Energia e Meio Ambiente

Trump proíbe gasoduto russo; a Europa reage

Os Estados Unidos talvez não consigam impedir o projeto Nord Stream 2 de levar gás para a Alemanha.

Artigo traduzido de Bloomberg*
por Leonid Bershidsky

O Nord Stream 2, planejado gasoduto russo para a Alemanha, no outro lado do Mar Báltico, é a última frente no conflito crescente entre a Europa e os Estados Unidos.

O The Wall Street Journal informou, na quinta-feira, que o presidente Donald Trump exige que a Alemanha desista do Nord Stream 2 como uma das condições para um acordo comercial com a Europa sem tarifas elevadas sobre aço e alumínio.

Os Estados Unidos sempre se opuseram ao gasoduto, citando a independência energética da Europa e as necessidades da Ucrânia, cujo papel no trânsito de gás da Rússia seria prejudicado pela nova rota. Nesta semana, um funcionário dos Estados Unidos levantou a possibilidade de que o gasoduto permitiria à Rússia instalar tecnologia de escuta e monitoramento no Mar Báltico. A afirmação é um delírio, já que o Nord Stream 2 foi projetado para operar ao lado de outro gasoduto russo já existente, o Nord Stream 1, o qual a Rússia poderia facilmente usar para espionagem.

No entanto, os europeus há muito tempo sugerem que os motivos do governo americano podem não ser altruístas. A Lei Contendo Adversários da América por meio de Sanções (Countering America’s Adversaries Through Sanctions Act), de 2017, mostra a oposição americana ao Nord Stream 2 junto a uma cláusula exigindo que o governo “priorize a exportação de recursos energéticos americanos para criar empregos nos Estados Unidos e ajudar seus aliados e parceiros”. Para as autoridades alemãs, as tentativas dos Estados Unidos de deter o Nord Stream 2 são parte de um esforço para impulsionar as exportações de gás natural liquefeito (GLP) americano, responsável ​​por 5% das importações europeias de GLP em 2017.

As exportações americanas são assim, pequenas, porque os custos de transporte tornam o GLP americano mais caro do que a energia do Oriente Médio. O gás americano também é pelo menos 20% mais caro do que o gás pelo gasoduto da produtora russa Gazprom. E mesmo que a diferença de preços seja eliminada, a Alemanha precisa de todo gás que puder obter de qualquer fonte, à medida que elimina usinas nucleares e a carvão.

A chanceler Angela Merkel sabe que o Nord Stream 2 é politicamente problemático. Sendo um projeto offshore, não é coberto pela legislação energética da União Europeia, e isso incomoda as autoridades em Bruxelas. Alguns europeus orientais, especialmente os poloneses, são irredutivelmente contra o oleoduto porque o vêem como forma de a Rússia aumentar sua influência. Além disso, a experiência deles com a Gazprom tem sido, em grande parte, negativa. Mas Merkel se concentrou no aspecto ucraniano como o moralmente mais complicado: o país empobrecido deve perder pelo menos US$ 2 bilhões por ano em taxas de trânsito se a Gazprom evitar a Ucrânia e usar apenas os gasodutos Nord Stream e Turkish Stream, como ameaçou fazer.

O ministro da Economia alemão, Peter Altmaier, viajou para Kiev e Moscou, nas últimas semanas, para tentar fechar um acordo que permita que o Nord Stream 2 e o sistema de trânsito de gás ucraniano funcionem. Não houve vazamento das conversas, mas elas devem ter sido suficientemente bem sucedidas, pois Merkel viajou na sexta-feira para um resort em Sochi, no Mar Negro, a fim de se encontrar com o presidente Vladimir Putin, que prometeu continuar o trânsito de gás pela Ucrânia “se for economicamente viável”. Tal distanciamento da retórica russa anterior abre caminho para um acordo.

Isso torna a interferência dos Estados Unidos ainda mais indesejável, provavelmente, contraproducente: irrita as autoridades alemãs e europeias sem torná-las mais flexíveis.

“Para mim, é especialmente importante não entrar numa disputa totalmente não planejada e não estruturada em três, quatro, cinco frentes a respeito de tarifas mais elevadas, sanções mais altas e desconfiança mútua”, disse Altmaier à TV ARD na sexta-feira. “Quando os Estados Unidos dizem que colocarão seus interesses econômicos em primeiro plano, temos igualmente que considerar que os europeus também devem definir nossos interesses econômicos”.

A UE já assumiu uma posição dura em relação às tarifas de Trump. “Não vamos negociar com a espada de Dâmocles pendurada sobre nossas cabeças”, disse o presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, na quinta-feira. Em uma cúpula em Sófia, os líderes nacionais da UE concordaram com posição similarmente irredutível sobre a preservação do acordo nuclear com o Irã, o qual os Estados Unidos estão abandonando. A UE está ativando o chamado estatuto de bloqueio para proteger de sanções extraterritoriais dos Estados Unidos as empresas europeias que comercializem com o Irã.

Além desses conflitos, os Estados Unidos ameaçaram punir as empresas europeias envolvidas com o Nord Stream 2, incluindo poderosas multinacionais como a Royal Dutch Shell, a austríaca OMV, a francesa Engie e as alemãs Uniper e Wintershall. Agora, até os funcionários da UE e os líderes nacionais que não têm nenhum amor especial pelo Nord Stream 2 estão do lado da Alemanha. Enquanto isso, o governo alemão não mostra medo das sanções dos Estados Unidos, só indignação crescente. “Este é um peso adicional para o relacionamento transatlântico”, disse  na sexta-feira Peter Beyer, funcionário do ministério das Relações Exteriores encarregado de coordenar essa relação.

Se os Estados Unidos realmente se preocupam com a segurança energética da Ucrânia e da Europa, deveriam permitir que a Alemanha e seus parceiros da UE façam um acordo com a Rússia e com a Ucrânia. Os europeus são suficiente adultos para não se machucar, e são perfeitamente capazes de lidar com a Gazprom, que obtém 62% de sua receita da Europa. E os países europeus têm ainda mais interesse na estabilidade da​​ Ucrânia do que os EUA: o país está na fronteira da UE e seus cidadãos não precisam de visto para entrar na Europa.

O governo Trump, no entanto, parece feliz em multiplicar as disputas com os aliados europeus, esperando que eles se curvem a respeito de todas as questões controversas. Mas mesmo que a UE sempre tenha parecido frágil e ineficaz, ela também pode ser teimosa, e quanto mais pressão Trump colocar, mais ela irá resistir.

 

Tradução por Solange Reis
* Artigo originalmente publicado em 19/05/2018, em https://www.bloomberg.com/view/articles/2018-05-18/nord-stream-2-pipeline-is-new-front-in-u-s-clash-with-europe

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