Economia e Finanças

Sobre guerras comerciais, recuos táticos e bases militares

Sabe-se que a semana é estranha para geopolítica quando o Oriente Médio é a história positiva

por Jacob L. Shapiro
Traduzido do Geopolitical Futures*

Uma semana já cheia de acontecimentos na geopolítica terminou com uma onda de atividades. Washington, que já estava inesperadamente feliz com as tarifas, aumentou a aposta novamente, em 31 de maio, quando anunciou que não isentaria mais o Canadá, o México e a União Europeia das tarifas sobre aço e alumínio. O anúncio, que sacudiu os mercados globais, foi recebido com condenação generalizada pelos países visados. A decisão aconteceu apenas um dia depois que o primeiro-ministro japonês, Shinzo Abe, classificou a proposta norte-americana de impor tarifas sobre as importações de veículos japoneses como “incompreensível e inaceitável”. E isso ocorreu somente dois dias depois que a Casa Branca fez um anúncio surpresa sobre, de fato, aplicar uma tarifa de 25% a US$ 50 bilhões em produtos chineses e impor restrições aos investimentos chineses nas indústrias de alta tecnologia dos Estados Unidos.

A conclusão banal e fácil disso tudo é dizer que os ventos de uma guerra comercial sopram com força outra vez. A verdade é menos dramática e mais complicada. A Comissão Europeia, por exemplo, falou sobre a severidade de sua resposta, mas isso é conversa fiada. O atual plano de retaliação da UE é cobrar tarifas sobre US$ 7,5 bilhões em bens, ou apenas 0,5% das exportações norte-americanas. Em todo caso, não há indicação de que o presidente Donald Trump planeje impor tarifas sobre outros bens, nem há evidências sugerindo que ele tenha poder para fazê-lo atualmente. Quanto ao Canadá e ao México, as tarifas são mais um estratagema nas negociações do NAFTA do que o prelúdio para uma guerra comercial.

Ainda assim, esses países têm motivos para estar com raiva. O Canadá, o México ou a UE não são a razão para as tarifas sobre aço e alumínio. É a China. Nas últimas décadas, a produção chinesa de aço e alumínio disparou, mas o país não pode consumir o que produz, nem se dar ao luxo de demitir os trabalhadores. Pequim despejou os metais excedentes nos mercados estrangeiros, deprimindo os preços e tirando os produtores norte-americanos dos negócios. Punir o Canadá, o México e a UE não resolve o dumping chinês, nem aumenta a segurança nacional, que é a base legal das tarifas. O que faz é melhorar a imagem de Trump na sua base de apoio, com a qual ele se comprometeu a colocar a “América em Primeiro Lugar”. Os méritos da política ficam para outros debaterem. Nem é preciso dizer que a política complicará as relações com os parceiros dos Estados Unidos e aumentará os preços para os consumidores americanos.

Ainda que a China tenha sua parcela de culpa, a histeria em torno das tarifas excede, em muito, o efeito que terão. Afinal, US$ 50 bilhões em exportações chinesas representam cerca de 2% do volume exportado pela China para o mundo. Mais importante, ainda que muitas vezes negligenciadas, são as restrições que os Estados Unidos ameaçaram impor aos investimentos chineses nas indústrias de alta tecnologia americanas. A necessidade da China de elevar suas exportações ao topo da cadeia de valor é comparada apenas ao seu desespero em adquirir a tecnologia e o conhecimento necessários para tanto. Por causa das inconsistências estruturais na economia chinesa, Pequim não tem tempo para que o conhecimento técnico evolua organicamente: tem que furar a fila. (As relações comerciais entre os Estados Unidos e a China ficaram vinculadas às negociações com a Coreia do Norte, portanto, não é coincidência que, quando um é esquizofrênico, o outro também seja.)

Apesar da vantagem comparativa sobre a China, os Estados Unidos fazem o melhor que podem para atirar no próprio pé. Na semana passada, o secretário do Tesouro, Steven Mnuchin, disse que a guerra comercial entre Estados Unidos e China estava paralisada. Poucos dias depois, as tarifas e restrições ao investimento voltaram à mesa e, em 30 de maio, um conselheiro de comércio da Casa Branca chamou o comentário do secretário do Tesouro de frase de efeito. O secretário de Comércio deve ir a Pequim neste fim de semana para discutir o assunto – e, no entanto, a secretária de Imprensa da Casa Branca diz que tudo depende de Trump e de mais ninguém. Talvez essa mensagem mista seja a tática para manter Pequim desorientada. Mas se as contradições públicas da Casa Branca refletem a incapacidade de definir claramente os interesses dos Estados Unidos, os chineses poderiam usá-la em seu benefício.

As relações entre os Estados Unidos e a China não são apenas sobre comércio, é claro. Elas são cada vez mais definidas pela competição no mar. De acordo com um porta-voz do ministério da Defesa chinês, a China possui um grupo de ataque totalmente operacional e pronto para o combate – uma afirmação muito mais ousada do que Pequim costumava emitir. Um porta-aviões é só um navio. Seu valor estratégico não vem da própria embarcação, mas da criação de um grupo de batalha maior e coordenado, construído em torno do seu poder aéreo. A China não tem experiência em operações com porta-aviões, mas o fato de que vem realizando exercícios em um navio soviético antiquado (recondicionado) é um lembrete de que a Marinha chinesa evolui o mais rápido que pode.

