Ao assumir o Fab 5, a China sobe a temperatura nas guerras de chips
Pequim injetará bilhões de dólares em fábricas de semicondutores na tentativa de superar Estados Unidos, Coreia do Sul, Taiwan, Japão e Europa
por Gordon Watts
Traduzido do Asia Times*
Entre no mundo estéril de um Fab e você estará literalmente no epicentro da criação. É aqui que nascem os semicondutores, como os microchips, e os circuitos integrados ganham vida para alimentar uma série de produtos, desde smartphones a carros inteligentes.
Conhecidas como unidades de fabricação, ou Fabs, são realmente fabulosos e sem eles muitas das soluções de alta tecnologia que consideramos garantidas no século XXI simplesmente deixariam de existir.
“A indústria de semicondutores é global, com produtos raramente personalizados para regiões específicas”, disse Christopher Thomas, sócio da McKinsey em Pequim, consultoria global de gestão.
“Não há pacotes taiwaneses, chips de memória sul-coreanos ou semicondutores industriais japoneses – todos esses produtos atendem a uma clientela global”, acrescentou.
Incluída na lista de “clientela” está a China. A segunda maior economia do mundo tem grandes ambições quando se trata de Fabs, um componente crucial da política “Made in China 2025” do presidente Xi Jinping.
Transformar o país em uma superpotência tecnológica para rivalizar com os Estados Unidos e a Europa está no centro de seu programa planejado.
Liderando o caminho para este “admirável mundo novo” estão empresas de alto perfil como Alibaba, Baidu e Tencent, conhecidas como o grupo BAT, juntamente com a Huawei, Xiaomi e Didi Chuxing.
Outro grande ator é a Yangtze Memory Technologies, nome pouco internacionalizável e dificilmente conhecido fora da China.
Especializado em produção de chips, o grupo sediado em Wuhan foi lançado em 2016, depois de receber US$ 24 bilhões de financiamento do Fundo de Investimento do Circuito Integrado da China, do governo local da província de Hubei e do Tsinghua Unigroup.
Aumento do investimento
Nos próximos meses, a produção começará em um dos três novos Fabs do país, como parte do esforço tecnológico de Xi.
“Embora várias fábricas estejam prontas para iniciar a produção em massa este ano, não está claro o quão bem elas podem se comportar em termos de produtividade e qualidade”, disse Liu Kun, vice-gerente geral do Centro de Pesquisas da ICID Consulting em Pequim.
Na verdade, o investimento está sendo despejado em uma indústria que costumava ser dominada por Estados Unidos, Coreia do Sul, Taiwan, Japão e Europa. Mas isso está mudando rapidamente.
Uma pesquisa da SEMI, a associação global do setor, informou que a China deverá se tornar o segundo maior investidor mundial em “equipamentos de semicondutores este ano”, após aumentar os gastos do Fab.
No ano passado, Pequim injetou US$ 5,4 bilhões na indústria, em comparação com US$ 3,5 bilhões em 2016. Nos próximos 12 meses, aumentará para US$ 8,6 bilhões, enquanto o valor total poderá atingir mais de US$ 31 bilhões.
Obviamente, as apostas são altas, já que o negócio de chips vale US$ 437 bilhões, destacou Statista, um portal online de estatística, pesquisa de mercado e inteligência de negócios.
“À medida que a China embarca no plano “Made in China 2025”, com tecnologia de eletrônica e semicondutores como uma das dez principais áreas de foco, a indústria de semicondutores tem uma oportunidade de crescimento sem precedentes”, disse Lung Chu, presidente da SEMI China.
“No entanto, além do enorme investimento necessário, a indústria de semicondutores da China enfrenta forte concorrência em termos de tecnologia, produtos, talentos e acesso à cadeia de suprimentos num mundo cada vez mais interconectado e num mercado de semicondutores altamente global”, continuou ele.
“Para ser bem sucedida, é fundamental que a indústria de semicondutores da China acelere sua integração na cadeia de fornecimento global”, acrescentou Lung.
Pode ser mais fácil falar do que fazer. Uma corrida armamentista tecnológica já se instalou depois que a China se integrou ao setor.
Pelo menos “46 projetos caros de semicondutores” serão construídos no país nos próximos três anos, informou o China Daily no início desta semana, sem mencionar o custo do que só pode ser descrito como um mega programa de construção.
De fato, Pequim está desesperada para libertar suas indústrias de alta tecnologia dos chips de última geração importados e cumprir a visão “Made in China”.
“Embora vá levar algum tempo para alcançarmos os principais países estrangeiros, uma entrada consistente de recursos e P&D ajudará a acelerar o processo”, disse Li Guojie, da Academia Chinesa de Engenharia.
A escala da tarefa é imensa. No ano passado, a Samsung lançou o maior Fab de semicondutor do mundo, no Complexo Industrial de Godeok, em Pyeongtaek, que faz parte da província de Gyeonggi.
Custando US$ 14 bilhões, levou dois anos para ser concluído e cobre uma área de 2,89 quilômetros quadrados, ou cerca de 400 campos de futebol.
“A nova instalação de fabricação constitui uma parte importante de nossa visão para estabelecer uma produção de semicondutores globalmente equilibrada.
Jim Elliott, vice-presidente corporativo da Samsung Semiconductor, disse ao EE Times, website que foca na fraternidade nos eletrônicos.
“A fábrica terá um papel fundamental em nossas futuras iniciativas de negócios. Continuamos a investir em áreas que contribuem para a nossa liderança no setor”, acrescentou.
Até o momento, a China não tem resposta para essa operação maciça. Mas está trabalhando em conjunto com empresas como o BOE Technology Group, que fica no parque tecnológico de Zhongguancun, em Pequim, uma colmeia de pesquisa e desenvolvimento que rivaliza com o Vale do Silício.
50 mil funcionários
O grupo emprega cerca de 50 mil funcionários e é especializado em tecnologia de exibição, e pesquisa e desenvolvimento, com receita anual próxima à marca de US$ 8 bilhões.
Na semana passada, inaugurou sua terceira fábrica em Hefei, capital da província de Anhui.
“A procura por campeões chineses é uma espécie de equívoco; seria mais apropriado dizer que as empresas domésticas visam se tornar campeãs globais com raízes na China ”, disse Thomas, sócio da McKinsey em Pequim.
Ainda assim, virar “global” tornou-se uma questão “explosiva” com os Estados Unidos e o governo do presidente Donald Trump.
Os subsídios patrocinados pelo Estado para o setor de tecnologia da China foram um grande obstáculo nas negociações comerciais entre Washington e Pequim na semana passada, com a exigência da Casa Branca de restringir o programa atingindo o centro da política “Made in China 2025”.
As tensões aumentaram no início do mês, depois que a gigante das telecomunicações, ZTE, foi proibida por sete anos de usar componentes norte-americanos, incluindo semicondutores, após violar as sanções ao Irã e à Coreia do Norte. Para o governo Xi, foi um alerta que só vai aumentar a velocidade do investimento em várias indústrias de tecnologia.
“Os governos locais têm mostrado muito entusiasmo em apoiar a indústria de semicondutores e tem havido grande apoio político para investimentos relacionados”, disse Liu, da consultoria CCID. Na atmosfera rarefeita dos Fabs, a temperatura subiu um ou dois pontos, com o calor se espalhando pelos corredores do poder em Washington, Seul, Taipei e Tóquio.
Tradução por Solange Reis
* Artigo originalmente publicado em 24/05/2018, em http://www.atimes.com/article/china-turns-up-heat-on-chip-wars-by-taking-on-fab-five/