China e Rússia

Como a China poderia atingir os Estados Unidos no ponto fraco

Esqueça as tarifas. Pequim pode usar táticas como boicote de consumidores para aumentar a pressão sobre empresas norte-americanas.

por Adam Behsudi e Doug Palmer

Traduzido do Politico*

A China sabe como lutar uma guerra comercial – e tem quase 1,4 bilhão de pessoas para ajudar.

Quando ficou contrariada com a decisão sul-coreana de lançar um sistema de mísseis dos Estados Unidos no ano passado, Pequim aumentou a pressão usando uma ferramenta extraída do manual dos consumidores ativistas ocidentais: boicote de consumo.

Uma série de boicotes encorajados pelo governo fez com que as vendas da sul-coreana Hyundai na China caíssem em mais da metade, diminuíram o fluxo turístico chinês em mais de 60% e fecharam temporariamente 55 supermercados na China administrados pela grande varejista coreana Lotte.

À medida que o governo Trump aumenta a disputa comercial com a China, os Estados Unidos devem esperar a mesma coisa. Seja encorajando os consumidores chineses a desistir de Big Macs, ou tornando mais difícil para as empresas americanas abrirem contas bancárias, Pequim poderia contar com várias táticas que funcionaram bem em negociações anteriores para aumentar a pressão sobre as empresas norte-americanas que querem um pedaço do mercado maciço e lucrativo da China.

As principais empresas dos Estados Unidos amarraram sua sorte futura ao mercado chinês, com uma classe média em expansão e rendimentos crescentes. O investimento dos Estados Unidos na China quase dobrou nos seis anos entre 2009 e 2015, e representa um mercado de US$ 550 bilhões para bens e serviços americanos.

“Pode ficar bem feio”, disse Deborah Elms, fundadora do Asian Trade Center, consultoria comercial sediada em Cingapura. “O cenário de pesadelo para as empresas pode até nem envolver o governo. O que acontece se os consumidores chineses começarem a boicotar produtos americanos? Parar de beber no Starbucks? De querer iPhones?

“De vez em quando, o governo pode facilmente pedir inspeções alfandegárias mais cuidadosas, examinar a documentação mais devagar e aplicar uma miríade de regras burocráticas que nunca são usadas.”

A resposta da China às ameaças tarifárias do presidente Donald Trump, que agora somam mais de US$ 250 bilhões em produtos chineses, até agora só põem em risco as tarifas sobre importações de soja, aviões e outros produtos dos Estados Unidos. Porém, tendo muito menos impostos sobre importações dos Estados Unidos, em comparação com o que os americanos podem ter como alvo, Pequim conseguiria exercer influência de outras maneiras – algumas das quais com potencial para impor ainda mais sofrimento às empresas dos Estados Unidos.

O governo poderia simplesmente dar o sinal de que gostaria que os consumidores chineses “parassem de comprar no KFC ou de comprar quaisquer produtos americanos”, disse Bill Reinsch, consultor sênior do Center for Strategic and International Studies.

Isso poderia prejudicar os planos da Starbucks de dobrar as 3.300 lojas que já possui na China, que representa um crescimento de quase 8% no mercado geral no país no último trimestre, e inviabilizar quaisquer metas de planos de negócios das empresas norte-americanas.

“As empresas automobilísticas, Ford e GM, são particularmente vulneráveis”, acrescentou uma autoridade da indústria, embora qualquer movimento contra as empresas americanas também prejudique seus parceiros chineses na joint venture.

Os reguladores chineses também podem dificultar a vida dessas empresas por meio de leis antimonopólio e contrainteligência, que lhes dão amplo poder sobre as operações das companhias. Eles podem invalidar patentes ou emitir licenças compulsórias, permitindo a produção genérica de produtos farmacêuticos.

Na mesma linha, a China poderia tentar interferir nas cadeias de suprimentos das empresas americanas de forma a interromper as remessas para os Estados Unidos, disse Reinsch. No caso dos iPhones da Apple, isso poderia envolver a inspeção das instalações de produção da Foxconn e a descoberta de violações que justificassem sua desativação por três meses, disse ele.

Pequim também poderia aumentar o escrutínio fiscal sobre os lucros das empresas norte-americanas na China.

