Trump quer uma Força Espacial. Ele não vai conseguir
Michael Byers ocupa o cargo de diretor de pesquisa do Canadá em política global e direito internacional na Universidade de British Columbia.
por Michael Byers
Traduzido do The Global and Mail*
“Nós teremos a Força Aérea e a Força Espacial – separadas, mas iguais. Vai ser uma coisa tão importante”.
Donald Trump surpreendeu sua equipe em uma conferência de imprensa nesta semana, instruindo verbalmente o Pentágono a criar uma nova filial dos militares dos Estados Unidos.
Não ficou claro o que o presidente imagina que seja uma força espacial. Talvez tropas de assalto imperiais, marchando pelo National Mall como parte de um desfile militar?
O que está claro é que nenhuma Força Espacial será realmente criada. O Pentágono não quer uma, o Congresso não quer que ele tenha uma e a diretriz escrita que Trump assinou na coletiva de imprensa não menciona uma força espacial. Em vez disso, compromete os Estados Unidos com uma política bem diferente.
Essa política é exercitar a contenção estratégica no espaço, porque todos que entendem esse domínio – de generais dos Estados Unidos a empreiteiros de defesa e empresas privadas de satélites -, ficam aterrorizados com o risco do lixo especial.
À primeira vista, os satélites podem parecer alvos tentadores. As Forças Armadas os usam para reconhecimento, comunicações, direcionamento de alta precisão e operação de drones e caças de “quinta geração”. Destruir alguns satélites poderia desabilitar todas as forças armadas de um inimigo.
Durante a Guerra Fria, vários tipos de armas anti-satélite foram desenvolvidas, incluindo mísseis terrestres e satélites “assassinos” instalados no espaço, que poderiam ser direcionados para impactos de alta velocidade.
O problema com essas armas é que um único ataque pode criar milhares de fragmentos. Essas peças orbitam a Terra a velocidades de até 28.000 quilômetros por hora, com velocidades relativas – em relação a outros satélites – de até o dobro disso.
Peças maiores podem ser rastreadas por radar terrestre, permitindo manobras. A Estação Espacial Internacional foi empurrada para fora do caminho de detritos em pelo menos 20 ocasiões. Mas até mesmo uma minúscula mancha de tinta pode ser fatal em velocidades tão altas.
Em 2007, a China testou um míssil contra um satélite extinto. O impacto criou aproximadamente 35.000 fragmentos de detritos com mais de um centímetro, além de incontáveis peças menores. Seis anos depois, uma dessas peças destruiu um satélite russo.
A maior preocupação é que os detritos resultantes de uma colisão aumentam o risco de novas colisões e, portanto, mais detritos, e assim por diante. Chamada de “síndrome de Kessler”, segundo o cientista da NASA que identificou o risco pela primeira vez, os detritos espaciais podem tornar órbitas importantes inseguras para satélites durante séculos.
Resíduos espaciais ameaçam literalmente trilhões de dólares de investimentos em satélites militares e equipamentos terrestres relacionados. Sistemas inteiros de armas, incluindo o caça F-35, podem ficar comprometidos.
De fato, civis em toda parte dependem de satélites para previsão do tempo, sistemas de posicionamento global, comunicações de aeronaves e navios, serviços financeiros, agricultura, silvicultura, pesca, ciência ambiental, busca e resgate e socorro em desastres. Mesmo um conflito limitado no espaço poderia ter enormes consequências para a economia, o fornecimento de alimentos e a segurança humana.
O risco de detritos no espaço é tão sério que os países mudaram a forma como se comportam no espaço. Desde 2007, nenhuma arma anti-satélite foi testada de maneira a gerar detritos espaciais. Em 2008, quando os Estados Unidos destruíram um satélite defeituoso que estava voltando para a Terra com uma grande quantidade de combustível propulsor tóxico a bordo, esperaram até que o satélite atingisse uma altitude muito baixa, na qual não geraria detritos espaciais.
Os Estados Unidos, a Rússia e a China redirecionaram suas pesquisas de armas anti-satélite para métodos “não cinéticos”, como lasers, bloqueadores e ciberataques, nenhum dos quais criam lixo espacial. Eles também estão pesquisando métodos para reduzir e remover detritos espaciais. A Agência Espacial Europeia está estudando como tirar de órbita satélites abandonados, inclusive com espaçonaves especiais que poderiam capturar os satélites com uma rede ou braço robótico e guiá-los para a reentrada atmosférica. A NASA tem projetos de pesquisa semelhantes. Em 2016, a China chegou ao ponto de lançar a nave espacial Aolong-1, projetada para coletar detritos espaciais.
Os Estados Unidos, a Rússia e a China também introduziram regulamentações sobre a prevenção de lixo espacial em seus sistemas legais internos; regulamentos que vinculam agências espaciais nacionais, bem como empresas privadas.
A posição do Pentágono foi expressa pelo general John Hyten, o chefe do Comando Estratégico dos EUA: “Cinético (armamento anti-satélite) é horrível para o mundo… para mim, o que não pode é haver escombros. Faça o que fizer, não crie detritos.”
A diretriz que Trump assinou nesta semana reafirma esta política de restrição estratégica. Ela direciona os Departamentos e agências federais dos Estados Unidos a cooperarem com outros países no monitoramento de lixo espacial, no desenvolvimento de novas tecnologias para evitar detritos espaciais e na criação de novas regras domésticas e internacionais.
Donald Trump quer uma Força Espacial, mas ele não vai conseguir uma. Esta semana, numa cena que poderia ter vindo do Monty Python, um presidente sem noção se gabava de suas intenções dramáticas e desestabilizadoras – enquanto assinava um documento que as contradizia e, portanto, as bloqueava.
Tradução por Solange Reis
* Artigo originalmente publicado em 22/06/2018, em https://www.theglobeandmail.com/opinion/article-trump-wants-a-space-force-he-wont-get-one/