Internacional

A Rússia se insere no jogo da Coreia do Norte

Abe, do Japão, parece ter sido desconsiderado, enquanto Vladimir Putin, da Rússia, se coloca habilmente no espaço da estratégia coreana

 

por M.K. Bhadrakumar

Traduzido do Asia Times

 

Quando se trata da Coreia do Norte, o Japão e a Rússia podem parecer duas “almas perdidas” no nordeste da Ásia, de pé, olhando à margem, enquanto a China, a Coreia do Sul e os Estados Unidos dominam as manchetes.

Os tremores iniciados pelo encontro entre o presidente dos EUA, Donald Trump, e o líder norte-coreano Kim Jong-un, em Cingapura, na terça-feira passada, aumentam a angústia.

Na realidade, a Rússia está muito à frente do Japão. O encontro no Kremlin na quarta-feira entre o presidente russo, Vladimir Putin, e o presidente do Parlamento da Assembleia Suprema da Coreia do Norte, Kim Yong-nam, o segundo homem na hierarquia em Pyongyang, ressalta isso.

Claramente, os dois países vêm mantendo o ritmo nos intercâmbios de alto nível.

Japão fora, Rússia dentro

O Japão, por outro lado, está procurando uma maneira de entrar. Em tese, está alinhado com os EUA no nível da liderança. Mas, nesse caso, Trump é um patrulheiro solitário. O Japão não tem relações diplomáticas com a Coreia do Norte e o desenvolvimento de contatos de alto nível requer esforços prolongados.

Além disso, o primeiro-ministro Shinzo Abe tem sido o defensor mais vigoroso da política de “pressão máxima” em relação à Coreia do Norte. Ele provavelmente exagerou, sem perceber a propensão de Trump para fazer mudanças abruptas. De fato, a mudança nas placas tectônicas esta semana pegou Tóquio de calças curtas. Será necessário dar um passo atrás rapidamente.

Kim deve ser o primeiro a decidir quando, com que urgência ou até mesmo se vai conhecer Abe. É uma situação difícil para Tóquio, porque o Japão é uma parte interessada e a mais vulnerável aos mísseis da Coreia do Norte. Mas com Kim tendo se encontrado duas vezes com o presidente chinês, Xi Jinping, e com o presidente sul-coreano, Moon Jae-in, Abe é o único grande líder regional que ainda não fez contato visual com o homem de destaque em Pyongyang.

Claramente, Kim está priorizando Pequim e Moscou antes de Tóquio. O avião que levava Kim de Cingapura para Pyongyang pousou na viagem de volta no aeroporto de Pequim, e alguém “desembarcou”. E, no encontro do Kremlin, Kim Young-nam entregou a Putin uma carta de seu líder supremo.

Os comentários de Putin sugerem que a visita do ministro das Relações Exteriores, Sergey Lavrov, a Pyongyang, em 31 de maio, injetou dinamismo nos antigos laços entre os dois países.

Os russos convidaram um dignitário de Pyongyang para a cerimônia inaugural da Copa do Mundo da FIFA – embora o time de futebol norte-coreano não tenha se qualificado. Kim Young-nam representou a Coreia do Norte na cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos de Inverno de 2014, em Sochi, e Putin o recebeu novamente pouco antes da cerimônia de gala no Estádio Luzhniki.

Putin lembrou as “antigas e muito boas relações” entre a Rússia e a Coreia do Norte e aproveitou a oportunidade para “saudar e elogiar o resultado da reunião” em Cingapura, na terça-feira, entre Trump e Kim. Disse que este foi “o primeiro passo para um acordo completo” e que a boa vontade das duas lideranças tornou isso possível.

Falou que a reunião cria condições para mais progresso, reduzindo o nível geral de tensão na região. Acrescentou que um grande conflito militar teria um “resultado muito terrível” e, graças à reunião em Cingapura, “um possível cenário negativo foi adiado”. “Agora há perspectivas de se resolver os problemas com meios políticos pacíficos e diplomáticos.

Encontrando Kim – e vendendo gás?

Putin reiterou a cooperação da Rússia e enfatizou sua disposição de “estabelecer laços” para cooperação econômica. Sem dúvida, as propostas russas de longa data para ligar os sistemas ferroviários transiberiano e transcoreano, e para administrar um novo gasoduto do Extremo Oriente russo até a sede da Coreia do Sul através da Coreia do Norte estão no alto da agenda de Putin. Kim Young-nam respondeu que a nova estratégia da Coreia do Norte visa “concentrar todos os seus recursos e esforços na construção econômica”.

Putin também mostrou interesse em uma reunião inicial com Kim Jong-un. Ele sugeriu que o Fórum Econômico do Oriente, em Vladivostok, em setembro, poderia ser uma ocasião para Kim visitar a Rússia, mas acrescentou que uma visita “independente” também é possível.

O tom positivo de tudo isso é evidente.

Se os EUA estão determinados a manter a Rússia fora do processo de paz que se aproxima, Moscou está igualmente determinada a estar presente no centro do palco. Idealmente, a Rússia teria preferido ressuscitar o formato de diálogos de seis partes patrocinado por Pequim, há muito moribundo e que lhe deu espaço e voz na mesa de negociação.

Mas é improvável que isso aconteça, dada a preferência de Trump pela Arte da Negociação – um “acordo bilateral” com Kim, tendo Xi e Moon como facilitadores. Independentemente de qualquer coisa, Trump já anunciou que pretende manter as negociações para um tratado de paz como uma questão entre Coreia do Norte, China, Coreia do Sul e os EUA.

No entanto, é esperado que Moscou desempenhe um papel ativo. Sem nenhuma surpresa, a Rússia enfatiza a “desnuclearização” de toda a Península Coreana, que inclui a futura presença militar dos EUA e uma série de questões relacionadas. Da perspectiva de Kim, a presença da Rússia por si só cria mais espaço para ele negociar. De fato, Moscou é compelida a desempenhar um papel ativo, pois faz fronteira com a Coreia do Norte e qualquer expansão da influência americana naquele país impacta interesses russos vitais.

A integração da Coreia do Norte na região é um modelo-chave do “pivô da Rússia no Oriente”. O desenvolvimento do Extremo Oriente da Rússia depende significativamente do sucesso desse pivô. A reconstrução da Coreia do Norte abre oportunidades de negócios para empresas russas e uma rota de trânsito para o comércio da Rússia com a região Ásia-Pacífico.

Putin tem uma inteligência rara para otimizar a geopolítica, combinando-a com geoeconomia, embora as duas sejam consideradas caminhos fundamentalmente diferentes.

 

Tradução por Solange Reis

Artigo originalmente publicado em 16/06/2018, em http://www.atimes.com/article/russia-inserts-itself-into-north-korea-game/

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