Eleições

As Midterms ocultas: referendos, plebiscitos e outras ferramentas de democracia direta

Crédito: Dreamstime

Série Estados Americanos nas Midterms de 2022

Por Lucas Amorim e Augusto Scapini*

Ao contrário da Constituição americana, que não inclui mecanismos de democracia direta, as constituições dos diversos estados dos Estados Unidos preveem uma série de possibilidades de participação popular. Dos 50 estados, 49 exigem que qualquer emenda constitucional deve ser obrigatoriamente submetida ao crivo dos eleitores para que entre em vigor, sendo o estado de Delaware a única exceção. Além dos plebiscitos constitucionais, leis podem ser propostas por iniciativa popular, questionadas em referendos após serem aprovadas pelos legislativos estaduais, ou até mesmo referendos periódicos serem previstos automaticamente para verificar se os eleitores desejam rejeitar a atual constituição estadual e escrever uma completamente nova.

O clima político nos Estados Unidos e a emergência de temas como a legalização da maconha, a restrição imposta pela Suprema Corte aos direitos reprodutivos das mulheres e outras questões, como os direitos LGBTQIA+ e a superação do racismo, colocaram nas urnas temas importantes para a apreciação dos eleitores neste ano. Sintetizamos algumas das principais consultas ao eleitorado americano realizadas de forma simultânea à eleição de meio de mandato de 2022.

Revogação de Provisões Escravocratas e Racistas

Após o fim da Guerra Civil americana, o Congresso e as assembleias legislativas estaduais passaram a 13ª emenda à Constituição americana, que aboliu o instituto da escravidão, denominado no texto constitucional como “servidão involuntária”, em todo território nacional. A emenda tinha uma exceção: quando a condição da escravidão era imposta como punição a um crime. A provisão, que é encontrada em termos semelhantes em muitas constituições estaduais, tem sido vista como um resquício racista do passado escravocrata do país e, por isso, cinco estados consultaram suas populações acerca da revogação desse tipo de provisão das respectivas constituições estaduais.

No Oregon e no Tennessee, referendos buscaram eliminar do texto constitucional a possibilidade de que a escravidão, ou a servidão involuntária, sejam impostas aos condenados por crimes em suas respectivas jurisdições. Enquanto no Tennessee a emenda foi apoiada por uma maioria bastante folgada de 79,5%, no Oregon, a maioria foi bem mais apertada, com apenas 55% dos votantes apoiando a proposta.

Em Vermont, os cidadãos foram consultados acerca de uma pergunta levemente diferente. Apesar de não prever a escravidão como punição, a Constituição do estado permitia formas de escravidão por contrato para maiores de 21 anos em caso de dívidas, se previsto pela legislação estadual, ou com o consentimento do escravizado. A cláusula esdrúxula já não tinha aplicação desde a entrada em vigor da 13ª emenda, porém ainda se encontrava no texto da Constituição estadual. Impressionantes 81% dos eleitores apoiaram sua revogação.

A reforma foi mais acentuada no Alabama, estado do Sul Profundo dos Estados Unidos, considerado um dos mais retrógrados na questão racial. A proposta promulga uma nova Constituição estadual revisada para extirpar todas as provisões racistas que, apesar de inoperantes por serem consideradas inconstitucionais pela Suprema Corte federal, ainda constavam no texto constitucional. Exemplos desses dispositivos são a previsão da instituição da escravidão como punição no direito criminal, a proibição de casamentos interraciais e a existência de uma poll tax, um imposto que originalmente buscava reduzir o acesso dos negros ao direito ao voto. A nova constituição foi aprovada com 77% dos votos e apoio bipartidário.

Uma surpreendente exceção ocorreu na Louisiana, onde a emenda que pretendia revogar a possibilidade de servidão involuntária como punição criminal foi rejeitada pelos eleitores por uma margem de 61% dos votos. O representante (deputado) estadual Edmond Jordan, um democrata de Baton Rouge, disse à rede CNN que inicialmente havia apoiado a proposta, mas passou a se opor a ela quando viu que sua redação abria margem para contestação judicial. O texto ambíguo constava na cédula eleitoral: “Você apoia uma emenda para proibir o uso de servidão involuntária, exceto no que se aplica à administração legal da Justiça criminal?”. Juristas afirmam que a ambiguidade poderia fazer a emenda ter o efeito oposto ao apresentado aos eleitores, constitucionalizando a escravidão penal.

