Pressão americana contra Irã coleciona fiascos

Por Isabelle C. Somma de Castro*

O assassinato do general Qassem Suleimani, em 3 de janeiro, parece ser mais um passo equivocado dos norte-americanos em sua duradoura política de confronto contra a República Islâmica do Irã. Desde a revolução de fevereiro de 1979, sucessivas administrações dos Estados Unidos adotaram estratégias variadas com o objetivo de promover uma mudança de regime no país. Até hoje, como se sabe, todas elas fracassaram.

A única tentativa que deu certo ocorreu antes da ascensão da teocracia xiita. De forma contraditória em relação à retórica de promover a democracia, ela se deu contra um governo democraticamente eleito. Em 1953, o presidente Dwight Eisenhower, juntamente com o então primeiro-ministro britânico, Winston Churchill, promoveram um golpe para derrubar Mohammed Mossadegh. Além de conseguir o intento, ainda conseguiram reinstalar o impopular xá Mohammed Reza Pahlevi de volta ao poder.

O primeiro-ministro iraniano buscava a nacionalização da companhia britânica de petróleo que atuava no país, o que contrariava os interesses de britânicos e americanos. Organizado pela CIA, o golpe de Estado foi levado a cabo por Kermit Roosevelt, neto do ex-presidente Theodore, que promoveu uma campanha de difamação contra Mossadegh. Para isso, contou com o auxílio de membros do governo, do clero, da imprensa e da elite iraniana, que receberam propinas que podem ter somado US$ 20 milhões. A história é contada em detalhes no livro Todos os homens do Xá, do jornalista norte-americano Stephen Kinzer.

Agradecido, e talvez ciente de sua dependência externa, Pahlevi se tornou um dos maiores aliados norte-americanos no Oriente Médio, ao lado de Israel. Seu regime contou com o apoio logístico e de Inteligência tanto de Israel como dos EUA para criar e manter o Savak, temido serviço secreto usado para torturar e assassinar membros da oposição e provocar terror na população. Daí pode ter nascido a desconfiança e, principalmente, o ressentimento do novo regime com ambos os países.

Escalada de sanções

Após a Revolução de 1979, Washington não tardou a promover novas ações para desestabilizar o regime islâmico. Entre as primeiras iniciativas, estavam o não reconhecimento do novo governo, a interferência da CIA em questões internas e a admissão do xá nos Estados Unidos para tratamento médico.

Os revolucionários reagiram invadindo a Embaixada americana em Teerã, em 4 de novembro de 1979. Em contrapartida, o presidente democrata Jimmy Carter bloqueou os bens do governo iraniano que se encontravam em instituições bancárias nos EUA – e que não eram poucas. Apesar de uma fração do montante total ter sido desbloqueada com o acordo que levou à libertação dos reféns, a maior parte ainda se encontra inacessível, mais de quatro décadas após seu bloqueio.

As retaliações americanas não se mantiveram, porém, na esfera das sanções econômicas, que se multiplicariam ao longo das últimas décadas. Outra ação hostil veio da administração posterior, de Ronald Reagan. Durante o conflito Iraque versus Irã, o governo do republicano permitiu a venda de armas americanas a Saddam Hussein, além de oferecer informações secretas que ajudariam o Exército iraquiano a obter importantes vitórias. Apesar dessa ajuda, o conflito não teve vencedores, não promoveu mudanças significativas no cenário político iraniano, muito menos enfraqueceu o regime. É bom lembrar que foi durante o governo Reagan que ocorreu o escândalo Irã-Contras, como ficou conhecida a contraditória e ilegal operação de venda de armas para Teerã.

Durante o governo de Bill Clinton, novas sanções econômicas foram impostas ao Irã, responsáveis por danos profundos na economia do país. Ao mesmo tempo, a administração do democrata acusava o país de ser patrocinador de grupos terroristas – ainda hoje a menção se mantém nos “Country Reports on Terrorism”, um relatório anual produzido pelo Departamento de Estado.

A retórica subiu ainda mais de tom logo após os atentados do 11 de Setembro. No discurso pronunciado por George W. Bush, quatro meses após os ataques, o Irã foi nomeado um dos três “eixos do mal”, juntamente com Iraque e Coreia do Norte. Ao mesmo tempo, a guerra promovida por Bush contra o Iraque foi um presente para o regime islâmico: além de os americanos se livrarem de seu maior adversário regional, Saddam, também abriram uma janela de oportunidade para que os iranianos promovessem sua influência no Iraque.

Frágil gesto de reaproximação

O governo de Barack Obama foi, por sua vez, responsável por apertar mais o cerco contra a República Islâmica com novas sanções econômicas. O democrata também se recusou a apoiar um plano costurado pelo então chanceler do Brasil, Celso Amorim, e por seu colega turco, Ahmet Davutoglu, com o objetivo de regular o programa nuclear iraniano em troca da retirada de parte das penalidades impostas. Obama acabou por assinar em 2015 um acordo com o Irã, conhecido como Joint Comprehensive Plan of Action (JCPOA), que incluía outros países: Reino Unido, França, Alemanha, Rússia e China. O pacto foi o primeiro gesto de reaproximação norte-americano, em décadas, e parecia ser um recomeço alvissareiro entre os dois países.

Em 2017, a ascensão do republicano Donald Trump levou ao abandono do plano e ao estabelecimento de uma política de “máxima pressão” contra o regime iraniano. Uma das medidas foi inserir a Guarda Revolucionária iraniana na lista de grupos terroristas – o que mais tarde viria a justificar a ação contra Suleimani. O assassinato do general foi a ação mais radical dentro desse novo princípio.

É fato que a economia iraniana se encontra em um de seus momentos mais difíceis. Tem petróleo, mas não tem como negociá-lo com os europeus, por exemplo, pois as transações financeiras estão incluídas nas sanções americanas. Apesar de itens como alimentos e remédios não fazerem parte da lista de produtos que não podem ser negociados, empresas desses setores temem sofrer retaliações, se fizerem negócios com os iranianos. Ao mesmo tempo, sabe-se que, em ano eleitoral americano, a carta da ameaça externa é um coringa para o candidato à reeleição. Donald Trump já teria usado essa carta, o assassinato de Suleimani, para tirar o protagonismo na imprensa do processo de impeachment que sofria. Resta saber se o regime iraniano terá fôlego para aguentar mais alguns anos de pressão americana.

 

* Isabelle C. Somma de Castro é bolsista Fapesp de pós-doutorado no Departamento de Ciência Política da USP e pesquisadora do Núcleo de Pesquisas em Relações Internacionais (Nupri-USP). Faz parte do Grupo de Pesquisa Tríplice Fronteira e Relações Internacionais (GTF/Unila) e do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Estudos sobre os Estados Unidos (INCT-INEU). Foi Visiting Scholar 2018-2019 no Arnold A. Saltzman Institute of War and Peace Studies, Universidade de Columbia, com bolsa Fapesp.

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