Biden lança inédita Estratégia Nacional para Contraterrorismo doméstico
Crédito: Diana Zeyneb Alhindawi/The New York Times)
Por Isabelle C. Somma de Castro*
A administração Joe Biden anunciou em 15 de junho o lançamento de um esforço inédito. Pela primeira vez um governo americano promove um plano específico para combater a ação de terroristas locais, a National Strategy for Countering Domestic Terrorism (Estratégia Nacional para Deter o Terrorismo Doméstico). A iniciativa demonstra que a ação de extremistas americanos cresceu a tal ponto que não pode mais ser ignorada e mereceu uma discussão específica para eliminar as crescentes ações violentas, assim como suas raízes e fomento.
O plano apresenta quatro vertentes prioritárias na esfera do contraterrorismo: ênfase no compartilhamento de informações entre as agências de aplicação da lei; investimento na prevenção do recrutamento de ativistas por grupos extremistas; ampliação de investigações com alvo específico nesses grupos; e um esforço maior para atacar as questões que fomentam esse tipo de atividade, como a intolerância e o racismo.’
O lançamento é uma consequência direta da invasão do Capitólio em 6 de janeiro passado, mas também demonstra que a ameaça interna vinha sendo ignorada pelas agências federais há muito tempo. Nas últimas três décadas, especialmente após 11 de setembro de 2001, as atenções se voltaram quase exclusivamente para o chamado “terrorismo islâmico”. A ênfase ofuscou o que já vinha sendo observado por pesquisadores: o crescimento de ataques e de movimentos e ativistas que promovem ideias racistas, antigoverno e de ódio a minorias.
O número de incidentes provocados por grupos de extrema direita diminuiu depois do maior ataque de terrorismo doméstico registrado no país: a explosão de um prédio da administração federal em Oklahoma City, em 1995. Promovido por um veterano da Guerra do Golfo, o atentado provocou a morte de 168 pessoas. A atividade de extremistas domésticos voltou a subir após a eleição de Barack Obama em 2008, segundo estudo do jornal The Washington Post com base em informações fornecidas pelo Center for Strategic and International Studies (CSIS). O think tank passou a coletar dados relacionados a terrorismo doméstico a partir de 1994.
Extrema direita responde por maioria dos ataques
Desde 2015, extremistas que se identificam com a extrema direita estiveram envolvidos em 267 ataques que resultaram em 91 fatalidades. Pelo menos metade dessas mortes foi provocada por defensores de concepções supremacistas. Membros de milícias e de outros grupos extremistas, entre eles a Klu Klux Klan, os Cowboys Arianos e a Base participaram de 67 desses ataques, conforme o mesmo estudo do diário de Washington, D.C.
Já os crimes considerados de extrema esquerda pelo levantamento foram 66, resultando em 19 fatalidades. É curioso notar que o jornal incluiu a destruição de uma delegacia de polícia em Minneapolis por uma multidão em 2020 entre esses incidentes. O caso ocorreu durante um protesto contra a morte de George Floyd, que gerou comoção em espectros distintos da política e da sociedade.
Policiais confrontam manifestantes em protesto por justiça para George Floyd, em 30 de maio de 2020, em Pittsburgh (Crédito: Michael M. Santiago/Post-Gazette via AP)
E foi exatamente no ano passado que os ataques da extrema direita atingiram um pico. Em 2020, foram 73 ataques de milicianos e ativistas contrários ao governo, antimuçulmanos e supremacistas brancos. Outro relatório, desta vez divulgado pelo CSIS, aponta um crescente envolvimento de membros das Forças Armadas do país, veteranos e policiais nesses atos de violência.
O anúncio da nova estratégia enfatizou que o tema foi prioritário no primeiro dia de Biden na Casa Branca. A posse ocorreu logo depois do traumático incidente no Capitólio, estimulado pelo ex-presidente Donald Trump e cometido por membros de grupos alt-right e por seguidores da teoria conspiratória QAnon. O episódio resultou na morte de cinco pessoas e provocou a evacuação dos congressistas e funcionários da casa.
O lançamento do plano, no primeiro semestre do governo Biden, pode ser interpretado como um primeiro passo da nova administração para atacar problemas estruturais como o racismo, a xenofobia e o ódio a fiéis de religiões não-cristãs. Mas, para os extremistas de direita, a questão é vista em termos partidários, como sendo um ataque ao seu posicionamento ideológico e ao direito de livre-expressão garantido na Primeira Emenda da Constituição. Tal posicionamento é estimulado por congressistas republicanos que formam uma base de apoiadores do ex-presidente Trump e de membros desses grupos eleitos como representantes no Congresso, como Marjorie Taylor Greene (R-GA), apoiadora do QAnon.
Outra resistência importante aos planos do novo governo está nas corporações policiais, que, mesmo após o caso George Floyd, estiveram envolvidas em outros episódios de violência com viés racial. Uma mudança no comportamento dos integrantes das forças de segurança está longe de ocorrer, se não houver políticas específicas para atacar o problema dentro das próprias corporações. Além disso, os policiais se sentem ameaçados pela campanha de desinvestimento defendida por ativistas progressistas e, principalmente, entre os ligados ao grupo Black Lives Matter. De qualquer forma, a estratégia demonstra que o governo reconhece que existe um problema e que ele está sendo observado.
* Isabelle Christine Somma de Castro é pesquisadora do INCT-INEU, do Núcleo de Pesquisas em Relações Internacionais (Nupri-USP) e do Grupo de Pesquisa Tríplice Fronteira (GTF/Unila). Concluiu pós-doutorado em Ciência Política (USP) e na Universidade de Columbia. Tem doutorado em História Social (USP). Contato: isasomma@hotmail.com.
** Recebido em 18 jun. 2021. Este trabalho não reflete, necessariamente, a opinião do OPEU, ou do INCT-INEU.
Edição e revisão final: Tatiana Teixeira.
Assessora de Imprensa do OPEU e do INCT-INEU, editora das Newsletters OPEU e Diálogos INEU e editora de conteúdo audiovisual: Tatiana Carlotti. Contato: tcarlotti@gmail.com.
Assine nossa Newsletter e receba o conteúdo do OPEU por e-mail.
Siga o OPEU no Instagram, Twitter, Flipboard, Linkedin e Facebook e acompanhe nossas postagens diárias.
Comente, compartilhe, envie sugestões, faça parte da nossa comunidade.