Na surdina, EPA se torna a agência de desproteção ambiental
por Solange Reis
O governo Trump ainda não terminou, mas já deixou marca indelével na política ambiental dos Estados Unidos. Nos últimos dois anos, a Agência de Proteção Ambiental (EPA, na sigla em Inglês) promoveu a desregulamentação do setor e facilitou a vida dos grandes setores poluidores.
Bem diferente do que foi a agência no governo Obama. Apesar de ficar longe do que os ambientalistas consideram ideal, a EPA nos oito anos do democrata viveu um dos períodos mais progressistas, se não o maior, desde a sua criação em 1970.
Obama driblou a oposição dos republicanos evitando levar propostas ambientais ao Congresso e usando a competência da agência para regulamentar sem o Legislativo. A estratégia funcionou para ultrapassar algumas barreiras, mas fez da agência o inimigo número um dos chamados “céticos climáticos” – que negam o efeito antropogênico no aquecimento global – e dos grandes segmentos de energia fóssil.
O destaque das políticas de Obama ficou com a reforma dos padrões de eficiência automotiva, conhecida como CAFE, e o plano de energia limpa, intitulado Clean Power Act. O CAFE determina que, até 2025, carros e caminhões leves deverão fazer 54,5 milhas por galão de gasolina. Já o Clean Power Act visa reduzir – até 2030 e em comparação com os níveis de 2005 – 32% das emissões de dióxido de carbono nas usinas de geração de energia. A meta praticamente impossibilita a operacionalidade das termelétricas a carvão mais antigas.
As diretrizes foram aplicadas em conformidade com a Lei de Procedimentos Administrativos, que obriga as agências federais a cumprirem certas etapas e normas. Diz a lei que nenhuma política pública poder ser anulada sem que haja outra para substituí-la. Ainda, qualquer nova regra precisa passar pelo devido processo de análise, avaliação e consulta pública.
Trump nunca escondeu a pretensão de reverter as políticas ambientais do antecessor. Quando candidato, afirmou que o aquecimento global “é uma invenção chinesa para tornar as indústrias americanas menos competitivas”. Também abraçou o mantra dos republicanos sobre a “guerra de Obama contra o carvão”, além de retirar os Estados Unidos do Acordo de Paris sobre o clima.
Desde a campanha presidencial, os ambientalistas e os setores de energia limpa sabiam dos revezes pela frente e da inversão do papel da EPA caso Trump fosse eleito. Passados menos de dois anos da eleição, o prognóstico se confirmou.
A Suprema Corte suspendeu temporariamente o Clean Power Plan menos de um mês depois da posse do republicano, concordando com uma ação movida por 27 estados e vários setores corporativos. Devido às ambiguidades legais do estatuto da EPA sobre seu campo de atuação e sua competência, o apoio judicial é fundamental, seja qual for a direção tomada pela agência.
Se, por um lado, não era segredo que o governo adotaria políticas anti-ambientais, por outro, não estava claro como pretendia fazê-lo. Afinal, reverter políticas federais demanda tempo e desgaste político, tenham elas selo legislativo ou administrativo.
A surpresa veio na forma como o governo introduziu essa agenda, apressadamente e descumprindo a Lei de Procedimentos Administrativos. Ao invés de discutir os planos com os diversos setores sociais e econômicos, e submeter as propostas a comentários públicos e análises de especialistas, a EPA passou a regulamentar por meio de memorandos unilaterais.
O encarregado do desmonte foi Scott Pruitt, ex-senador republicano nomeado para dirigir a EPA. Atualmente investigado por mau uso de dinheiro público, conflito de interesse e improbidade administrativa, Pruitt talvez não consiga se manter muito mais tempo no cargo. Seu período à frente da agência, no entanto, já foi suficiente para formar assessores capazes de desfazer algumas das medidas de proteção ambiental mais promissoras das últimas décadas.
Desde a posse de Trump, 700 funcionários se demitiram ou foram dispensados, e outros dois mil devem sair nos próximos meses. Entre os funcionários contratados, 59 são ex-lobistas ligados ao segmento de energia fóssil.
Outra forma de enfraquecer a agência é tentar cercear sua capacidade financeira. Para o ano fiscal de 2019, o governo propôs um orçamento de US$ 6.146 billion, 23% a menos do que em 2018 e equivalente à verba de 1991.
As mais recentes iniciativas são os memorandos da agência que flexibilizam o controle de emissão de gases por grandes indústrias e setores. Os reguladores argumentam que os planos adotados por Obama eram impraticáveis.
Um dos memorandos, emitido em dezembro do ano passado, estabelece que a EPA não vai atestar os cálculos de redução de emissões apresentados por estados e indústrias. Em outras palavras, a agência deixa de exercer a função de fiscalização.
Outro documento, de janeiro, acaba com uma política implementada nos anos Clinton. Conhecida como “once in, always in” – no sentido de “uma vez na lista, sempre na lista” -, a regra estabelecia que indústrias consideradas grandes poluidoras nunca passariam à categoria de pequenas ou médias, ficando indefinidamente sujeitas a normas mais rígidas de controle, independentemente da redução nas emissões de poluentes.
Os memorando se sucedem, incluindo um assinado pelo próprio presidente orientando a EPA a adotar práticas mais amigáveis para as indústrias com relação ao padrão de qualidade do ar ambiental nacional. A diretriz inclui prazos e metas mais flexíveis para as indústrias obrigadas a reduzir níveis de poluentes como ozônio, mercúrio, dióxido de carbono e enxofre, entre outros.
Um memorando interno, vazado para a imprensa em março, mostra como a agência orientou os funcionários a desacreditar as evidências científicas sobre mudança climática. Bem ao estilo Pruitt, que não reconhece o dióxido de carbono como a fonte primária da elevação da temperatura média da Terra no último século.
A EPA não está sozinha na missão de desregulamentar o setor ambiental. Dois memorandos do Departamento de Justiça desvirtuam o papel da agência como protetora do meio ambiente. O primeiro garante mais autonomia aos estados na autoavaliação de metas de controle de poluentes. O segundo relaxa a aplicação de multas nos casos de violação de regras ambientais por empresas.
Ambientalistas alegam que os memorandos causarão alta na poluição do ar, uma violação do Clean Air Act (Lei do Ar Limpo), legislação que embasou a fundação da EPA e que sustenta todas as suas iniciativas do ponto de vista legal. Segundo a ONG Environmental Integrity Project, em alguns casos, a flexibilização das regras poderá implicar aumento de até quatro vezes o volume de poluentes por algumas indústrias.
Críticos da agenda atual da EPA prometem continuar questionando as medidas retrógradas na justiça. Uma coalizão de 17 estados, liderados pela Califórnia, está processando o governo por desmontar as políticas ambientais sem passar pelos devidos procedimentos legais. O cerne da ação é a decisão da agência, em maio deste ano, de reduzir os padrões de eficiência para veículos, considerados “muito elevados” por Pruitt.
A argumentação é controversa, pois uma decisão da Suprema Corte em 2015 diferencia regras legislativas das interpretativas no âmbito das agências federais e da Lei de Procedimentos Administrativos. As primeiras têm efeito regulatório, mas precisam ser notificadas e comentadas antes de implementadas. Já as segundas não ganham força de lei, mas dispensam a necessidade de consulta pública.
O governo não parece muito preocupado com as batalhas legais que venham a questionar se os memorandos têm ou não força de lei, pois o importante é ganhar tempo. Enquanto as ações se desenrolam nos tribunais, as “canetadas” desfazem a transparência e os progressos dos últimos anos.