A importância do meio ambiente e do clima nas eleições de 2020 nos EUA
Crédito: Aïda Amer-Axios (iIustração) e Brendan Smialowski/AFP via Getty Images (foto)
Por Pedro Vasques*
A mitigação dos efeitos da crise financeira de 2008 e a recuperação econômica experimentada nos anos seguintes são alguns dos fatores que ajudam a compreender os resultados verificados no âmbito da pesquisa que o Pew Research Center, nos Estados Unidos, realiza anualmente há mais de duas décadas. Isto é, com a economia e a taxa de desemprego sob relativo controle, reorientações nas expectativas de cidadania se tornariam possíveis, o que implicaria ajustes na definição das questões percebidas como prioritárias pelos norte-americanos. A avaliação do Pew Research Center foi feita com base em entrevistas que abordam uma pluralidade de questões e políticas públicas, dentre as quais destacamos apenas aquelas relativas ao assunto da presente análise (meio ambiente e clima) e outras as quais julgamos relevantes para fins comparativos.
No âmbito dessa rearticulação de interesses, a última edição da pesquisa – realizada em janeiro de 2020 – aponta resultados inéditos no tocante à agenda ambiental. Ou seja, para 64% e 52% dos entrevistados, questões ambientais e climáticas, respectivamente, devem ser consideradas de máxima prioridade para a Presidência e pelo Congresso Nacional. Esses números ultrapassam a temática laboral – que atingiu o segundo valor mais baixo desde que a pesquisa é realizada, qual seja, 49%, ficando à frente apenas de 2000, com 41%.
Nesse cenário, a preocupação com a proteção do meio ambiente atinge um patamar inédito, aproximando-se de temas historicamente importantes para os norte-americanos, como economia e educação, ambos indicados como prioritários por 67% dos entrevistados. Mesmo considerando que a pesquisa foi realizada antes da intensificação da pandemia de COVID-19 – o que implicará uma provável reorientação de prioridades –, resta pouca dúvida de que a questão climático-ambiental desempenhará papel relevante nas eleições de 2020.
Distribuição relativa entre 2010 e 2020 de políticas públicas que devem ser priorizadas pela Presidência e pelo Congresso Nacional, segundo entrevistados:
Fonte: Elaboração própria, com base nos dados do Pew Research Center
É exatamente nessa direção – isto é, de crescimento da importância do meio ambiente e do clima para a população norte-americana – que parte da estratégia eleitoral de Joe Biden vem sendo articulada. Em relação às mudanças climáticas, por exemplo, o candidato democrata previu, inicialmente, a meta de zerar as emissões líquidas até 2050 – ou seja, equilibrar os lançamentos de gases de efeito estufa com sua remoção da atmosfera (i.e., carbon neutrality) –, investir US$ 400 bilhões nas atividades de pesquisa e inovação, retornar ao Acordo de Paris, opor-se às situações de desigualdade e de racismo ambiental: tudo isso em um plano, a Clean Energy Revolution, que culminaria com investimentos da ordem de US$ 1,7 trilhão em dez anos.
As promessas ambientais originalmente propagadas por Biden foram percebidas como insuficientes, porém, por parte dos eleitores preocupados com as referidas questões, em especial, se comparadas com aquelas de outros candidatos, como Bernie Sanders e Elizabeth Warren. Tendo em vista a dificuldade de associar o democrata à imagem de um ambientalista comprometido, bem como a necessidade de obter o apoio e o voto de jovens eleitores, dos demais derrotados nas primárias e de parcela de republicanos moderados, vem-se observando novas ações que aprofundam o comprometimento da campanha com relação à temática climático-ambiental. Destacamos duas delas, percebidas como mais relevantes.