Descriminalização e Legalização do Uso de Drogas

Se a Califórnia foi o primeiro estado a descriminalizar o uso medicinal da cannabis, os primeiros a legalizar e a regular o consumo recreativo de maconha foram Colorado e Washington, em 2012, por iniciativas propostas diretamente pelos eleitores. Desde então, diversos estados têm descriminalizado, ou legalizado, o uso terapêutico, ou não, desta e de outras drogas por meio de iniciativas populares, como referendos. Essa onda decorre da percepção do público de que a Guerra às Drogas foi (e continua sendo) uma política falha de combate ao tráfico de drogas e a outros crimes a ele correlatos, em detrimento, por exemplo, de uma abordagem que considere aspectos socioeconômicos e sanitários. A nova percepção também já provocou mudanças nas políticas executivas do governo de Joe Biden, materializadas na recente decisão do atual presidente de oferecer perdões presidenciais a milhares de presos condenados pelo crime federal de posse desta droga.

Portanto, cinco estados consultaram suas populações a respeito da legalização da maconha. Em três deles, Arkansas e nas Dakotas do Norte e do Sul, o eleitorado não consentiu com a legalização. As votações foram rejeitadas por 56%, 55% e 52% dos votos, respectivamente. Já Maryland e Missouri passaram com sucesso medidas para permitir o uso recreativo da planta por adultos, por margens de 67% e 53%. Com a adição de mais dois estados, o status legal da substância nos EUA por jurisdição se encontra conforme o seguinte mapa.

 

Legalidade da cannabis nos Estados Unidos

Fonte: Wikimedia Commons.

Em azul = Legal para uso recreativo

Em verde = Legal para uso medicinal

Em cinza = Ilegal

D = Descriminalizado

Nota: O mapa reflete apenas legislação estadual, mesmo aquelas que ainda não entraram em vigor.

 

O Colorado, estado que foi pioneiro na legalização do consumo de cannabis, submeteu à apreciação de seus eleitores a Proposição 122. A medida prevê a descriminalização do uso de algumas plantas e fungos psicodélicos e a criação de um programa estadual público para a administração medicinal dessas substâncias. A proposta não prevê seu uso recreativo, nem sua comercialização livre de forma similar à da maconha. A Lei da Medicina Natural foi aprovada por 54% contra 46%.

Direitos Reprodutivos das Mulheres e Acesso ao Aborto

Após o caso Dobbs v. Jackson Women’s Health Organization, que suplantou o precedente de Roe v. Wade de garantia dos direitos reprodutivos das mulheres, foi proposta uma série de referendos abordando o assunto, especialmente o acesso ao aborto. O primeiro deles ocorreu no Kansas, um estado considerado conservador e que, portanto, esperava-se favorável à proibição da interrupção da gravidez. A proposta republicana que proibia que qualquer provisão da Constituição estadual fosse interpretada como garantindo o direito do aborto foi, no entanto, rejeitada pelo eleitorado, com a expressiva margem de 59%. A medida foi uma tentativa de suplantar o caso Hodes & Nauser v. Schmidt da Suprema Corte estadual que interpretou a Declaração de Direitos do Kansas como garantindo às mulheres o direito de abortar.

O governo republicano do estado do Kentucky também tentou, sem sucesso, aprovar uma medida de teor parecido com o objetivo de proibir o aborto no estado, mas também foi frustrada por uma maioria de 52% dos votantes se opondo à sua entrada em vigor.

No estado de Montana, onde o aborto é legalizado, uma medida buscava exigir que médicos prestassem cuidados a bebês nascidos vivos, inclusive em caso de tentativa de aborto. Profissionais de saúde afirmam que, em caso de doenças incuráveis, a tentativa infrutífera de tratamento poderia privar os pais do pouco tempo disponível com os recém-nascidos. A oposição de 52% do eleitorado foi interpretada como uma reação às tentativas governamentais de interferir nas decisões individuais ligadas à saúde.

