Trump abandona acordo nuclear com Irã; aliados reagem
por Tatiana Teixeira
Ainda sem oferecer qualquer alternativa, o presidente Donald Trump declarou neste 8 de maio a retirada dos Estados Unidos do Joint Comprehensive Plan of Action (JCPOA), o acordo nuclear firmado por seis países com o Irã, desmantelando um dos principais legados em política externa do governo Barack Obama. A decisão implica, entre outros pontos, a retomada gradual das sanções contra Teerã, visando ao estrangulamento de sua economia em setores-chave como o de energia, petroquímico e financeiro, a manutenção das restrições e a continuação das inspeções. Trump tinha até dia 12 para informar o Congresso americano sobre o cumprimento (ou não) do acordo por parte de Teerã, abrindo caminho, em caso contrário, para a retomada de sanções.
Apesar da intensa pressão nos últimos dias de países aliados e signatários do P5+1, sobretudo, de França, Alemanha e Grã-Bretanha, o anúncio já era esperado, materializando o desfecho de uma escalada retórica que segue desde a campanha eleitoral de 2016 e que nunca arrefeceu. O tom parece, inclusive, ter-se endurecido ainda mais após a chegada de seu terceiro conselheiro de Segurança Nacional, o neocon John Bolton, um conhecido defensor da mudança de regime no Irã. Entre as opções que Bolton diz ter colocado sobre a mesa para Trump, porém, estariam a retomada de todas as sanções, a aplicação de novas sanções, ou dar mais tempo para negociar com os europeus condições mais satisfatórias, ao gosto dos americanos. Apoiando-se em documentos de Inteligência israelenses sobre uma suposta atividade nuclear sigilosa do Irã e diante da proximidade do encontro com o líder norte-coreano, Kim Jong-un, o presidente Trump teria escolhido a opção mais conservadora.
O anúncio foi feito apesar de membros do governo Trump – entre eles seu novo secretário de Estado, Mike Pompeo, o diretor de Inteligência Nacional, Daniel Coats, e seu secretário de Defesa, Jim Mattis – e de representantes de órgãos internacionais de verificação e controle (como a Agência Internacional de Energia Atômica, a AIEA) atestarem o cumprimento (até então) das cláusulas do acordo por parte da República Islâmica.
‘Acordo desastroso’
“Este era um acordo horroroso de mão única que nunca, nunca deveria ter sido feito”, alegou o republicano, em pronunciamento no Salão Diplomático da Casa Branca, referindo-se ao pacto baseado em uma “ficção gigante” e sobre o qual sempre foi crítico. “Acordo desastroso”, “estrutura decadente e corrompida” e “acordo defeituoso em sua essência” foram algumas das outras variações usadas por Trump para desqualificar um instrumento que “permitiu” que o Irã, “um proeminente Estado patrocinador do terror”, “continuasse a enriquecer urânio”, usando “seus novos recursos para construir seus mísseis com capacidade nuclear”, “apoiar terrorismo e causar destruição no Oriente Médio e além”. Segundo o magnata nova-iorquino, a manutenção do acordo levaria a uma “corrida de armas nucleares no Oriente Médio”. Entre suas principais críticas, Trump reclamou dos “limites muito baixos para a atividade nuclear do regime” e da ausência dos “mecanismos adequados para prevenir, detectar e punir fraudes”.
Europeus criticam, Israel e sauditas aprovam
Nesse mesmo dia, Trump conversou por telefone com o presidente da França, Emmanuel Macron, e com seu colega chinês, Xi Jinping, dois signatários do acordo de julho de 2015 e firmes defensores de sua continuidade. Fontes francesas descreveram o diálogo que antecedeu o anúncio como “muito, muito decepcionante”. Na semana passada, Macron, a chanceler alemã, Angela Merkel, e o ministro britânico das Relações Exteriores, Boris Johnson, foram a Washington tentar desmobilizar Trump de sua decisão. Sem sucesso.
Os demais signatários (França, Grã-Bretanha, China, Rússia e Alemanha) garantiram que vão manter seu compromisso com o Irã de Hassan Rohani, o que pode ajudar a suavizar as sanções. Em uma declaração conjunta, Macron, Merkel e a primeira-ministra britânica, Theresa May, pediram a Teerã que “continue a cumprir suas obrigações no acordo”. “Juntos, enfatizamos nosso contínuo compromisso com o JCPOA. Esse acordo continua sendo importante para nossa segurança compartilhada. (…) Estimulamos o Irã a mostrar moderação em resposta à decisão dos Estados Unidos”, completa o texto. No Twitter, o presidente francês disse ainda que os europeus “lamentam” a decisão americana e que “o regime internacional contra a proliferação nuclear está em xeque”. A chefe da diplomacia da União Européia (UE), Federica Mogherini, “lamentou” a decisão e lembrou que “o acordo nuclear não é um acordo bilateral e não está nas mãos de um único país pôr fim a ele unilateralmente. Estou particularmente preocupada com o anúncio de novas sanções”.
Já o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, elogiou o “movimento histórico” e a “liderança corajosa” de seu aliado Donald Trump. “O acordo não afastou a Guerra, na verdade, trouxe-a para mais perto”, afirmou o premiê, acrescentando que “o acordo não reduziu a agressão do Irã, ele a aumentou dramaticamente, e vemos isso em todo Oriente Médio”. O embaixador da Arábia Saudita nos EUA, Khalid bin Salman, disse que o reino “apoia totalmente” as medidas de Trump.
