Energia e Meio Ambiente

Cooperação na agenda climática internacional é desafio para EUA e China

Crédito: Shutterstock/Paul Spella/The Atlantic

Representantes emitem comunicado conjunto às vésperas da Cúpula dos Líderes sobre Clima

Por Rúbia Marcussi Pontes*

Em 19 de abril, a Organização Meteorológica Mundial (OMM), agência especializada das Nações Unidas (ONU), divulgou o relatório do Estado do Clima Global referente ao ano de 2020. A publicação constata que a temperatura média do planeta no último ano ficou por volta de 1,2°C acima do nível pré-industrial – número perigosamente próximo do 1,5°C considerado como o limite na busca pela diminuição do impacto das mudanças climáticas.

Além disso, o relatório aponta que os últimos seis anos foram os mais quentes, e 2020, um dos três anos mais quentes já registrados em toda série histórica. Ainda de acordo com a publicação, o ano de 2020 também apresentou elevação na concentração de gases causadores do efeito estufa (GEE), apesar da diminuição momentânea em decorrência da pandemia da covid-19. E mais de 9,8 milhões de deslocamentos foram registrados apenas no primeiro semestre de 2020 em razão dos efeitos catastróficos das mudanças climáticas.

Bangladesh battles in the frontline against climate change… | Flickr
Bairro de Satkhira, em Bangladesh, inundado após meses de fortes chuvas, 16 set. 2009 (Crédito: Rafiqur Rahman Raqu/Departamento de Desenvolvimento Internacional, DFID)

A OMM emite os relatórios anualmente desde 1993, na esteira da assinatura da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC, da sigla no inglês), e os dados acumulados em quase três décadas reforçam a gravidade da conjuntura. No prefácio do relatório, o secretário-geral da OMM, Petteri Taalas, afirma que “todos os indicadores climáticos centrais e as informações de impacto fornecidas no relatório demonstram a contínua e incansável mudança climática, o aumento de ocorrências e a intensificação de eventos de alto impacto e profundas perdas e prejuízos afetando pessoas, sociedades e economias”. Para o secretário-geral, o objetivo de estabilização da temperatura global entre 1,5°C e 2°C acima do nível pré-industrial, até o final desse século, será possível somente com um grande esforço ainda na década em que vivemos.

O secretário-geral da ONU, António Guterres, faz coro às palavras de Taalas no relatório, declarando que, “enquanto muitos lembrarão 2020 como o ano marcado profundamente pela pandemia de covid-19, esse relatório explica que, para muitos ao redor do mundo, especialmente para aqueles dos países em desenvolvimento, 2020 também foi o ano de profunda disrupção climática e ambiental, impulsionada pela mudança climática causada pela ação humana”.

Guterres afirma, ainda, que 2021 é um ano emblemático para ação e que a Conferência das Partes (COP26), que ocorrerá no âmbito da UNFCCC em Glasgow, no Reino Unido, será essencial para efetivar uma série de medidas relacionadas à mitigação dos efeitos da mudança climática e na busca pelo desenvolvimento sustentável.

A COP26 ocorrerá somente em novembro, mas outras iniciativas se desenham desde já. Nesse sentido, a publicação do relatório e os apelos decorrentes vieram apenas alguns dias antes da realização da Cúpula dos Líderes sobre o Clima, convocada pelo presidente dos Estados Unidos, Joseph Biden, que retomou os esforços americanos de combate às mudanças climáticas com o reingresso dos EUA no Acordo de Paris e com o comprometimento com a COP26.

Nesse cenário, chama a atenção a aproximação entre os EUA e a China, dois países que, em conjunto, são responsáveis por aproximadamente 45% das emissões de GEE e, portanto, atores que não podem se omitir do e no regime internacional de mudanças climáticas – embora, vale lembrar, um cidadão americano polua, em média, duas vezes mais que um cidadão chinês em números per capita.

U.N. Head: Multilateral System Can Stop Climate Change | Time

Cooperação entre EUA e China na agenda climática?

