Vitória democrata na Câmara, alta participação e diversidade marcam midterms
por Tatiana Teixeira
Não foi um tsunami, como os democratas esperavam. A onda azul se espalhou apenas pela Câmara de Representantes – e de forma relativamente moderada, se pensarmos em termos históricos. No Senado, os republicanos mantiveram o controle, um ganho para o presidente Donald Trump, já que é comum o partido da situação perder esta Casa nas midterms. Isso significa que os democratas continuarão sem poder suficiente para bloquear nomeações importantes do governo, especialmente de juízes (conservadores) para a Suprema Corte.
E, embora os democratas tenham prometido investigar cada detalhe da atual administração, promovendo mais audiências em comitês-chave, é improvável que um movimento pró-impeachment de Trump ganhe força no curto prazo. Um processo desses dificilmente alcançaria, no Senado, os dois terços necessários para chegar à destituição do presidente, não compensando o potencial desgaste político para os adversários e mesmo para correligionários dissidentes.
Em entrevista coletiva após as eleições, o presidente Trump celebrou o resultado no Senado como uma vitória pessoal, que “desafiou a história”, e ameaçou a nova maioria democrata na Câmara, caso decida insistir nas investigações contra ele e contra seu governo.
Avanço democrata
Até o momento, os números ficam assim. Na Câmara, das 435 cadeiras em disputa, os democratas levaram 232, e o GOP, 199. No Senado, por enquanto, os democratas conquistaram 47 vagas (incluídas as dos independentes), e os republicanos, 52, uma maioria menos frágil que traz algum alívio para os últimos dois anos de gestão Trump. Nesta Casa, alguns dos estados mais competitivos eram majoritariamente rurais, áreas ainda de maior penetração republicana. Dos 50 estados da federação, 36 governos estaduais estavam em disputa e, agora, 23 ficarão com democratas, e 27, com republicanos. Dois estados cruciais para 2020, Flórida e Ohio ficaram com os republicanos. Indiana, Missouri, Tennessee, Dakota do Norte e Texas também. Perdidos nas eleições de 2016, Michigan, Wisconsin e Pensilvânia voltaram para mãos democratas no Senado e no governo estadual.
Nos Estados Unidos, a totalidade dos 435 membros da Câmara de Representantes é eleita a cada dois anos. Cada estado elege um número de representantes proporcional à sua densidade populacional. No Senado, que conta com 100 cadeiras, são eleitos dois senadores para cada estado, independentemente do número de habitantes. O mandato se renova a cada seis anos.
Diversidade
É bastante expressivo que o Congresso que sai das urnas na eleição de 6 de novembro de 2018 seja uma instituição com perfil mais diverso em termos de faixa etária (mais políticos mais jovens), raça e/ou etnia (uma amostra mais representativa da população será vista nesta Casa, de acordo com as distinções feitas pelo censo norte-americano), de agendas (mais e novos temas) e de gênero (mulheres e LGBTs), tornando-se o mais feminino da história dos EUA. Também marcante nestas midterms é a clivagem cada vez mais clara nas preferências de voto entre as comunidades rurais e os grandes centros urbanos e subúrbios mais ricos. Outros pontos foram uma maior participação dos eleitores, especialmente progressistas, mulheres, jovens e afro-americanos, e uma guinada democrata à esquerda, em reação ao fator Trump e em meio a um cenário político extremamente polarizado.
‘O Ano das Mulheres’
Pelo menos 117 mulheres foram eleitas para o Congresso e, destas, apenas 17 são republicanas. Elas se somarão às dez senadoras (seis democratas e quatro republicanas) que já estão no Capitólio e não disputaram o cargo este ano. Não foram apenas mais mulheres na corrida eleitoral, como também mais mulheres democratas, mantendo uma tendência histórica. Segundo o Center for American Women and Politics, 63% das mulheres que disputaram primárias para o Senado e para a Câmara de 1992 a 2018 eram democratas. Em 1992, quando se falou pela primeira vez no “Ano da Mulher” legislativo, um número inédito de 54 mulheres foi eleito.
A presença de mais mulheres progressistas na Câmara é um fenômeno que ganha relevo em um contexto de endurecimento da Suprema Corte, que acaba de ver sua balança pender para o conservadorismo com a chegada do juiz Brett Kavanaugh.
Um dos exemplos notórios de 2018 é Alexandria Ocasio-Cortez (D-NY), americana de origem porto-riquenha de 29 anos que fez história ao ser a mais jovem representante a entrar na Casa, após derrotar Joe Crowley, um veterano da política, nas prévias do partido. Também muito simbólico, Rashida Tlaib (D-MI) e Ilhan Omar (DFL-MN) serão as primeiras muçulmanas na Câmara, enquanto as democratas Deb Haaland (D-NM) e Sharice Davids (D-KS) serão as primeiras indígenas eleitas para o Congresso. Com Ayanna Pressley, Massachusetts será pela primeira vez representado por uma mulher negra no Congresso, e a republicana Marsha Blackburn será a primeira senadora pelo Tennessee. Já Veronica Escobar e Sylvia Garcia serão as primeiras latinas a representar o Texas na Câmara, um estado com quase 40% da população de origem hispânica.
Mesmo no caso daquelas que foram derrotadas, como as senadoras democratas Heidi Heitkamp (D-ND) e Claire McCaskill (D-MO), a democrata transgênero Christine Hallquist, de Vermont, ou a democrata afro-americana Stacey Abrams, da Geórgia, ter vencido as respectivas primárias do partido para disputar as eleições já sinaliza uma importante abertura e mudança sociopolítica no país.