“A China poderia basicamente bloquear as remessas corporativas, ou o que eles também poderiam fazer é alegar que as empresas americanas são responsáveis ​​por impostos na China”, disse Hosuk Lee-Makiyama, diretor do European Center for International Political Economy, um think tank em Bruxelas.

O governo também poderia fazer mudanças pouco perceptíveis que teriam grande impacto nos negócios do dia-a-dia.

“Quando você se tornasse cliente de um banco como funcionário de uma empresa estrangeira ou norte-americana, poderia experimentar pequenas mudanças regulatórias, apenas em termos de como a sua conta é administrada”, disse Karla Klingner, CEO da Palindromes, Inc., uma holding que faz negócios nos setores de agricultura e logística na China.

Klingner falou que já viu evidências de pequenas mudanças no sistema bancário em Xangai, onde ela está baseada.

A Casa Branca disse estar preparada para ver a China retaliar além da simples imposição de tarifas, mas deu garantias apenas genéricas para as empresas norte-americanas, na terça-feira, dizendo que a China tem mais a perder numa guerra comercial.

“Este presidente vai apoiar os americanos, estejam eles aqui, em uma fazenda em Iowa, ou tentando operar em Xangai”, disse a repórteres o assessor de comércio da Casa Branca, Peter Navarro.

O U.S.-China Business Council, que representa empresas americanas que fazem negócios na China, disse que o mercado é realmente muito maior do que só os US$ 130 bilhões em exportações de bens nos quais o governo Trump parece focar. As empresas norte-americanas também exportaram cerca de US$ 60 bilhões em serviços para a China no ano passado e US$ 40 bilhões em mercadorias para Hong Kong, muitas dos quais acabam chegando na China.

Além disso, empresas americanas com operações na China vendem centenas de bilhões de dólares em bens e serviços para seus clientes chineses. Somando isso tudo, a China representa um mercado de US$ 550 bilhões para as empresas americanas, disse Erin Ennis, vice-presidente sênior do Conselho Empresarial dos EUA.

“Há uma série de maneiras pelas quais a China pode apertar”, disse Ennis. “O licenciamento pode começar a ser desacelerado. As empresas podem enfrentar níveis mais altos de escrutínio de seus produtos nos portos de chegada”.

A China também pode abrir seletivamente seu mercado em certas áreas para firmas da União Europeia ou do Japão, mas excluir os Estados Unidos, acrescentou.

Mas Ennis rejeitou a premissa de que a China poderia “vencer” uma guerra comercial contra os Estados Unidos, porque “todo mundo perde nesse cenário”. Uma prolongada disputa comercial entre as duas maiores economias do mundo pode reduzir alguns pontos percentuais de crescimento, disse.

Mas outros alertaram que a China pode não querer ser vista como exagerada na reação e desrespeitando as regras do comércio internacional.

Até agora, Pequim prometeu uma resposta estritamente proporcional, advertindo, na segunda-feira, que adotaria “medidas abrangentes combinando quantidade e qualidade”, em contrapartida à mais recente ameaça tarifária da Trump.

“Acho que a China ainda tem interesse em tentar ser vista como seguidora das regras”, disse Edward Alden, membro sênior do Council on Foreign Relations. “As respostas proporcionais facilitam o argumento de que você age dentro do espírito das regras da Organização Mundial do Comércio”.

As empresas americanas têm consciência de que as tarifas são apenas uma forma de a China retaliar, disse Rufus Yerxa, ex-funcionário comercial dos Estados Unidos, que agora serve como presidente do National Foreign Trade Council (NFTC).

Na terça-feira, em uma reunião com o conselho administrativo do NFTC – que inclui empresas como Walmart, Coca-Cola e Facebook -, havia uma “preocupação significativa” por parte de vários membros de que Pequim poderia atacar “tornando a vida miserável para empresas americanas operando na China”, disse.

“O que os chineses farão quando retaliarem? Eles vão dizer que podem facilmente tirar uma empresa dos Estados Unidos de lá porque têm uma empresa japonesa, coreana ou europeia pronta para entrar e fazer o mesmo tipo de negócio”, disse. “Acho que esse é um cenário muito plausível de como as coisas são feitas”.

 

Tradução por Solange Reis

*Artigo originalmente publicado em 20/06/2018, em https://www.politico.com/story/2018/06/20/china-trade-tariff-trump-635413

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