Em março, as delegações americana e chinesa se reuniram em Anchorage, no Alasca, para o primeiro encontro entre representantes de alto nível após a posse de Biden. O encontro foi marcado por farpas trocadas na sessão aberta à imprensa, mas também por diálogo a portas fechadas.

Na sequência, John Kerry, ex-secretário de Estado e enviado especial para o clima sob Biden, tornou-se o primeiro representante da nova administração a visitar a China, indicando que a agenda climática poderia ser um ponto de contato e de cooperação entre os dois países em meio a tantas áreas de atrito e disputa.

Entre 15 e 16 de abril, Kerry se encontrou com sua contraparte chinesa, o enviado especial para mudanças climáticas, Xie Zhenhua, e com outros membros da delegação chinesa em Xangai. O resultado do encontro se deu na forma de um comunicado conjunto, sinalizando o comprometimento das partes em cooperar no combate às mudanças climáticas, seja por meio de ações nacionais, seja por meio de ações multilaterais no âmbito da UNFCCC e do Acordo de Paris.

Mais especificamente, as partes se comprometeram a diminuir suas emissões de GEE e a expandir suas metas, especialmente ao longo do ano, mas não apresentaram nenhum “novo” número nesse sentido. Também é interessante destacar que o comunicado aponta para a intenção de aumentar o investimento e o financiamento internacionais na transição da matriz energética baseada em combustíveis fósseis para uma energia verde, baseada em fontes renováveis, principalmente em países em desenvolvimento.

Biden tem, como principal meta, garantir que os EUA atinjam a neutralidade nas emissões de dióxido de carbono até 2050. Com isso em mente, seu principal objetivo com a viagem de Kerry até a China era tentar costurar um maior comprometimento do país com a neutralidade de carbono antes da Cúpula que seria sediada pelos EUA. Como apontado pelo vice-ministro de Relações Exteriores da China, Le Yucheng, porém, “para um país com 1,4 bilhão de pessoas, esses objetivos não são facilmente alcançados”. Yucheng teceu seus comentários enquanto Kerry e a delegação americana ainda estavam negociando na China e demonstrou incredulidade em relação ao que “alguns países estão pedindo”.

Ao mesmo tempo, vale lembrar que a China anunciou, ainda em 2020, que atingiria o pico de emissões de carbono antes de 2030 e que alcançaria a neutralidade de carbono até 2060. Como o próprio comunicado conjunto aponta, o país reconhece que sua ação – em coordenação com a dos demais – é essencial no regime internacional climático.

A Cúpula dos Líderes sobre o Clima

Entre 22 e 23 de abril, Joe Biden se reuniu com mais de 40 líderes mundiais na Cúpula dos Líderes sobre o Clima, com destaque para a presença do presidente chinês, Xi Jinping. Realizada em formato remoto, a Cúpula foi palco de um apelo pela ação global no combate às mudanças climáticas. Biden afirmou que os custos da inação – em uma referência ao descaso do governo de Donald Trump em relação ao tema – são altíssimos e reforçou que, em sua administração, os EUA têm a intenção de protagonizar os esforços na agenda climática internacional.

Nesse sentido, o presidente dos EUA se comprometeu a reduzir as emissões de GEE entre 50% e 52%, em relação aos níveis registrados em 2005, até o final da presente década, no caminho para alcançar a neutralidade de carbono até 2050. Lembramos, no entanto, que esse objetivo, presente no Acordo de Paris, não é vinculante e que a administração Biden ainda não divulgou um plano de ação especificando como pretende alcançar a meta.

Vale ressaltar a presença do cofundador da Microsoft Bill Gates, na Cúpula. Ele fez um apelo por mais investimentos, tanto da esfera pública quanto privada, de forma que os EUA consigam inovar e alcançar as metas. Para Gates, “a utilização das tecnologias de hoje não será suficiente para que alcancemos nossos objetivos ambiciosos”. Em painel sobre energias renováveis, a secretária de Energia, Jennifer Granholm, afirmou que os EUA pretendem reduzir sua dependência de gás natural até o final da década, o que será possível com a redução pela metade do preço da energia solar e de até 80% do preço da energia oriunda do hidrogênio.