Plataforma ambiental repaginada
A primeira delas é a reformulação de sua proposta de política climática. Diante dos desdobramentos negativos da COVID-19, Biden apresenta seu plano de recuperação econômica, intitulado Build Back Better, que propõe uma nova estratégia para lidar com as mudanças climáticas no contexto da pandemia e aborda a crise atual como um oportunidade e um mecanismo de estímulo para a retomada de uma economia fortemente abalada. Nesse cenário, o democrata inova em relação à proposta anterior, na medida em que, entre outras mudanças, amplia os investimentos para ordem de US$ 2 trilhões – dinheiro esse captado a partir da reversão de desonerações fiscais e tributárias para corporações promovidas por Trump –, reduzindo o tempo de injeção desses recursos para o prazo de seu primeiro mandato. Também prevê zerar as emissões de carbono do setor de energia até 2035 e instituir uma divisão de Justiça Ambiental e Climática no Departamento de Justiça.
Já a segunda se refere à indicação da senadora Kamala Harris (D-CA) para ser sua vice-presidente. Dentre aqueles cogitados, poucos possuem um histórico de atuação na área como Harris. Como procuradora-geral do distrito de São Francisco, desenvolveu sua carreira processando indústrias de combustíveis fósseis, sendo inclusive responsável por criar na Procuradoria uma unidade especializada em justiça ambiental. Neste cargo, ela recebeu a atribuição de proteger e aplicar a progressiva legislação ambiental estadual junto aos tribunais. Ao ser eleita senadora, continuou a promover a agenda ambiental, sendo uma das apoiadoras do Green New Deal e, mais recentemente, signatária do Climate Equity Bill, em conjunto com a representante (deputada) democrata Alexandria Ocasio-Cortez. Por fim, durante sua campanha nas primárias do partido, também apresentou planos climático-ambientais que, em larga medida, eram mais ambiciosos do que aqueles inicialmente formulados por Biden.
Entretanto, mesmo com as novas demonstrações de comprometimento com a agenda climático-ambiental por parte de Biden e de Harris, grupos ambientalistas continuam a pressionar os candidatos em pautas sensíveis. Entre as pendências, é possível destacar, por exemplo, a prática de fracking – i.e., tecnologia altamente poluidora empregada para a extração de gases e líquidos por meio da injeção de fluidos (água, areia e químicos) no subsolo a fim de fraturar as rochas que guardam os materiais, permitindo sua extração (sobre esse tema, sugerimos os documentários Gas Land e Gas Land – Part II, dirigidos por Josh Fox). Nesse assunto, Biden tem defendido a suspensão de novas autorizações para emprego da referida técnica em terras públicas, sem prever sua completa vedação – dada a importância dessa atividade em swing states como Michigan, Pensilvânia, Ohio e Novo México. Posição essa entendida como insatisfatória por ambientalistas que demandam o banimento completo do fraturamento hidráulico nos EUA.
Trump e o desmonte da agenda ambiental dos EUA
Sob a perspectiva do atual governo, a posição de Trump a respeito de questões ambientais e climáticas vem sendo reiteradamente exposta ao longo de seu mandato. Como já tratamos em ocasiões anteriores, a presente administração federal vem-se caracterizando por ações e práticas antiambientalistas, voltadas não apenas para desfazer avanços regulatórios e institucionais promovidos durante o governo Barack Obama, mas também pressupostos basilares da política ambiental norte-americana – como é o caso da proposta de revisão da National Environmental Policy Act, sancionada por Nixon em 1º de janeiro de 1970.
Ainda que os retrocessos promovidos pelo republicano não possam ser identificados como novidades – afinal, políticas similares já haviam sido conduzidas nas administrações Reagan (1981-1989) e George W. Bush (2001-2008) –, Trump os promove em um contexto muito diferente, marcado, entre outros, pela alta polarização política da temática ambiental, acentuada descrença na ciência como forma de subsidiar decisões públicas e contestação do protagonismo e da liderança dos Estados Unidos em âmbito internacional.