Em três estados, propostas buscavam garantir aos seus cidadãos e residentes direitos acerca de sua reprodução e contracepção. A Proposta 1 da Califórnia, aprovada por 67% dos votos no referendo, inclui na Constituição estadual o direito fundamental à escolha sobre o aborto e também de utilizar, ou recusar, o uso de contraceptivos. Opositores criticaram o texto apresentado por compreenderem que ele poderia ser interpretado para permitir abortos tardios até a véspera do nascimento e afirmam que continuarão a lutar pela restrição dessa prática, apesar da sua aprovação. Juristas afirmam que as leis vigentes que proíbem abortos tardios não têm a vigência afetada pela aprovação do referendo. Medidas de teor semelhante também foram aprovadas no Michigan e em Vermont por margens de, respectivamente, 56,7% e 76,7%.

Provisões Eleitorais e Acesso ao Voto

As legislações eleitorais sempre foram palco de disputas entre os dois principais partidos políticos dos Estados Unidos, o Republicano e o Democrata, e as eleições de 2020 intensificaram ainda mais esses debates. Nelas, o ex-presidente republicano Donald Trump e seus correligionários alegaram o uso de fraude eleitoral e abuso das legislações para favorecer os adversários democratas. Nota-se que esta narrativa é, ainda hoje, defendida por grande parte dos políticos e eleitores conservadores. Não é de admirar, portanto, que as revisões das legislações eleitorais vigentes estejam em discussão nos referendos de diversos estados.

A começar pelo Alabama, sua população foi consultada sobre a ratificação de uma emenda à Constituição estadual que busca estabelecer um prazo para mudanças na legislação eleitoral. A chamada Emenda 4 exige que modificações às leis referentes à condução de eleições no estado somente poderão ser implementadas pelo menos seis meses antes da data de sua realização. O projeto havia sido alvo de críticas por parte dos representantes democratas quando foi aprovado pela Câmara estadual, em abril de 2021. Assim, a emenda obteve o mesmo sucesso nas eleições gerais de 2022, retendo 79,96% dos votos a favor de sua aprovação.

Já no estado de Arizona, a proposição de número 309 foi derrotada, com 50,38% dos votos indo contra sua ratificação. Esse projeto de estatuto exigiria mais requerimentos para a identificação dos cidadãos no processo eleitoral, como o fornecimento da data de nascimento e do número de registro eleitoral para o envio do voto por correio e a obrigatoriedade da apresentação de documento com foto no voto presencial. Em contraste, o eleitorado do estado de Nebraska concordou com essa mesma obrigatoriedade ao aprovar, com 65,6% dos votos, a Iniciativa 432, uma emenda constitucional inicial que permitiria a ratificação de leis que exigem que os documentos com foto sejam apresentados durante a realização do sufrágio.

A exigência de identificação com documentos e pré-registro para votar, algo corriqueiro para os eleitores brasileiros, representa uma dificuldade extra para o acesso ao voto para camadas marginalizadas e minoritárias nos EUA. O registro eleitoral e a emissão de documentos não são gratuitos e, geralmente, não podem ser realizados pela Internet como no Brasil. Obstáculos como esses são utilizados para suprimir a participação de grupos demográficos específicos, como os negros, latinos e imigrantes não documentados, que tendem a votar para candidatos do Partido Democrata.

Em Connecticut, onde a base eleitoral é majoritariamente democrata, a Questão 1 foi incluída nas cédulas eleitorais para consultar a população sobre uma emenda constitucional que permitiria o voto antecipado no estado. A medida obteve 60,21% dos votos em seu apoio. Da mesma forma, a Questão 3, proposta de emenda no estado de Nevada, também foi bem-sucedida, aprovando, com 52,94% dos votos, medidas que estabelecem uma votação por ranking e a passagem de cinco candidatos, independentemente da filiação partidária, das eleições primárias para as gerais. Esse projeto será revisitado em 2024 e, se aprovado, entrará em vigor somente a partir de 2026, de acordo com o portal de notícias Nevada Current. Outra emenda constitucional que buscou ampliar os direitos eleitorais foi aprovada no Michigan, com mais de 60% dos votos. A Proposta 2 implementou algumas medidas que facilitam o exercício do voto, como a possibilidade de voto antecipado e a definição de regras para a certificação dos resultados, a fim de evitar a repetição do fiasco de 2020.

