O acordo inesperado de Jean-Claude Juncker
Como o Presidente da Comissão Europeia conquistou Trump
Nesta semana, Washington e Bruxelas fizeram um acordo inesperado para elevar impostos no conflito tarifário entre os Estados Unidos e a União Europeia. O movimento representa uma vitória para todos os lados, mas especialmente para o acuado presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker.
por Peter Müller e Christian Reiermann
Traduzido do Spiegel Online*
Como, então, ele conseguiu garantir um acordo com Donald Trump que ninguém pensou ser possível? Jean-Claude Juncker se viu sentado em uma sala de reunião sem quaisquer enfeites em um think tank de Washington, onde refletiu sobre as horas que acabara de passar na Casa Branca. Ele parecia visivelmente exausto, mas estava de bom humor. “Eu fiz isso”, disse ele.
Ele passou mais de duas horas negociando com Trump antes de finalmente chegar a um acordo que foi recebido com alívio tanto na União Europeia quanto nos Estados Unidos. Trump disse que não irá mais impor tarifas punitivas aos carros europeus – pelo menos por enquanto. Em troca, os europeus manifestaram disposição de comprar mais gás liquefeito de petróleo e soja dos Estados Unidos e, entre outras coisas, a discutir como as tarifas sobre outros bens podem ser abolidas. O presidente concordou que não haverá mais tarifas adicionais, anunciou Juncker com orgulho, e que aquelas já existentes sobre carros não seriam aumentadas.
É claro que ainda é cedo para dizer quanto tempo esse acordo irá durar. Muitos temem que bastará um tuíte desagradável de Trump para que tudo seja desfeito. Além disso, há a questão de que esse acordo não resolve todos os outros problemas que os europeus têm com esse presidente americano imprevisível. Alguém que, pelo menos por enquanto, parece pronto para aceitar uma espécie de trégua no conflito comercial, mas que ainda quer abolir a OTAN, ameaça o Irã e desdenha a mudança climática como sendo um absurdo disseminado amplamente pelos europeus.
Um cessar-fogo na guerra comercial
No entanto, foi Juncker quem, entre todos, conseguiu dar um jeito naquilo que Angela Merkel e Emmanuel Macron falharam – colocar um freio em Trump. Uma escalada da guerra comercial, que ameaçaria cerca de 15 milhões de empregos em ambos os lados do Atlântico e reduziria o PIB global em muitas centenas de bilhões de euros, está descartada por enquanto. O ministro das Relações Exteriores da Alemanha, Heiko Maas, evidentemente satisfeito, disse que a base de Trump teria aparentemente compreendido que “os agricultores do Meio-Oeste e os trabalhadores do Cinturão da Ferrugem (Rust Belt) seriam os que perderiam” em uma guerra comercial.
Juncker havia sido alvo de deboches e ridicularizado pouco antes de sua viagem a Washington. Vídeos mostrando Juncker cambaleando a caminho do jantar na cúpula da OTAN em meados de julho e tendo que ser amparado por outros líderes da União Europeia para evitar que caísse estavam em circulação. Populistas de extrema direita por toda a Europa se divertiram com as imagens de um presidente da Comissão Europeia supostamente bêbado. Juncker alegou que estava com problemas para andar naquele dia, devido a problemas nas costas e a dores no nervo ciático. A questão levantada por muitos em Bruxelas antes de sua viagem a Washington não era se Juncker poderia alcançar resultados concretos, mas se ele teria as mínimas condições para fazer uma viagem tão dura.
Ninguém esperava que ele retornasse trazendo um acordo com Trump na bagagem. E por que seria diferente? Mesmo recentemente, na cúpula da OTAN em meados de julho, o presidente dos Estados Unidos assegurou aos líderes da União Europeia, com sua maneira peculiar, que as sobretaxas sobre os carros europeus estavam sem sombra de dúvida para ocorrer – e que poderiam ser esperadas para antes das eleições parlamentares norte-americanas de novembro, descritas por ele como sendo a “coisa mais importante”.
