China na visão de think tanks estadunidenses sob Trump (2017-2020)
Crédito: Kotenko Oleksandr/Shutterstock
Prevalecem as recomendações por medidas mais duras para lidar com a China nos planos doméstico e internacional
Por Rúbia Marcussi Pontes*
A influência de think tanks (TTs) na formulação de políticas públicas é um fenômeno identificado em diversos países, em maior ou em menor grau, e particularmente observado nos Estados Unidos (EUA), país em que os TTs floresceram e que sedia, hoje, mais de 1.870 instituições. Este número representa aproximadamente 25% do total mundial.
Nesse contexto, diversos pesquisadores se debruçam sobre o tema, analisando como e em que medida esses TTs influenciam as preferências de tomadores de decisões e as políticas econômica, industrial e externa dos EUA, por exemplo, como ilustrado pelos trabalhos de Donald Abelson, Inderjeet Parmar e Tatiana Teixeira, dentre outros. Não deixa de ser notável, contudo, que uma atenção menor é dedicada à análise da produção intelectual e material dessas organizações no que tange à República Popular da China e, mais especificamente, às relações sino-americanas.
Com isso em mente, o artigo “Think tanks estadunidenses e a China: a crítica homogênea na administração Trump (2017-2020)”, faz o esforço de mapeamento e de discussão da produção de TTs nesse sentido durante a administração do presidente Donald Trump (2017-2020), levando em consideração o recrudescimento das relações entre esses dois Estados no período selecionado e a importância do entendimento dessas relações através de diferentes prismas de análise.
Prefeito de Taipei, Ko Wen-je, na Heritage Foundation, em Washington, D.C., em 20 mar. 2019 (Crédito: Prefeitura de Taipei)
As perguntas que moveram a pesquisa foram: há alguma influência de TTs na política dos EUA para a China no recorte temporal elencado? Se sim, em que medida? A hipótese trabalhada pelo artigo é a de que essas instituições operavam, antes da administração Trump, já no sentido de recomendar ajustes na política dos EUA para a China, ao constatar que este Estado se tornava um potencial competidor estratégico dos EUA. Identifica-se, porém, neste mesmo intervalo, que suas recomendações e produção nesse âmbito se tornam mais proeminentes, em um contexto de maior apoio bipartidário e da opinião pública às medidas mais duras para com a China.
Council on Foreign Relations, Asia Society e The Heritage
Os TTs escolhidos para análise no artigo foram o Council on Foreign Relations (CFR), o The Asia Society Policy Institute (ASPI) e a The Heritage Foundation. Como critérios para a seleção destes institutos estão sua relevância histórica e contemporânea, segundo o Global Go To Think Tank Index Report, o primeiro e único índice regular a mapear e a ranquear a relevância de TTs em nível global, a criação de áreas específicas para o estudo de China nessas organizações e sua crescente produção e especialização de palestras, livros e relatórios, dentre outros, sobre esse Estado.
Essa seleção também se deu por seus diferentes alinhamentos ideológicos, sendo o CFR um TT liberal e historicamente encorajador da aproximação entre EUA e China, e a Heritage, conservador e crítico da China, inclusive mais alinhado ao Partido Republicano e reconhecido como a organização conservadora com maior influência na administração Trump.
Evidentemente, analisar o que essas instituições produzem não é uma tarefa simples, e existem muitos questionamentos metodológicos sobre como estudá-las e sobre como medir o real impacto de suas recomendações nas mais diversas políticas. Mas o estudo buscou diversificar a amostra de TTs e identificar, por meio da análise qualitativa de conteúdo de relatórios públicos e de artigos – cuja listagem completa é discriminada no artigo –, suas visões sobre a China e suas possíveis relações com a política dos EUA para esse Estado no período.
Visão e crítica homogêneas dos TTs à China sob Trump
Após a leitura dos relatórios selecionados, sua análise de conteúdo foi realizada a partir de determinados indicadores, visando a identificar se e como os TTs se posicionavam nos seguintes temas: reciprocidade nas relações bilaterais; incentivo à atuação dos EUA em parcerias para lidar com a China; preocupação com questões relacionadas à tecnologia e a investimentos chineses nos EUA; recomendação de expansão do mandato do Comitê de Investimento Estrangeiro nos Estados Unidos (CFIUS); preocupação com a Belt and Road Initiative (BRI); medidas para enfrentar a China com tarifas, ou recorrendo-se à Organização Mundial do Comércio (OMC).