People wait in line to vote at a polling placeEleitores esperam na fila para votar (Crédito: Freepik/rawpixel.com – stock.adobe.com)

Dois estados promoveram referendos sobre emendas constitucionais que promovem restrições à participação de não cidadãos nas eleições. Este grupo, que inclui imigrantes não naturalizados, ou não documentados, e residentes não nativos possuintes de vistos, é proibido de votar em eleições federais, em concordância com uma lei de 1996. A regulação para as eleições locais e estaduais fica, no entanto, à critério de cada unidade federativa, sendo que são poucos os distritos e municípios que permitem a participação dos não cidadãos no exercício do sufrágio, dependendo do tempo de residência, da intenção de permanência, entre outros critérios. Em Ohio, que, até 2018, abrigava em torno de 262 mil imigrantes não naturalizados, 77,1% dos votantes responderam “sim” à Issue 2, que perguntava se a população concorda com a proibição dos não cidadãos de votarem em eleições locais.

Enquanto isso, em Louisiana, uma medida similar será colocada em deliberação nas urnas no dia 10 de dezembro. Os louisianos deverão decidir se apoiam, ou não, uma emenda constitucional que nega a capacidade dos 117 mil não cidadãos de se registrarem como eleitores e, logo, de votarem nas eleições estaduais. Considerando-se que esse projeto foi proposto pelo representante estadual Debbie Villio e apoiado pelo secretário de Estado de Louisiana, Kyle Ardoin, ambos do Partido Republicano, que representa a grande base eleitoral local, é muito provável que seja aprovado. A inclusão dessas restrições no corpo constitucional de ambos os estados significa, na prática, que os imigrantes, mesmo os que residem há anos no país, terão cada vez mais dificuldades de usufruir do direito à representação política.

Cidadania e Direitos Individuais

Assuntos referentes aos direitos individuais dos cidadãos também entraram em discussão nas urnas durante as eleições de meio de mandato. O estado de Massachusetts realizou um referendo de veto que consultou se o eleitorado concordava com a permanência da Lei H.4805. Essa legislação permite que pessoas com status de imigração, ou cidadania, não verificados pudessem apresentar outros documentos na retirada da carteira de habilitação, ou do registro de automóvel. Mais da metade (53,69%) dos eleitores favoreceu a permanência da lei, que havia sido criticada por políticos republicanos por, supostamente, “recompensar” pessoas que entraram no país de forma irregular. Em Nevada, a Questão 1 consultou a população sobre a aprovação da chamada Emenda de Direitos Igualitários, que buscava incluir no texto constitucional estadual artigos que proíbem a negação de direitos aos indivíduos com base em suas orientações sexuais, identidades de gênero, raças, entre outras categorias de vulnerabilidade social. Considerada uma das emendas constitucionais mais progressistas, segundo ativistas, 58,63% dos eleitores de Nevada votaram a favor de sua ratificação.

No Arkansas, porém, a Issue 3, proposta de emenda constitucional, não foi tão bem-sucedida. No estado, 50,43% dos eleitores se opuseram à chamada Emenda da Liberdade Religiosa, que procurava garantir que o governo não interferisse nesse direito, mesmo que fosse resultado de uma regra de aplicação geral, exceto em casos de “convincente necessidade”. Apesar de ter sido proposta por dois legisladores republicanos (partido favorecido pela população do estado), reportagens locais identificaram um receio de muitos eleitores, incluindo os mais conservadores, em apoiar o projeto, devido à sua linguagem ambígua. Ainda sobre as questões religiosas, nos referendos do Tennessee, 63,2% dos votos apoiaram a Emenda 4, que busca remover da Constituição estadual os artigos que desqualificam clérigos religiosos de serem eleitos para a Assembleia Legislativa estadual. Vale notar que essa proibição já havia sido revogada pela Suprema Corte dos Estados Unidos em 1978, por voto unânime.