Aumento e constância na participação dos progressistas
As midterms 2018 teriam registrado o mais alto nível de comparecimento em um século para uma eleição deste tipo, com pelo menos 49,3% de participação dos eleitores autorizados, ou seja, cerca de 116 milhões de pessoas. Interrompe, assim, uma tendência das últimas duas eleições. Em 2010, esse índice foi de 41,8% e, em 2014, de 36,7%, o mais baixo em 72 anos. Em pelo menos cinco estados, a participação eleitoral foi de mais de 60%: Minnesota (64,3%), Colorado (62,7%), Montana (62,1%), Oregon (61,5%) e Wisconsin (61,2%). Os números definitivos de todos os 50 estados devem ser divulgados oficialmente no início do ano que vem.
De acordo com o relatório Hidden Tribes, um projeto de pesquisa da iniciativa More in Common, mais do que a mudança no voto, portanto, o que explicaria os resultados destas midterms seria o maior índice de participação dos ativistas progressistas e dos liberais tradicionais em relação aos conservadores em geral (à exceção dos conservadores dedicados, mais engajados na política). Enquanto os primeiros mantiveram (ou aumentaram) o nível de 2016, os últimos apresentaram uma queda. As três “tribos” citadas são as que têm visões e opiniões políticas mais rígidas – pouco afeitas, portanto, a mudar de lado – e são, ao mesmo tempo, as mais ativas no processo político. Digno de nota, o grupo que o estudo identifica como liberais passivos teve uma alta participação, o que, em geral, não costuma acontecer, sobretudo nas midterms.
Eleitores e agendas
Com eleitores em geral favoráveis a um maior controle de armas, à maior regulação ambiental e a cortes nos impostos, por exemplo, os democratas tiveram melhor desempenho nos subúrbios mais ricos e em regiões com uma população de maior nível educacional e de perfil mais diverso, onde a ex-senadora e ex-candidata à presidência Hillary Clinton já havia registrado votação expressiva em 2016, mas também em áreas metropolitanas mais conservadoras. Nesta eleição, brancos moderados, jovens liberais, mulheres, afro-americanos, latinos e americanos de origem asiática convergiram para os democratas em seu voto para a Câmara de Representantes, esvaziando alguns distritos historicamente republicanos.
E, além de manter a tendência de avanço entre jovens e minorias, os democratas avançaram no Sunbelt, cinturão de estados historicamente republicanos, que inclui Flórida, Geórgia, Carolina do Sul, Alabama, Mississippi, Louisiana, Texas, Novo México, Arizona e partes da Califórnia, Arkansas, Carolina do Norte, Oklahoma e Nevada. Os democratas começam a se animar para 2020.
No Arizona, por exemplo, estado que aderiu amplamente a Trump em 2016, a representante Kyrsten Sinema se tornou a primeira democrata a vencer a corrida para o Senado desde 1988, enquanto a representante democrata Jacky Rosen foi eleita para o Senado por Nevada. Ambas defenderam o Obamacare em suas plataformas de campanha. Também em Nevada Steve Sisolak é o primeiro governador eleito em quase 25 anos. Texas é um dos estados republicanos que vêm sofrendo uma mudança em seu perfil demográfico. Com uma participação recorde nas urnas, o republicano Ted Cruz quase foi derrotado por Beto O’Rourke, que teve seu nome incluído na lista de democratas presidenciáveis para 2020.
No Senado, as vitórias dos republicanos vieram de redutos conservadores, em especial dos evangélicos brancos, onde a aprovação do presidente Donald Trump se manteve estável, ou aumentou, desde sua vitória em 2016. Foi nas disputas para esta Casa, aliás, que o presidente concentrou suas forças durante a campanha. Um movimento estratégico para alguém que vê o cerco se apertar nas investigações sobre o Russiagate, ou sobre as finanças de Trump, por exemplo.
De um lado, democratas insistiram em questões como saúde e abordaram pautas mais progressistas como mudança climática e o fim do débito estudantil. Do outro, os republicanos se concentraram em temas como imigração, segurança na fronteira, ou aborto. Muitos senadores foram inclusive eleitos com a bandeira pró-vida, como Josh Hawley, no Missouri; Mike Braun, em Indiana; e Kevin Cramer, na Dakota do Norte. No nível estadual, Iowa, Flórida, Geórgia e Ohio elegeram governadores contrários ao direito à prática do aborto. No Alabama e na Virgínia Ocidental, os eleitores aprovaram referendos com o objetivo de limitar essa prática e desafiar legalmente a jurisprudência estabelecida no caso Roe v. Wade.
Mudanças no gabinete
Depois do resultado das midterms, o presidente Donald Trump anunciou que fará mudanças em sua equipe. “Tenho três, ou quatro, ou cinco posições em que estou pensando. Dessas, talvez terminem sendo duas. Mas eu preciso de flexibilidade”, disse o empresário em entrevista recente à Fox News. Entre eles, estariam a secretária de Segurança Interna, Kirstjen Nielsen, e o chefe de gabinete da Casa Branca, John Kelly. No caso de Kirstjen, o presidente tem deixado clara sua insatisfação na questão da fronteira com o México.
A primeira baixa já aconteceu. Um dia depois das eleições, Trump demitiu o procurador-geral, Jeff Sessions, que vinha sendo fritado há meses. A surpresa não foi sua demissão, mas o longo tempo que conseguiu permanecer no cargo, apesar dos bombardeios do presidente. O escolhido de Trump para a pasta é Matthew Whitaker, um republicano leal, que conta com forte oposição democrata.