China e Rússia

Resultados da fase 1 do acordo EUA-China e seu futuro no governo Biden

Presidente Xi Jinping com Joe Biden, em 8 ago. 2011, quando ambos eram vices, no Grande Salão do Povo, em Pequim (Crédito: Lintao Zhang/Getty Images)

Por Aline Regina Alves Martins e Máina Caroline Antunes Dias*

Em 15 de janeiro de 2021, a fase 1 do acordo comercial Estados Unidos-China completou um ano. O documento acordado entre Washington e Pequim encerrou, ao menos temporariamente, a guerra comercial entre os dois países iniciada ainda em 2018. Ao buscar um período menos turbulento nas relações bilaterais sino-americanas (período pré-pandemia da covid-19) em ano de eleição na Casa Branca, o governo de Donald Trump garantiu, oficialmente, a compra adicional de US$ 200 bilhões em produtos americanos por parte dos chineses.

Após este primeiro ano, observa-se que a implementação do acordo tem ficado aquém do previsto, não correspondendo ao antecipado pelas partes no período de discussão e de anuência do mesmo. Um outro ponto relevante no contexto deste acordo comercial é analisar o quanto a eleição do democrata Joe Biden modifica o cenário, no que se refere à continuidade da fase 1 deste acordo e ao possível estabelecimento de uma fase 2 do acordo comercial.

Resultados da implementação

Em janeiro de 2020, durante a cerimônia de assinatura do acordo, o presidente Donald Trump o declarou como “histórico“. Trump negociou o texto legal para que a China se comprometesse a comprar mais de US$ 200 bilhões em bens e serviços dos Estados Unidos entre 1º de janeiro de 2020 e 31 de dezembro de 2021. O estabelecimento desta meta de importação chinesa de produtos norte-americanos busca dirimir o impacto da guerra comercial de 2018 e 2019 entre os dois países, na tentativa de recuperar os níveis de importações chinesas do ano de 2017, pré-guerra comercial.

Dados mais recentes, divulgados pelo think tank americano Peterson Institute for International Economics (PIIE), indicam, porém, que as importações chinesas de produtos americanos estão abaixo do previsto no acordo. A compra chinesa de produtos norte-americanos atingiu US$ 82,3 bilhões, somente 51,7% do estabelecido no acordo para o ano de 2020 (US$ 159 bilhões). Os dados correspondem até o mês de novembro de 2020 e contam com informações tanto da alfândega chinesa (importações chinesas), quanto do Departamento do Censo dos Estados Unidos.

Considerando as exportações dos produtos agrícolas norte-americanos, a meta para o ano de 2020 seria de US$ 29,6 bilhões. Os dados até novembro mostram, no entanto, que se alcançou somente 76% deste objetivo. No caso dos produtos manufaturados, no mesmo período, as exportações haviam atingido 58% da meta anual. A situação é mais complicada quando se observa os produtos do setor de energia, já que as exportações atingiram somente 35% da meta para 2020.

A despeito da excepcionalidade do ano de 2020, ainda que a pandemia do novo coronavírus (SARS-CoV-2) tenha afetado inicialmente a economia chinesa, sua recuperação vem sendo mais rápida em comparação com a dos demais países. Conforme dados do Fórum Econômico Mundial, as taxas de importação na China aumentaram em 13,2% em setembro, um acumulado de US$ 202,7 bilhões, voltando a crescer após queda de 2,1% em agosto. Deste ponto em diante, os dados indicam aumento progressivo. Em novembro de 2020, o valor das importações para a China totalizou cerca de US$ 192,7 bilhões, o que significa um aumento de 4,5% no valor das importações quando comparado a novembro do ano anterior.

Xangai, 24 set. 2020: crescente classe média pode ajudar na recuperação da economia chinesa, em meio à pandemia (Crédito: Reuters)

Desse modo, não acreditamos que as consequências econômicas da pandemia sejam a razão principal para o não cumprimento das metas de importação estabelecidas na fase 1 do acordo comercial sino-americano. Muito mais relevante é a própria fragilidade estrutural do acordo. Dentre suas vulnerabilidades, estão a manutenção de tarifas norte-americanas de importação para vários produtos chineses (em cerca de US$ 360 bilhões) e uma meta para importação chinesa de produtos norte-americanos pouco factível. Ademais, há o compromisso da China em ampliar importações em setores em que ela mesma busca liderar e a desconsideração no documento de temas relevantes para os dois países, como os subsídios chineses às empresas nacionais e os episódios de espionagem industrial.

Futuro do acordo

É oportuno analisar a provável política do democrata eleito Joe Biden para a China, com base em sua visão a respeito do acordo. Durante o processo eleitoral, o gigante asiático foi diversas vezes tópico de discussão, o que garante a continuidade da centralidade do tema enquanto preocupação norte-americana.

Um dos documentos de campanha do então candidato democrata aponta a estratégia adotada por Donald Trump como ineficaz, e o acordo comercial, como vazio e mais preocupado com “grandes corporações” do que com o trabalhador americano. O documento destaca ainda o fato de a China não estar cumprindo os compromissos contidos no pacto comercial, o que implica a defesa de uma futura estratégia mais agressiva de fiscalização por parte dos norte-americanos.

Ao analisar o governo Trump e as propostas do governo Biden (além de seus quase 50 anos de experiência política, o que inclui a vice-presidência no governo de Barack Obama), é evidente o distanciamento entre estratégias para lidar com o crescimento chinês. Eles convergem, contudo, no que se refere à visão da China como um país concorrente e adversário nas relações internacionais.

Ainda que Biden, como Trump, considere a China uma ameaça, ressaltando inclusive o autoritarismo chinês, as acusações de espionagem cibernética e as acusações de roubo de propriedade intelectual, o multilateralismo proposto por Biden se distancia muito da estratégia nacionalista-isolacionista do republicano. Logo, o democrata anuncia uma estratégia mais centrada nos mecanismos multilaterais e no fortalecimento de alianças globais (com a América Latina, a União Europeia, o Japão e outros) para contrapor os chineses, divergindo da política de intimidação comercial anterior.

Entre as similaridades e as discrepâncias entre Trump em Biden em relação à China, Biden afirmou que não tem pretensão de cancelar a fase 1 do acordo, pelo menos não inicialmente, nem se concentrar nos temas das tarifas. O democrata também enfatizou, durante toda sua campanha, a concentração de esforços do governo em investimentos em Pesquisa & Desenvolvimento, Infraestrutura e Educação como uma estratégia que considera mais efetiva para competir com a China.

Dessa forma, não se vislumbra no primeiro ano do governo Biden movimentos bruscos quanto à fase 1 do acordo comercial sino-americano. Este manterá seu caráter frágil e insatisfatório, sem resolver o entrave tarifário, deixando ainda mais incerta qualquer possibilidade de concretização de uma fase 2 do acordo, como havia sido estabelecido em 2020.

 

* Aline Regina Alves Martins é professora da Universidade Federal de Goiás (UFG) e pesquisadora do INCT-INEU. Contato: alinermartins@ufg.br.

Máina Caroline Antunes Dias é graduanda em Relações Internacionais pela UFG e bolsista de Iniciação Científica pelo INCT-INEU. Contato: mainacaroline@discente.ufg.br.

** Recebido em 18 jan. 2021. Este Informe não reflete, necessariamente, a opinião do OPEU, ou do INCT-INEU.

Realização:
Apoio:

Conheça o projeto OPEU

O OPEU é um portal de notícias e um banco de dados dedicado ao acompanhamento da política doméstica e internacional dos EUA.

Ler mais