Garantia do Acesso à Saúde

Na ausência de um sistema de saúde público, como o Sistema Único de Saúde (SUS) do Brasil, apenas alguns programas federais e estaduais garantem acesso a cuidados médicos para a população carente, como o Medicaid. Na Dakota do Sul, os eleitores aprovaram uma emenda à Constituição estadual que expande o acesso ao programa para pessoas que têm renda inferior a 138% da linha de pobreza estabelecida pelo governo federal. Anteriormente, apenas aqueles que eram reconhecidos como pobres de acordo com o critério federal tinham acesso ao subsídio. A medida tem o potencial de garantir o ingresso de mais de 40 mil pessoas ao programa. Já o Oregon aprovou a Medida 111 que constitucionaliza o direito fundamental ao acesso a serviços de saúde com boa relação custo-benefício, clinicamente apropriados e com valores acessíveis.

Relaxamento ou Restrição à Posse e ao Porte de Armas de Fogo

A Segunda Emenda à Constituição Americana garante aos cidadãos o direito de “manter e portar armas”. O que isso significa na prática tem sido alvo de disputa permanente na sociedade daquele país. De um lado, os armamentistas defendem que o direito é absoluto. Do outro, defensores do controle do armamento entendem que a emenda deve ser interpretada, tendo em vista o texto que a antecede que diz que seu objetivo é “manter uma milícia bem regulada”, o que favorece a possibilidade de regulamentação desse direito pelos governos federal e estaduais.

Enquanto uma interpretação abrangente e definitiva não é alcançada pela Suprema Corte, os estados buscam, por meio de emendas às suas Constituições, impor sua própria visão acerca da questão. O estado de Iowa, por exemplo, propôs uma emenda que reconhece o direito da população de se armar. Segundo o texto da proposta, “Toda e qualquer restrição a este direito estará sujeita a escrutínio rigoroso”. Caberá às cortes estaduais interpretar no que consiste um “escrutínio rigoroso”. Os eleitores do estado votaram 65% a favor da emenda, e 35%, contra.

Já a medida que foi aprovada no Oregon por uma estreitíssima margem de 50,7% vai no sentido contrário de limitar a posse e o porte de armas de fogo. Os cidadãos e residentes do estado do noroeste dos Estados Unidos que quiserem adquirir uma arma de fogo passam a ter de solicitar uma licença à polícia local e devem comparecer a cursos de segurança no seu manuseio. Além disso, a venda de carregadores com capacidade superior a dez cartuchos foi completamente proibida no estado, e brechas na legislação federal que permitem a venda de armas sem verificação de antecedentes foram encerradas. São previstos questionamentos, por via judicial, da legalidade e da constitucionalidade desta emenda, principalmente, por parte da população rural do estado, estimada em 35% da população total pelas autoridades estaduais.

Medidas Relacionadas a Direitos Trabalhistas

Os direitos trabalhistas também estiveram presentes nos plebiscitos e referendos estaduais, que trouxeram questões de grande relevância, especialmente quando é considerado o atual momento vivido pelos Estados Unidos de aumento recorde nas taxas de emprego.

Em Illinois, a Emenda 1 buscou codificar, constitucionalmente, os direitos dos trabalhadores de se organizarem em sindicatos e fazerem negociações coletivas, além de proteger trabalhadores sindicalizados de discriminação pelos patrões. Apesar de ter sido criticado pelo think tank conservador Illinois Policy Institute, que chamou atenção para um possível aumento de impostos resultante do fortalecimento do poder de barganha dos chefes de sindicatos, o projeto angariou, nas eleições gerais, 58% dos votos a seu favor.

De maneira similar, com a Emenda 1, o eleitorado do Tennessee foi consultado sobre se apoiava a incorporação de uma seção na Constituição estadual dedicada à proibição da exigência de filiação sindical como requisito contratual. Essa questão mobiliza um grande debate relativo às regras trabalhistas do país, pois as chamadas leis de right to work (direito ao trabalho, em tradução literal), que, em tese, permitem a escolha de adesão ou não dos trabalhadores a um sindicato, variam de estado para estado. A central sindical AFL-CIO afirma que essas regras enfraquecem a possibilidade de organização dos trabalhadores, que podem sofrer discriminação, ou pressão, por se afiliarem a algum movimento sindical. Já os defensores desse tipo de lei argumentam que a obrigatoriedade de filiação gera custos e impacta negativamente a economia como um todo. Dessa maneira, cerca de 70% dos eleitores do estado apoiaram a ratificação da emenda durante o referendo.