Os Estados Unidos não vão ficar de braços cruzados enquanto tudo isso acontece. Por isso, na semana passada, uma empresa privada de defesa dos Estados Unidos anunciou que testou com sucesso dois mísseis antinavio de longo alcance, atingindo um navio em movimento a partir de um bombardeiro estratégico B-1B. Os mísseis serão integrados a bombardeiros e caças americanos nos próximos dois anos. O fato é notável pelo que significa para o futuro da guerra. Desde a Segunda Guerra Mundial, o poder naval dos Estados Unidos tem se concentrado nos seus próprios grupos de batalha. Mas em uma época de munições guiadas com precisão, os grupos de batalha podem se tornar mais alvos do que propriamente trunfos. Enquanto os porta-aviões são tremendamente caros – custam bilhões de dólares para ser fabricados e milhões para operarem diariamente, sem mencionar todas as embarcações e aeronaves que os acompanham – um míssil antinavio de longo alcance, como o que os Estados Unidos testaram, custa cerca de US$ 3 milhões. E mesmo os melhores sistemas antimísseis nem sempre podem garantir uma defesa bem sucedida do porta-aviões.

Enquanto as relações EUA-China estão ficando mais complicadas, parece que as coisas no Oriente Médio estão esfriando. O Observatório Sírio para Direitos Humanos informou, em 31 de maio, que o Irã e o Hezbollah se retirariam de suas bases em Daraa e Quneitra, localizada no sul da Síria, perto das colinas de Golan. O relatório não foi confirmado, mas no mesmo dia, o ministro da Defesa de Israel esteve na Rússia, onde emitiu uma declaração saudando o país por entender as necessidades de segurança de Israel. Poucas semanas atrás, Israel e Irã se preparavam para a guerra. De repente, a situação parece mais calma, uma evolução auxiliada, em parte, por um cessar-fogo entre Israel e o Hamas, mediado pelo Egito.

Que o Irã e o Hezbollah se retirem faz algum sentido. O Hezbollah está exausto de lutar na guerra civil síria, e esse dificilmente seria o momento ideal para escolher uma briga com Israel. O Irã precisa consolidar os ganhos na Síria e no Iraque, e não pode fazer isso se estiver em guerra. Além disso, a Rússia, às vezes aliada do Irã, declarou recentemente que sua missão na Síria foi cumprida, não tendo vontade de se envolver em outro conflito no Oriente Médio. Como a lista de aliados confiáveis ​​do Irã fica cada vez menor, o Irã não pode avançar mais do que Moscou queira.

Será importante ver se o Irã conseguirá evitar a humilhação em casa. O presidente Hasan Rouhani já parece fraco. Ele prometeu aos eleitores que iria melhorar a economia e que a participação do Irã no Plano de Ação Conjunto o ajudaria a honrar essa promessa. Ele não conseguiu e nem o plano. Protestos contra as condições econômicas atormentaram o Irã desde o começo do ano, e a retirada da fronteira israelense, por mais estrategicamente sólida que pareça, provavelmente vai enfraquecer Rouhani ainda mais.

Erra quem espera que os Estados Unidos aprovem a ajuda da Rússia para acalmar as preocupações de segurança de Israel. No início desta semana, a agência de notícias polonesa, Onet, adquiriu a cópia de uma proposta do ministério da Defesa polonês oferecendo aos Estados Unidos US$ 2 bilhões para estabelecer uma base militar permanente na Polônia. Moscou, às vésperas da cúpula da OTAN em Bruxelas e com o sentimento antirrusso que prevalece no Ocidente, já criticou a medida. Mas a base também poderia criar atrito entre os Estados Unidos e a Alemanha.

A Alemanha quer manter a UE unida e cooperar mais com a Rússia – e a Polônia é um obstáculo em ambos casos. A proposta da base não é oficialmente pública, por isso é prematuro prever suas consequências precisas. Ainda assim, sua própria existência diz muito sobre o futuro da UE e da OTAN. Para a Polônia, nenhuma instituição é suficiente para proteção contra uma possível ameaça russa (ou alemã). Para os Estados Unidos, a OTAN se tornou um parceiro menos confiável num conflito em potencial e, como consequência, o país procura laços bilaterais mais fortes com membros individuais. No século XX, a OTAN era, principalmente, uma estrutura de aliança anti-soviética, mas essa missão não se traduziu claramente em uma aliança antirrussa no século XXI. Não é de se admirar que a Polônia também tente reforçar os laços com países que tenham ideias semelhantes.

Sabe-se que é uma semana estranha na geopolítica quando o Médio Oriente é a história mais positiva. Mas, de novo, a semana não acabou.

 

Tradução por Solange Reis
* Artigo originalmente publicado em 01/06/2018, em https://geopoliticalfutures.com/trade-wars-tactical-retreats-military-bases/

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