Mas então interveio um homem que pouco havia aparecido no radar dos europeus até então – o conselheiro econômico de Trump, Larry Kudlow, que se juntou pela primeira vez à equipe do presidente na Casa Branca nesta primavera. Depois de meses com a Casa Branca usando metáforas de guerra, o ex-âncora de TV de Nova Jersey intencionalmente falou sobre o conflito. Depois de quase nenhum progresso com o secretário do Comércio, Wilbur Ross, e com o responsável pelo Escritório do Representante de Comércio dos Estados Unidos, Robert Lighthizer, os europeus tentaram sorte melhor com Kudlow.
Um dia antes de seu encontro com Trump, Juncker enviou Martin Selmayr, secretário-geral da Comissão Europeia, para se encontrar com Kudlow. Em um hotel em Washington, os dois escreveram alguns parágrafos sobre seus pontos de convergência. Estes foram os pilares do acordo posterior.
Quando chegou à Casa Branca na tarde de quarta-feira, Juncker ainda não sabia se o presidente gostava, ou não, do plano. Esse é um padrão típico de Trump, que frequentemente acaba seguindo a opinião do último conselheiro com quem conversou. Para os europeus, havia dúvidas se essa pessoa teria sido o conselheiro econômico Kudlow, ou um linha-dura como o secretário de Comércio Ross.
A comissária europeia para o Comércio, Cecilia Malmström, havia conversado naquela manhã com seu equivalente norte-americano, Lighthizer, mas não conseguiu nenhuma pista. Pelo contrário: a equipe de Juncker tinha a sensação de que o representante comercial de Trump não sabia sobre o papel de Kudlow na história.
Não mais do que uma promessa
As conversas no Salão Oval fluíram bem pelos primeiros 40 minutos e foi só depois que outras pessoas se juntaram que o clima esfriou. A equipe comercial de Trump, liderada por Lighthizer e Ross, insistiu que os europeus tomassem medidas adicionais para abrir seu mercado agrícola. Mas Juncker resistiu, argumentando que os europeus não queriam uma repetição dos debates que acompanharam as primeiras negociações fracassadas sobre a criação de um acordo de livre-comércio entre a União Europeia e os Estados Unidos, incluindo as discussões sobre o tratamento com cloro das carnes de ave e alimentos geneticamente modificados.
No final, os americanos não receberam nada além da promessa de que a União Europeia compraria mais soja no futuro, um gesto que Trump imediatamente divulgou à imprensa como uma grande vitória para os agricultores do Meio-Oeste.
No final, foi o próprio Trump que pressionou pelo acordo – e isso foi fundamental. Quando um de seus assessores interveio na conversa com um detalhe qualquer, Trump perguntou por que ele estava tão excitado. Trump, evidentemente, queria o acordo.
As repercussões na mídia sobre o encontro de Trump com Vladimir Putin em Helsinque também foram desastrosas nos Estados Unidos. E seus próprios eleitores estão começando a sofrer por causa dos conflitos comerciais com a China e a União Europeia. As tarifas impostas por Bruxelas como uma resposta à sobretaxa de Trump sobre o aço europeu, tais como as aplicadas em motocicletas, uísque Bourbon e manteiga de amendoim, tiveram consequências. Produtos agrícolas com dificuldade de escoamento começaram a se acumular nos armazéns frigoríficos do país e rumores sobre cortes de empregos também surgiram. A pressão das empresas afetadas foi imediatamente repassada a Trump e outros políticos republicanos.
A conexão de Juncker com Trump
Juncker também conseguiu estabelecer, em suas reuniões recentes, um relacionamento com o imprevisível presidente norte-americano. Em seus discursos, Juncker fez uso seletivo de termos que Trump gosta de usar, como “gás líquido”, por exemplo, ou “grãos de soja”. Ele também usou mensagens simples e pictóricas por causa da conhecida atenção curta de Trump. Na cúpula do G-7 no Canadá, no início de junho, em vez de falar sobre a importância das relações transatlânticas, Juncker contou a Trump sobre seu pai, que havia sido recrutado à força pelas forças alemãs e libertado de um campo de concentração pelo americanos após a Segunda Guerra Mundial.
