Internacional

Expulsão violenta de haitianos gera mais uma crise humanitária na fronteira durante governo Biden

Agentes da Patrulha de Fronteira perseguem imigrantes haitianos após cruzarem o rio Grande, saindo de Ciudad Acuña, no México, para Del Rio, no Texas, em 19 set. 2021 (Crédito: Felix Marquez/AP)

Por Diana Obermuller*

A partir de 16 de setembro, cerca de 15 mil migrantes, haitianos em sua maioria, acamparam debaixo da ponte de Del Rio, no estado do Texas, na fronteira entre Estados Unidos e México. A chegada em números altos em poucos dias configurou mais uma crise na fronteira durante o governo de Joe Biden, em meio ao ano com os maiores números de tentativas de entrada nos EUA. No dia 19, quando se deu início ao plano de deportação, começaram a circular imagens e vídeos de agentes a cavalo agarrando, perseguindo e utilizando as rédeas para atingir os migrantes.

Boa parte desses haitianos é procedente de países sul-americanos, como Chile e Brasil, para onde migraram após o terremoto de 2010. A crise econômica da pandemia da covid-19 e a eliminação de vistos de trabalho temporários no Chile estão entre os fatores que motivaram a nova tentativa de migração. Além disso, os Estados Unidos haviam designado o Haiti para o Status de Proteção Temporária, permitindo que haitianos residentes nos EUA se candidatassem para o visto especial. Apesar de ser restrita para quem já estava no país, a medida pode ter sido vista como uma oportunidade para migrar.

A operação de deportação

No dia 18, o Departamento de Segurança Interna dos Estados Unidos (DHS, na sigla em inglês) anunciou o plano para lidar com a crise na fronteira. As estratégias incluíam enviar mais agentes e oficiais para Del Rio, mandar parte dos migrantes para outros locais de processamento, assim como acelerar e aumentar a capacidade dos voos de deportação. Apenas do dia 17 até o dia 19, cerca de 3.300 migrantes foram retirados de Del Rio. Ao longo da semana, o objetivo era processar “rapidamente” 12.662 pessoas, de acordo com o chefe da Patrulha de Fronteira, Raul Ortiz.

Entre os dias 19 e 20, centenas de migrantes por dia chegaram a Porto Príncipe, capital do Haiti. O plano era aumentar o fluxo para sete voos e cerca de 1.000 pessoas por dia. De acordo com a Organização Internacional para as Migrações (OIM), um total de 1.424 pessoas desembarcou em 12 voos até o dia 24. Mais de 170 eram crianças, das quais ao menos 41 tinham dupla cidadania (30 chilenas, 9 brasileiras e 2 venezuelanas).

Grande parte das deportações foi justificada pela política Title 42 (“Título). Originalmente retomada pelo então presidente Donald Trump, a lei permite que os agentes recusem e expulsem imigrantes, sem a possibilidade de solicitação de asilo. O presidente Biden havia prometido revogar a política, que foi, na verdade, renovada em seu governo. No dia 16, o juiz federal Emmet Sullivan bloqueou o uso da Title 42 para a expulsão de migrantes. Como a ordem seria efetiva somente dentro de 14 dias, não impediu as deportações durante a última semana.

Violações de direitos humanos na fronteira

Já no dia 19, foram difundidas imagens de agentes da fronteira perseguindo os migrantes, que tentavam retornar ao acampamento em Del Rio após terem ido para o lado mexicano. Muitos carregavam comida que trouxeram do México, e a circulação entre os dois lados da fronteira era comum. Quando eles estavam tentando retornar, os agentes usaram seus cavalos para impedir que passassem para o lado americano. Para isso, também agarraram e utilizaram as rédeas para atingir os migrantes.

IMAGENS FORTES: Agentes da Patrulha de Fronteira persegue imigrantes haitianos, no limite entre EUA e México (Fonte: AJ+)

No dia seguinte, o DHS anunciou uma investigação sobre o abuso contra os migrantes. O Escritório de Responsabilidade Profissional do Departamento conduzirá a investigação e enviou funcionários para fiscalizar os agentes em Del Rio. Além disso, o DHS suspendeu o uso de cavalos por parte dos agentes na cidade e retirou os agentes envolvidos do campo. No dia 21, a vice-presidente Kamala Harris e o secretário do DHS, Alejandro Mayorkas, fizeram um pronunciamento sobre a crise na fronteira. Ambos disseram estar “horrorizados” com as imagens.

Após o início das deportações, o enviado especial dos EUA para o Haiti, Daniel Foote, renunciou ao cargo no dia 22. Em sua carta, afirmou que não queria ser associado à “decisão desumana e contraproducente de deportar milhares de refugiados haitianos” de volta ao país. Foote também mencionou que suas recomendações foram “ignoradas, quando não editadas, para projetar uma narrativa diferente da minha”. Por fim, ressaltou que o Haiti não é capaz de absorver os migrantes deportados, tendo em vista a crise política e os problemas humanitários após o terremoto.

O ‘fim’ da crise

Até então em silêncio, o presidente Biden finalmente se pronunciou no dia 24. Biden afirmou que o comportamento dos agentes na fronteira foi “ultrajante” e prometeu que “essas pessoas vão pagar. Há uma investigação em andamento, e haverá consequências”. De acordo com um líder sindicalista, os agentes da Patrulha de Fronteira se sentiram “traídos” por Biden em seu discurso.

No mesmo dia, Mayorkas comunicou que não havia mais migrantes haitianos no acampamento em Del Rio. Sob a política Title 42, cerca de 2.000 migrantes foram deportados para o Haiti, e ao menos 8.000 voltaram para o México. Ainda assim, esta provavelmente não será a última crise na fronteira enfrentada pelo governo Biden. Em julho deste ano, as autoridades pararam migrantes mais de 212.000 vezes, o maior número em mais de duas décadas.

Além do recorde da entrada de migrantes no país em 2021, Biden enfrenta pressões da sociedade e de seu próprio partido para reformar a política migratória. No dia 22, em torno de 200 haitiano-americanos fecharam uma movimentada via pública em Miami durante um protesto contra as violações de direitos humanos na fronteira. Ao mesmo tempo, Biden lida com a decepção democrata, com muitos da base eleitoral da legenda afirmando que o presidente falhou em não cumprir suas promessas de campanha sobre migração. Para essas pessoas, a crise da última semana foi um golpe forte na esperança por uma política migratória mais humanitária.

 

* Diana Obermuller é pesquisadora júnior do OPEU, bolsista de Iniciação Científica do INCT-INEU/PIBIC-CNPq e graduanda em Relações Internacionais do Instituto de Relações Internacionais e Defesa (IRID/UFRJ). Contato: dianaobermuller@gmail.com.

** Recebido em 29 set. 2021 e publicado com revisão e supervisão da editora do Opeu e professora colaboradora do IRID/UFRJ, Tatiana Teixeira. Este Informe não reflete, necessariamente, a opinião do OPEU, ou do INCT-INEU.

 

Assessora de Imprensa do OPEU e do INCT-INEU, editora das Newsletters OPEU e Diálogos INEU e editora de conteúdo audiovisual: Tatiana Carlotti. Contato: tcarlotti@gmail.com.

 

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