O antagonismo do atual presidente republicano em relação às propostas de gestão do meio ambiente se coloca de forma tão explícita que, no primeiro dia da convenção democrata, ele concedeu autorização para a exploração de óleo e gás no Ártico, em refúgio da vida selvagem, no estado do Alasca. Ainda que, em seus discursos, Trump se identifique como um defensor das causas ambientais, suas ações vão na direção contrária, de modo a caracterizar a referida agenda como um obstáculo, ou uma ameaça ao desenvolvimento econômico dos Estados Unidos – abordagem essa protagonizada por países periféricos nas últimas décadas do século XX.
Nesse cenário, a opção de intensificar a atuação antiambientalista do governo federal nessa temática no curso da escalada eleitoral parece reforçar a intenção de manter a estratégia adotada ao longo do primeiro mandato. Sem haver apresentado um plano específico para a área, no site da campanha presidencial à reeleição, a política ambiental é apresentada vinculada à energética e, entre as ações enumeradas, há significativo destaque para aquelas relacionadas à expansão da indústria de óleo e gás, para as revogações das normas administrativas do governo Obama (caso de muitas das regulações da EPA, por exemplo), e à saída do Acordo de Paris – explicitada como o cumprimento de uma promessa da campanha anterior.
As controversas posições de Trump, no que diz respeito à temática climático-ambiental, não agradam a setores moderados do Partido Republicano. Todavia, o que a trajetória histórica de disputa entre os dois partidos vem mostrando é uma crescente polarização que antagoniza com a atuação bipartidária que marcou a emergência da política ambiental nos anos 1970. Mesmo que ainda seja possível observar eventuais ações convergentes, a aposta no acirramento dos discursos por meio dos mais diversos canais de comunicação é a que vem prevalecendo no curso da campanha.
Manifestantes protestam do lado de fora da embaixada dos EUA em Londres, após anúncio de Trump sobre saída do Acordo de Paris (Crédito: AFP/Getty)
Pesquisa conduzida pelo think tank American Petroleum Institute (API) nos swing states, em julho de 2020, aponta para um cenário relativamente distinto daquele desenhado pelos resultados verificados pelo Pew Research Center no início do ano. De acordo com os resultados obtidos por este think tank financiado pelo setor do petróleo, para 76% dos eleitores, a pandemia de COVID-19 impactou negativamente a economia de seu estado, enquanto 63% acreditam que a indústria de óleo e gás desempenhará um papel importante na recuperação econômica. Nesse contexto, de modo geral, 64% dos entrevistados estariam mais inclinados a votar em um candidato que garantisse aos norte-americanos acesso aos referidos combustíveis fósseis produzidos internamente.
Ao abandonar a estratégia utilizada em campanhas anteriores, os democratas optam por construir seu discurso eleitoral localizando a agenda sobre meio ambiente na mesma arena mobilizada por Trump, ainda que em polos opostos. Nesse sentido, se, para o republicano, a derrota desta temática é um pressuposto para a prevalência dos demais interesses norte-americanos (neste caso, emprego, energia e economia), Biden e Harris a vislumbram não como um inimigo, mas como um aliado que deve ser fortalecido para que as demais prioridades sejam alavancadas.
Os resultados verificados pelo American Petroleum Institute aparentemente pretendem captar o impacto da pandemia no âmbito das discussões energéticas e ambientais norte-americanas. Dessa forma, sinalizam a acentuação de um comportamento conservador diante da crise sanitária, favorecendo a política de Trump, o que poderia colocar em xeque a estratégia eleitoral conduzida pelo Partido Democrata.
Nesse cenário de inúmeras incertezas, caberá avaliarmos mais adiante se o medo trazido à tona pela COVID-19, de fato, implicará a adoção de comportamentos que privilegiem opções mais conservadoras, ou se as incertezas fomentadas pela disseminação do vírus contribuirão para privilegiar alternativas progressistas, em direção ao desenvolvimento de formas alternativas de energia, não vinculadas à cadeia produtiva dos combustíveis fósseis.
* Pedro Vasques é pós-doutorando pelo INCT-INEU, pesquisador associado do Cedec e doutor em Ciência Política pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP).
** Recebido em 20 ago. 2020. Este Informe não reflete, necessariamente, a opinião do OPEU, ou do INCT-INEU.