Em última análise, o resultado da reunião de Washington acabou por ser uma vitória dos moderados na União Europeia sobre os que defendem uma política comercial mais linha-dura contra os Estados Unidos, especialmente na França. Pouco antes da visita de Juncker, o ministro francês das Finanças, Bruno Le Maire, declarou: “Estamos no meio de uma guerra comercial”. Ele se recusou a discutir qualquer redução nas tarifas até que os Estados Unidos retirassem as sobretaxas. “Nós nos recusamos a negociar com uma arma apontada para nossas cabeças”, ele disse recentemente.
Mas os franceses foram incapazes de impor sua política de endurecimento porque a maioria dos outros países da União Europeia se alinhou com a posição alemã, particularmente aqueles com uma forte indústria automotiva – Itália, Espanha, Suécia e Polônia e, posteriormente, República Tcheca e Eslováquia. Consequentemente, o pedido francês por mais esclarecimentos é passível de fracassar simplesmente.
Os europeus adotaram a velha doutrina da OTAN de “resposta flexível”, que pressupõe uma variedade de possíveis respostas aos ataques de seus oponentes. Durante a Guerra Fria, isso significava retaliar de maneira razoável os ataques inimigos, deixando a porta aberta para conversas e negociações posteriores. A doutrina foi originalmente concebida pelos generais americanos, mas agora possibilitou o sucesso dos europeus.
Um golpe para Juncker
Juncker também saiu claramente vencedor. Até recentemente, muitos o consideravam a personificação da crise que atinge a União Europeia. Juncker se mostrou incapaz de impedir o Brexit, ou de conter o avanço dos populistas de extrema direita em toda a Europa. Ele também havia se tornado uma fonte de irritação na Alemanha, onde as pessoas sentiam que ele costumava tomar o partido dos países do sul da Europa e se aborreciam com seus comentários frequentes de que a insistência alemã para que os outros países da União Europeia aderissem às regras e contratos era uma espécie de equívoco. Mas as dúvidas sobre se Juncker ainda seria adequado para sua função se dissiparam – ao menos por enquanto.
Para Juncker, os desenvolvimentos desta semana são um alívio, porque é muito possível que o presidente da Comissão permaneça no cargo por muito mais tempo do que se pensava inicialmente. Espera-se que os líderes da União Europeia comecem a procurar um novo presidente da Comissão após as eleições para o Parlamento Europeu na próxima primavera. O próprio Juncker já disse não ter intenção de concorrer para outro mandato.
Mas muitos em Bruxelas esperam um resultado apertado nas eleições parlamentares, o que pode dificultar que os líderes da União Europeia cheguem a um consenso sobre um candidato comum para chefiar a Comissão Europeia, que é o órgão executivo da organização. Juncker teria, então, de continuar como presidente da Comissão até que fosse encontrado um sucessor aceitável, o que implica a continuação de suas negociações comerciais com Trump.
De acordo com o plano, grupos de trabalho discutirão as questões, mas nenhum acordo deve ser esperado antes das próximas eleições para o Congresso dos Estados Unidos. Além disso, nenhuma negociação séria pode começar até que a Comissão seja legitimada pelos Estados-membros e pelo Parlamento Europeu. É precisamente nesse órgão da União Europeia que se espera que o acordo com Washington enfrente seu exame mais minucioso. “Nenhum acordo será feito sob pressão e não haverá precipitação”, disse Bernd Lange, do Partido Social Democrata, de centro-esquerda, que preside o Comitê de Comércio Exterior no Parlamento Europeu. “As tarifas protecionistas ilegais precisam ser eliminadas definitivamente”, disse ele.
Enquanto os técnicos e especialistas se concentravam nos detalhes do acordo em Washington, Trump e Juncker se preocupavam com questões de relações públicas. Ao mesmo tempo que seus assessores continuavam a trabalhar no texto final, em conversa privada com Juncker, Trump se ofereceu para anunciar o acordo como sendo um grande feito. De fato, era mais do que esperado que o presidente dos Estados Unidos desse um show de solidariedade no famoso Jardim das Rosas da Casa Branca.
Mas Juncker também ficou feliz pelo anúncio em alto estilo – pois ele precisava dessas imagens em sua própria casa. Vamos sair e conversar com os jornalistas, Trump lhe disse. E assim eles foram.
Tradução por Solange Reis
*Artigo originalmente publicado em 27/07/2018, em http://www.spiegel.de/international/world/how-the-jean-claude-juncker-won-over-donald-trump-a-1220466.html