Com base nesses indicadores, a análise dos documentos apontou para um entendimento homogêneo desses TTs a respeito da China, no sentido que esta se tornava um Estado assertivo sob Xi Jinping e que haveria baixa reciprocidade da China em relação aos EUA. A análise também permitiu identificar recomendações claras, em todos os TTs, para a política doméstica: os EUA precisariam reformular sua estratégia para lidar com a China, e isso deveria ser feito, principalmente, a partir i) da expansão de instituições nacionais que pudessem restringir e investigar investimentos chineses, com destaque para reforma do CFIUS, e ii) de maiores investimentos dos EUA nas chamadas tecnologias do futuro, com destaque para o 5G. Internacionalmente, as recomendações vão no sentido de garantir o i) fortalecimento das parcerias e alianças dos EUA, principalmente na Ásia, mas não somente lá, e ii) a atuação multilateral para criação de alternativas para iniciativas como a BRI, mas lideradas pelos EUA.
Com tais elementos em mente, evidenciou-se uma aproximação entre as recomendações da amostra de TTs selecionados, o que aponta para a tendência de que temáticas relacionadas à segurança nacional dos EUA tendam a ser abordadas de forma conservadora, independentemente do posicionamento dos analistas no espectro político e de como a China tem sido crescentemente considerada nesse sentido.
Ministro chinês das Relações Exteriores, Wang Yi, discursa no CFR, em Nova York, em 29 set. 2018 (Crédito: Xinhua)
Entendeu-se também que a aproximação das críticas e recomendações dos TTs se refletiu nas decisões da administração Trump em relação à China, em um contexto de apoio bipartidário de membros dos partidos Republicano e Democrata às políticas mais duras em relação àquele Estado. Isso se deu, especialmente, nos esforços de reformulação e de ampliação do poder regulatório do CFIUS, para avaliar investimentos chineses nos EUA e revisar acordos passados que apresentem, segundo a instituição, uma ameaça aos interesses de segurança nacional, em um contexto de securitização das relações sino-americanas. Isso é possível somente graças ao Foreign Investment Risk Review Modernization Act (FIRRMA), legislação aprovada em 2018 pelo Congresso e com vigência de 13 de fevereiro de 2020, que permitiu a revisão dos acordos e o maior escrutínio sobre investimentos chineses nos EUA.
A preocupação dos TTs com as chamadas tecnologias do futuro também se reflete nas decisões do governo Trump, que concentrou grandes esforços para impedir que as tecnologias oriundas de empresas chinesas, com destaque para a rede de 5G, fossem utilizadas no território dos EUA e em outros países, influenciando, por exemplo, a decisão do Reino Unido nesse sentido. Entretanto, foi notável o afastamento dos EUA da OMC, com o congelamento do Órgão de Solução de Controvérsias, em um contexto em que a administração Trump operou, em grande medida, por meio da aplicação de tarifas à China, por mais que críticas fossem feitas nesse sentido, especialmente pela Heritage.
Vale apontar que nem todas as recomendações produzidas nos anos abordados foram adotadas, mas o artigo ressaltou, por fim, a capilaridade das ideias, recomendações e conceitos presentes no material dos TTs estudados e sugeriu que esse entendimento é um prisma de análise relevante para a observação dos rumos gerais da atuação estadunidense e da política dos EUA para a China.
* Rúbia Marcussi Pontes é doutoranda e mestra em Ciência Política pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), professora de Relações Internacionais das Faculdades de Campinas (FACAMP) e pesquisadora do INCT-INEU. Contato: rubiamarcussi@gmail.com.
** A versão integral deste artigo foi publicada na Revista Mural Internacional. Recebido em 26 jul. 2021. Este Informe não reflete, necessariamente, a opinião do OPEU, ou do INCT-INEU.
Edição e revisão final: Tatiana Teixeira.
Assessora de Imprensa do OPEU e do INCT-INEU, editora das Newsletters OPEU e Diálogos INEU e editora de conteúdo audiovisual: Tatiana Carlotti. Contato: tcarlotti@gmail.com.
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