudanças na lei migratória. Com a repetição do fato, mais uma vez os republicanos utilizaram o caso para pressionar por mudanças e argumentar a favor de uma nova lei proposta pelo senador Mike Lee, de Utah (R-UT), para a liberação de vistos para não vacinados.
Política migratória de Biden no pós-vacina
Com o começo da vacinação no último trimestre de 2021 e com base em relatórios do US Centers for Disease Control and Prevention (CDC), o governo de Joe Biden formulou uma política migratória que proibia a entrada de não vacinados que não fossem cidadãos dos Estados Unidos, ou residentes no país. Para ser permitida a entrada em casos como o do tenista Novak Djokovic, seria necessário ter uma declaração de exceção expedida pelo CDC, ou ser considerada uma pessoa de interesse nacional pelo governo federal.
Somada a certas proibições quanto à vacinação e à visitação de espaços dentro do próprio território nacional, a decisão do governo democrata acabou recebendo críticas dos políticos republicanos desde o início de sua implementação. Durante os primeiros meses da pandemia, a visão dos republicanos não era de total descaso com a pandemia, mas a derrota de Trump abriu espaço para que os políticos proeminentes do partido voltassem seu olhar e discurso para os eleitores do ex-presidente. Os argumentos dos membros do Partido Republicano passaram, então, a se basear totalmente na liberdade de expressão e de crenças, enfatizando que a Constituição não permitia tais exigências de vacinação.
Durante o período que se seguiu à determinação de Biden, algumas casas legislativas estaduais, em alguns casos apoiadas pelos governadores, articulavam-se para estabelecer leis que fossem contrárias às exigências de vacinação. A definição do Título 14 pela legislação do Tennessee, apoiada pelo governador Bill Lee, é um dos exemplos dessa movimentação do partido. A lei proibia qualquer exigência de vacinação e uso de máscaras em escolas e espaços de trabalho que não fossem subordinados ao governo federal.
No dia 30 de janeiro, a Casa Branca declarou sua pretensão de encerrar a emergência nacional de covid-19 e a de saúde pública em 11 de maio. Na data, porém, alguns pontos referentes a vacinação, ajuda de saúde e liberações de viagens não foram explicitados junto ao comunicado. Nesse contexto – e lembrando que estamos em ano pré-eleitoral –, os republicanos, entre eles o senador Mike Lee e o governador da Flórida, Ron DeSantis, ainda pressionaram para uma mudança imediata e utilizam as limitações impostas pelo governo de Biden para impulsionar suas agendas políticas, como no caso da Lei FREEBIRD.
Com o título de Fair Removal of Existing and Enforced Bans on Immunization Relating to Destination Act (“Lei de Remoção Justa das Proibições Existentes e Aplicadas de Imunização Relacionadas com Destino”, em tradução livre), também conhecida como FREEBIRD (“Pássaro Livre”, em tradução literal, para representar a liberdade dos viajantes), a proposta de lei foi uma tentativa dos republicanos de conquistar capital político. Em seu texto, o projeto exigia o fim imediato das restrições de viagem e teve como argumento que o país não podia esperar até o dia 11 de maio.
Argumento narrativo: o Partido Republicano e Novak Djokovic
No auge da pandemia, o tenista sérvio Novak Djokovic, um dos maiores nomes da história do esporte, envolveu-se em duas grandes polêmicas. A primeira foi sobre sua participação no Adria Tour (2020), evento de tênis proposto por ele que passaria pela Sérvia, pela Croácia e por outros dois países do Leste Europeu. O campeonato acabou sendo interrompido depois da etapa da Croácia, porque alguns jogadores, entre eles o próprio Djokovic e sua esposa, contraíram o vírus. A segunda controvérsia diz respeito ao posicionamento do jogador de dizer que não iria se vacinar, a sua participação em lives de coaches contrários à vacina e ao fato de Jelena, sua mulher, ter compartilhado um vídeo conspiracionista e negacionista.
O jogador teve um amplo espaço na imprensa em 2022, após ser deportado da Austrália em janeiro por ter entrado no país sem se enquadrar nos requisitos de vacinação, usando um atestado médico para justificar sua não vacinação. Foi apenas no segundo semestre do ano, porém, que a situação do tenista se tornou uma questão estadunidense, às vésperas do último grande torneio, o US Open. Segundo as normas de migração vigentes, o sérvio não teria autorização para pisar nos Estados Unidos, a menos que Biden abrisse uma exceção para o jogador.
À época, o caso mobilizou alguns políticos do Partido Republicano. Rand Paul, do Kentucky (R-KY), que se preparava para concorrer à reeleição ao Senado, usou sua plataforma política para capitalizar o acontecimento. Paul colocou o alto fluxo de imigrantes não documentados na fronteira com o México, um dos principais tópicos de sua agenda política, como mais preocupante para a saúde pública do que a entrada do tenista. A representante Claudia Tenney (R-NY), apoiadora de Trump, foi uma das figuras do partido que se pronunciaram. No período, Claudia ainda estava em seu segundo ano de legislatura e aproveitou a oportunidade para reforçar sua posição contrária à exigência de vacinação, pedindo a exceção a Biden, diante do alto rendimento do atleta.
