Não parece haver limites para Bolsonaro seguir Trump
Bolsonaro e Trump, em Mar-a-Lago, na Flórida, em 7 mar. 2020 (Crédito: Alan Santos/PR, com efeito em p&b por Equipe OPEU)
As iniciativas estão relacionadas à disposição do governo brasileiro para demonstrar capacidade de alcançar acordos internacionais. No entanto, a maioria desses acordos, até o momento, não conseguiu produzir resultados positivos concretos para o país
Por Laís F. Thomaz e Tullo Vigevani*
Quando buscamos compreender os possíveis limites no seguimento do governo Bolsonaro à administração Trump, percebemos dificuldades para encontrá-los. Essa dificuldade exige explicações e a tentativa de entender qual seria sua lógica. Alguns casos permitem avançar nessa tentativa de explicações. Como veremos, as desvantagens para o Brasil são recorrentes.
A preocupação sobre o posicionamento de Bolsonaro em adotar não só o discurso ideológico, mas também práticas sem fundamento científico da postura de Trump no combate à COVID-19, suscita questões relativas ao conjunto das consequências para o Brasil. Temos aqui, até a data de publicação deste texto, mais de 95 mil mortos. É responsabilidade do governo federal, ou melhor, da falta de governo e de competência em qualquer área, neste caso especialmente no tocante à saúde. Mas também consequência da aproximação ideológica ao governo norte-americano. Analisaremos as repercussões para a política exterior, muito negativas, inclusive no que tange o futuro daquelas com os Estados Unidos. Com razão, a Organização Mundial da Saúde e outros governos, inclusive a União Europeia, sinalizam as Américas como o maior foco mundial.
Inicialmente, em comunicado conjunto divulgado pela Casa Branca em maio de 2020, foi anunciada uma “cooperação” com o Brasil na área da saúde para o combate à pandemia. Nesse anúncio, os EUA se comprometeram a enviar 2 milhões de doses de hidroxicloroquina e 1.000 respiradores. Decorrido apenas um mês, o órgão dos Estados Unidos responsável pela controle de medicamentos, a FDA, anunciou que revogou a autorização para o uso do derivado de cloroquina no tratamento de COVID-19 naquele país. Outra medida que a administração Trump tomou foi a de restringir os voos vindos do Brasil, justamente pela escalada de casos no nosso país.
A abordagem ideologicamente alinhada de Bolsonaro não está longe da ideia da Doutrina Monroe e das zonas de influências da Guerra Fria. Nessa visão, sua equipe econômica entende que se aproximar dos Estados Unidos é importante por seus benefícios potenciais. Esse grupo considera o estreito relacionamento com o governo Trump como necessário e de grande interesse para o Brasil em termos econômicos, estratégicos e políticos. Os valores são parte dessa estratégia. A sugestão de assessores, mais alinhados com a política dos Estados Unidos, de apoio à possível intervenção americana na Venezuela, ainda que com o argumento da ajuda humanitária ou de ação defensiva — não levada adiante — também é extremamente preocupante, além de inconstitucional.
As iniciativas estão relacionadas à disposição do governo Bolsonaro em demonstrar capacidade de alcançar acordos internacionais. No entanto, a maioria desses acordos, até o momento, não conseguiu produzir resultados positivos concretos para o Brasil. O governo Trump tem sido controverso em seu apoio às demandas brasileiras. Não há nada que indique que declarações de afinidades produzam benefícios.
AS AÇÕES DO PLANALTO TÊM REFORÇADO A DETERIORAÇÃO DA CONFIABILIDADE INTERNACIONAL DO BRASIL E COLOCAM EM RISCO AS RELAÇÕES COM OUTROS PARCEIROS ESTRATÉGICOS
Um exemplo mais recente da oscilação da postura de Trump foi a questão da presidência do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento). O ministro da Economia, Paulo Guedes, em conversa com o secretário do Tesouro dos Estados Unidos, Steven Mnuchin, havia indicado Rodrigo Xavier, ex-presidente do UBS e do Bank of America no Brasil, para a presidência do BID. No entanto, os Estados Unidos não apoiaram o pleito brasileiro, nem o argentino Gustavo Béliz que também poderia concorrer ao cargo. Eles indicaram o seu próprio candidato, Mauricio Claver-Carone, ligado ao senador republicano da Flórida Marco Rubio. O Brasil recuou e está apoiando o norte-americano. Configurando-se em mais um episódio da prevalência do “America first”. A ruptura com a tradição de um presidente do BID latino-americano é interpretada como parte da guerra comercial com a China, explicada pelo interesse norte-americano em mudanças sistêmicas nas instituições internacionais.
No que tange esse confronto dos Estados Unidos com a China, o Brasil tem tomado posições polêmicas, realizando ataques e ofensas ao governo chinês, proferidas pelo deputado Eduardo Bolsonaro e pelo ex-ministro Abraham Weintraub. Ainda, há a tendência à rejeição de tecnologias não desenvolvidas pelos EUA, inclusive nos campos inovadores e definidores do século 21, como o 5G, do qual a China é expoente. Válido lembrar que a China é a principal parceira comercial do Brasil, sendo o agronegócio dependente das exportações de soja aos chineses.
A aposta de Bolsonaro seria então privilegiar as relações comerciais com os norte-americanos. O setor privado, especialmente as associações comerciais-empresariais, identificaram esse momento como de uma janela política para se avançar na pauta. Porém, esse anseio de caminhar para um “minideal”, ou acordo de livre-comércio, tem sido alvo de discursos opostos por parte do Congresso dos EUA. Mesmo quando questionado, em uma audiência da Comissão dos Assuntos Tributários da Câmara, o representante comercial dos Estados Unidos, Robert Lighthizer, declarou que “não temos planos no momento para um Tratado de Livre-Comércio com o Brasil”. A maioria dos democratas dessa comissão havia enviado uma carta ao Escritório do Representante de Comércio dos EUA com objeções a qualquer avanço de parcerias econômicas com Bolsonaro.
As ações do Planalto têm reforçado a deterioração da confiabilidade internacional do Brasil e colocam em risco as relações com outros parceiros estratégicos, como a Argentina, os demais Brics (Rússia, Índia, China e África do Sul) e a União Europeia. Os pontos sinalizados parecem suficientes para indicar que, ao menos até agora, Bolsonaro não parece ter limites para seguir Trump. Do ponto de vista dos interesses nacionais brasileiros, essa falta de limites traz prejuízos diretos e de longo prazo.
* Laís F. Thomaz é professora da Faculdade de Ciências Sociais da UFG (Universidade Federal de Goiás), pesquisadora do INCT-INEU (Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Estudos nos Estados Unidos) e vice-diretora da ABCP (Associação Brasileira de Ciência Política) pela regional Centro-Norte. Tullo Vigevani é professor da Faculdade de Filosofia e Ciência da Unesp (Universidade Estadual de São Paulo) e pesquisador do Cedec (Centro de Estudos da Cultura Contemporânea) e pesquisador INCT-INEU.
** Publicado originalmente em Nexo, em 5 ago. 2020. Este Informe não reflete, necessariamente, a opinião do OPEU, ou do INCT-INEU.