Base do acordo
Em termos gerais, o acordo significa a suspensão das sanções econômicas em vigor sobre o Irã em troca da paralisação de seu programa nuclear para fins militares. A extinção dessas atividades estaria sujeita à avaliação e ao monitoramento de agências internacionais. Com o pacto, mais um mercado – uma população de 80 milhões de pessoas com uma classe média crescente – se abriu para empresas estrangeiras, como companhias aéreas e fabricantes do setor (Boeing e Airbus), grupos hoteleiros e empresas de petróleo e gás.
A francesa Total havia assinado, por exemplo, um acordo de US$ 2 bilhões para ajudar no desenvolvimento do campo de gás South Pars, em parceria com a estatal chinesa CNPC. Em 2017, a General Electric (GE) recebeu milhões de dólares em encomenda de peças e equipamentos para usinas a gás. Nesse mesmo ano, a alemã Volkswagen anunciou a venda de carros para o Irã pela primeira vez em 17 anos. As companhias aéreas europeias British Airways e Lufthansa estabeleceram voos diretos para o país, e as exigências de visto foram flexibilizadas pelo governo iraniano. A francesa Accor foi a primeira rede de hotéis internacional a se instalar no Irã, já em 2015. Após o anúncio de Trump, que funcionou de gatilho para uma disparada do preço do petróleo, boa parte das empresas preferiu manifestar cautela.
Sanções
O efeito da saída dos Estados Unidos não é imediato. As sanções ainda levarão meses até serem reaplicadas. Como vem acontecendo com o modo como as decisões de Trump são anunciadas, ainda há poucas informações concretas. No momento, o Departamento do Tesouro trabalha nos detalhes das novas normas que deverão ser adotadas pelas empresas. De acordo com Washington, “as empresas que fazem negócios com o Irã terão um período de tempo (entre 90 e 180 dias) que lhes permita desacelerar as operações” e aquelas que optarem por não fazê-lo “correm o risco de sofrer sérias consequências”. Também serão impostas sanções ao Banco Central do Irã e à importação de petróleo iraniano. Além disso, garantiu Trump em seu pronunciamento, “qualquer país que ajude o Irã em sua busca por armas nucleares também poderá ser fortemente punido pelos Estados Unidos”.
O acordo – aponta documento publicado pela Casa Branca – “falhou em proteger os interesses de Segurança Nacional da América”. Nesse sentido, a saída dos EUA é uma forma de “pressionar o regime iraniano a alterar o curso de suas atividades malignas e garantir que os maus atos iranianos não serão mais recompensados”.
Ainda existe alguma esperança de que, nesse período de carência, novas negociações com as demais partes do pacto possam levar a um acordo em paralelo, que atenda às demandas dos Estados Unidos no que se refere ao programa de mísseis e ao que Washington aponta como o apoio de Teerã ao terrorismo. Difícil dizer se mudanças muito significativas seriam aceitas por Rússia e China, ou pelo próprio Irã, que já havia advertido os EUA de que, “se saíssem do acordo, iriam se arrepender como nunca antes”.
Desmonte da era Obama
O desmantelamento do pacto com o Irã é apenas mais um item em uma lista de programas, ou acordos assumidos na administração anterior (2009-2017) e desmobilizados na atual. Em todos os anúncios de reversão de compromissos, Trump se colocou em oposição ao caminho seguido pela maioria de seus principais aliados na comunidade internacional. No plano externo, foi o caso da saída dos EUA do Acordo de Paris sobre o Clima, do endurecimento de medidas em relação a Cuba e do recuo no histórico avanço obtido entre Obama e o governo de Raúl Castro, ou ainda da retirada da Parceria Transpacífico (TPP, na sigla em inglês). Em casa, permanece em suspenso a situação do Deferred Action for Childhood Arrivals (Daca), programa que beneficia jovens imigrantes que chegaram ainda crianças aos EUA e que vivem no país em situação clandestina, e segue sem cessar no Congresso a batalha contra o chamado Obamacare.
Existe, nos EUA, um protocolo informal, segundo o qual ex-presidentes evitam comentar e criticar a gestão de seus sucessores. Saindo do silêncio, em uma de suas até hoje raras reações públicas sobre o governo Trump, o ex-presidente Obama classificou a decisão como um “grave erro”. O democrata lembrou que o acordo “nunca teve a intenção de resolver todos os nossos problemas com o Irã” e alertou que, rompê-lo sem evidência de violações por parte de Teerã, pode deflagrar uma corrida armamentista, intensificar conflitos em uma região já instável e minar a credibilidade dos Estados Unidos no plano internacional.
“A realidade é clara. O JCPOA está funcionando — essa é uma visão compartilhada por nosso aliados europeus, especialistas independentes e pelo atual secretário americano da Defesa”, alegou.
O ex-vice-presidente dos EUA Joe Biden acusou Trump de agir em nome de um auto-interesse irresponsável. “O presidente Trump fabricou uma crise para seus próprios interesses políticos que nos coloca em rota de colisão não apenas com um adversário, mas também com nossos parceiros mais próximos”, declarou Biden, avaliando que “permitirá ao Irã ganhar simpatia internacional, ao mesmo tempo fazendo nada para reduzir suas nocivas atividades no Oriente Médio”.
Um dos artífices do acordo, o ex-secretário de Estado John Kerry também manifestou preocupação. “O anúncio de hoje enfraquece nossa segurança, quebra a palavra da América, nos Isola dos nossos aliados europeus, coloca Israel em um risco maior, empodera os linha-dura do Irã e reduz nossa vantagem global para lidar com o mau comportamento de Teerã, prejudicando, ao mesmo tempo, a capacidade de administrações futuras de fazerem acordos internacionais”, apontou.