A União Europeia, que já havia sinalizado a intenção de cortar em pelo menos 55% suas emissões de GEE até 2030 na semana anterior à Cúpula dos Líderes, também se comprometeu, junto com Reino Unido, Japão e Canadá, com metas mais robustas e a participar ativamente das negociações internacionais no combate às mudanças climáticas, com destaque para a COP26.

EUA e a busca de contenção da China

A China, por sua vez, não estabeleceu metas novas, mas renovou seus objetivos anunciados em 2020, com destaque para a meta de alcançar a neutralidade de carbono até 2060. Como já antecipado pelo vice-ministro das Relações Exteriores durante a visita de Kerry à China, o discurso de Xi Jinping na Cúpula dos Líderes ressaltou que é preciso que os países sejam realistas em relação ao que se propõem e que os objetivos estipulados pela China são de tamanha importância que chegam a ultrapassar os comprometimentos feitos pelos países mais desenvolvidos. Em suas palavras, “a China se comprometeu a passar de um pico de emissão de carbono para a neutralidade em um período de tempo muito menor do que aquele que muitos países desenvolvidos propuseram, e isso requer esforços extraordinários por parte da China”.

中国能在“碳中和”合作中寻求公平吗? - 有吧新闻

Presidente chinês, Xi Jinping, participa da Cúpula do Clima organizada por Biden, por vídeo, de Pequim, e pronuncia o discurso ‘Para o homem e a natureza: Construindo uma comunidade de vida juntos’, 22 abr. 2021 (Crédito: Huang Jingwen/Xinhua)

A Cúpula foi um momento importante, que demonstrou os esforços da administração Biden para reinserir os EUA em um tema urgente da agenda internacional, partindo de uma posição central, bem como para preparar o caminho para a COP26. Ao mesmo tempo, demonstrou uma possível área de cooperação entre EUA e China – embora essa área não esteja insulada e não elimine as múltiplas áreas de atrito e diferentes percepções sobre responsabilidades e desafios para cada Estado.

Nesse sentido, o Congresso dos EUA se mostra inflexível, trabalhando em um consenso bipartidário, para propor medidas que visam à contenção da China. Exemplo disso acontecia, nas vésperas da Cúpula, com a discussão no Comitê de Relações Exteriores do Senado do Strategic Competition Act of 2021, que chegou a ter uma proposta de emenda de boicote de oficiais americanos nas Olimpíadas de 2022 na China. Outro exemplo nessa mesma semana foi a discussão entre membros do Senado e da Câmara de Representantes do Endless Frontier Act, que prevê um investimento de US$ 100 bilhões, ao longo de cinco anos, para pesquisa em inovação tecnológica nos EUA, buscando garantir a dianteira americana.

Alguns analistas se questionam se os EUA sob Biden não cometerão o considerado constante erro estratégico de abrir mão de demandas feitas à China, como a proteção de direitos humanos, pelo maior comprometimento do país em questões como o combate às mudanças climáticas – um tema caro à administração atual. Como os últimos acontecimentos demonstram, porém, os EUA operam em diversas frentes, de forma simultânea, e os temas não são excludentes, assim como os interesses e objetivos chineses, que, como reforçado pelo líder chinês e por Henry Kissinger, ainda na década de 1970, não serão prescritos por estrangeiros.

 

* Rúbia Marcussi Pontes é doutoranda e mestra em Ciência Política pelo Programa de Pós-Graduação em Ciência Política (PPGCP-IFCH), da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Pesquisadora do INCT-INEU e bolsista CAPES. Contato: rubiamarcussi@gmail.com.

** Recebido em 28 abr. 2021. Este Informe não reflete, necessariamente, a opinião do OPEU, ou do INCT-INEU.

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