Em 2023, porém, o caso ganhou uma outra faceta com a não participação de Djokovic nos dois primeiros torneios estadunidenses. O acontecimento foi visto como oportuno para basear uma nova proposta de lei e atacar as políticas de Biden, usando as próprias palavras do presidente como argumento. Para Ron DeSantis, o contexto serviu como suporte para sua possível campanha presidencial.
Em uma carta endereçada ao presidente, os senadores republicanos Rick Scott e Marco Rubio, ambos pela Flórida (R-FL), pediram uma exceção para a entrada de Djokovic em março, usando como base a fala de Biden no programa 60 Minutes, da CBS News. Na entrevista em questão, o presidente diz que o país ainda enfrentava “uma questão” com o vírus, mas que a pandemia “já havia acabado”. Como elemento intensificador desse antagonismo, lembramos que os dois senadores têm um histórico de rivalidade com o líder do Executivo. Scott e Biden, inclusive, já trocaram ofensas no passado.
Biden: ‘The pandemic is over’
Analisando essa dualidade entre as partes envolvidas, a posição de Scott, que concorrerá à reeleição, mostra uma tentativa de reforçar, junto ao seu eleitorado, que ele apoia uma visão completamente oposta à de Biden, além de indicar as contradições do presidente. Para a corrida à reeleição do Senado, Rick Scott se baseia em um plano mais conservador, o que ajuda a entender seus motivos por trás da carta em conjunto e do apoio à lei proposta por Mike Lee.
Ainda na chave eleitoral, Ron DeSantis, um dos nomes mais cotados para concorrer às primárias presidenciais do Partido Republicano para 2024, também se manifestou, pedindo ao presidente que concedesse uma exceção ao jogador. DeSantis, atual governador do estado da Flórida, foi um dos primeiros a aplicarem uma medida executiva que revogou a determinação do governo federal quanto aos protocolos de obrigatoriedade de uso de máscaras e à exigência de vacinação em escolas e no ambiente de trabalho.
Fazendo movimentos políticos para marcar de maneira enfática sua distância “ideológica” de Biden, a posição do político sobre Djokovic segue alinhada com suas falas mais recentes, no sentido de colocar a Flórida como um estado que luta pela liberdade, conforme discurso no State of the State. Além disso, DeSantis vem pressionando a casa legislativa estadual para tornar permanente todo banimento de exigência de vacinação e de políticas relacionadas com a covid-19.
(Arquivo) DeSantis em evento em Tampa, Flórida, em 22 jul. 2023 (Crédito: Gage Skidmore/Flickr)
Em uma culminação desses movimentos desde o início da pandemia, os senadores republicanos Mike Lee, Rick Scott e Marco Rubio aproveitaram a situação envolvendo Novak Djokovic para alavancar a Lei FREEBIRD. A proposta, que tinha como uma de suas justificativas a fala de Biden sobre a pandemia já estar encerrada, visava a sobrepor as recomendações do CDC em relação às limitações de entrada de cidadãos não vacinados. A capitalização em cima da imagem do jogador sérvio marcou a apresentação da proposta para o público e foi acompanhada de uma carta endereçada a Biden. A proposta era uma tentativa do Partido Republicano de forçar uma disputa legislativa com Biden e disputar narrativas, no momento em que os partidos começam a direcionar sua atenção para as primárias e eleições do ano que vem.
Observando o desenrolar dos acontecimentos, podemos notar a força da criação de uma narrativa a partir de um campo cultural como o esporte, sem que sua motivação política esteja, necessariamente, explícita. Os pedidos de exceção foram baseados na justificativa de interesse nacional, motivação contra a ciência e usando como argumentos falas do próprio Joe Biden. Na ponta do iceberg, parecem apenas se adequar a uma questão cotidiana ou social imediata, mas resultam em uma trilha de pressões políticas e tentativas de desacreditar o governo.
* Danilo Faustino é pesquisador bolsista de Iniciação Científica do OPEU (INCT-INEU/PIBIC-CNPq) e graduando em Relações Internacionais do Instituto de Relações Internacionais e Defesa (IRID/UFRJ). Pesquisa cultura e cinema. Contato: danilo.faustino@ufrj.br.
Tatiana Teixeira é editora do OPEU e professora colaboradora do Instituto de Relações Internacionais e Defesa (IRID/UFRJ).
** Primeira versão recebida em 10 abr. 2023. Este Informe OPEU não reflete, necessariamente, a opinião do OPEU, ou do INCT-INEU.
*** Primeira revisão: Simone Gondim, jornalista formada pela Universidade Federal Fluminense (UFF), com mais de 20 anos de experiência profissional, entre redações, assessoria de imprensa e produção de conteúdo para Internet e redes sociais. Contato: simone.gondim.jornalista@gmail.com. Segunda revisão e edição final: Tatiana Teixeira.
**** Sobre o OPEU, ou para contribuir com artigos, entrar em contato com a editora do OPEU, Tatiana Teixeira, no e-mail: tatianat19@hotmail.com. Sobre as nossas newsletters, para atendimento à imprensa, ou outros assuntos, entrar em contato com Tatiana Carlotti, no e-mail: tcarlotti@gmail.com.
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