Apenas dois estados incluíram nas urnas perguntas sobre o futuro aumento salarial por hora. Enquanto em Nebraska a Iniciativa 433 questionava a população sobre um acréscimo ao salário mínimo, de US$ 9 para US$ 15 até 2026, a Questão 2 de Nevada buscava incluir o aumento de US$ 10,50 para US$ 12 em uma emenda constitucional que entraria em vigor até julho de 2024. Ambos os projetos foram aprovados, com 58,64% e 55,18% dos votos, respectivamente. De maneira geral, os grupos sociais mais conservadores defendem que esses aumentos geram altas inflacionárias e acarretam demissões em massa no longo prazo. Por isso, argumentam, os ajustes salariais deveriam ser determinados pelo fluxo de livre-mercado.

Washington, D.C. realizou um plebiscito acerca do aumento salarial somente para pessoas que trabalham à base de gorjetas, como garçons, motoristas de táxi, cabeleireiros e manicures. A Iniciativa 82 procurou estabelecer, até 2027, um mínimo de US$ 16,10 por hora (o mesmo que recebem os trabalhadores de renda fixa) para aqueles que dependem de gorjetas, sendo o valor atual de US$ 5,35. Um projeto similar que buscava eliminar essa diferença salarial havia sido aprovado em um referendo de 2018, com a Iniciativa 77, mas foi rejeitado pelo Conselho do Distrito de Colúmbia, órgão legislativo unicameral. A Iniciativa alcançou em torno de 74% dos votos a favor de sua aprovação.

Balanço dos referendos

O federalismo americano permite que populações dos diversos estados escolham soluções políticas locais para grandes questões. Assim como o resultado das eleições para cargos executivos e legislativos de novembro de 2022, a variedade do resultado dos referendos, mesmo em consultas com teor semelhante, é mais um indício da divisão dessa sociedade. Algumas medidas progressistas obtiveram sucesso, como o avanço dos direitos das mulheres e pessoas LGBTQIA+, a exclusão de provisões legais racistas, a descriminalização do uso de drogas e os avanços nos direitos dos trabalhadores. No entanto, a agenda reacionária associada ao Partido Republicano, como restrições à participação eleitoral, acesso a armamento e restrições à organização dos trabalhadores também obtiveram tração, principalmente em estados com população rural mais significativa.

Alguns resultados negativos oferecem, no entanto, alguma esperança para causas progressistas mesmo em estados que tradicionalmente têm população mais alinhada às causas da direita. Mesmo nos conservadores Arkansas, Dakotas do Norte e do Sul, parcelas superiores a 40% e, em alguns casos, 45% do eleitorado apoiaram medidas que, se comparadas com o eleitorado brasileiro, contariam com muito menor apoio popular, como a legalização da cannabis. A grande surpresa foi, no entanto, o apoio a medidas que garantam a autonomia reprodutiva, principalmente das mulheres, mesmo em estados conservadores como Kansas, Kentucky e Montana. A impopularidade da anulação do caso Roe v. Wade pode ter sido determinante não apenas para a rejeição de medidas restritivas e a aprovação de medidas que ampliam o acesso à contracepção e ao aborto, mas também da manutenção da maioria democrata no Senado, que pode inclusive ser ampliada se o senador democrata da Geórgia for reeleito, assim como a obtenção de resultados melhores que o esperado na eleição da Câmara de Representantes.

 

Lucas Silva Amorim é pesquisador do OPEU e doutorando pelo Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (IRI-USP). Contato: amorimlucas@usp.br.

Augusto Scapini é pesquisador bolsista de Iniciação Científica do OPEU (INCT-INEU/PIBIC-CNPq) e graduando em Relações Internacionais do Instituto de Relações Internacionais e Defesa (IRID/UFRJ). Contato: augusto.scapini@ufrj.br.

** Revisão e edição final: Tatiana Teixeira. 1ª versão recebida em 30 nov. 2022. Esta entrevista não reflete, necessariamente, a opinião do OPEU, ou do INCT-INEU.

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