Plano de Trump para exploração offshore sofre primeiro revés
por Solange Reis
O Departamento do Interior decidiu manter proibida a exploração de petróleo offshore na Flórida. A decisão foi comunicada na quarta-feira (10), revertendo o anúncio feito na semana anterior sobre a liberação de quase todas as águas oceânicas do país para atividade petrolífera.
O motivo para preservar a Flórida foi a pressão do governador republicano, Rick Scott, que se manifestou contra a inclusão de seu estado no plano federal de expansão das áreas de produção.
Ryan Zinke, secretário do Interior, disse que a Flórida tem uma situação singular de dependência do turismo como atividade econômica, razão pela qual seu litoral continuará vetado para exploração de petróleo e gás.
A reversão pode ter sido mais política do que econômica. Scott pretende disputar uma vaga no Senado contra o democrata Bill Nelson nas eleições de novembro. Nelson, que concorrerá para o quarto mandato, sempre combateu a exploração de petróleo no estado. A abertura da costa daria munição ao democrata, já que a maioria da população local é contra a exploração de petróleo na região. Como a Flórida tem um grande colégio eleitoral e é um dos chamados estados-pêndulo – que não tem inclinação partidária clara -, torna-se central para os dois grandes partidos.
Outro provável motivo para a isenção da Flórida é a conhecida resistência do Departamento de Defesa. O estado concentra a maior área de treinamento do Pentágono, e os militares consideram arriscado realizar exercícios militares – aéreos e marítimos – próximos das plataformas e da infraestrutura de petróleo. Em 2006, motivada por precauções militares, uma legislação proibiu a exploração de petróleo e gás na área leste do Golfo do México até 2022.
As demais partes dos Estados Unidos ainda não tiveram a mesma sorte da Flórida e poderão ser colocadas em leilão no futuro. As futuras concessões atingem quase todo o país, incluindo o território nacional no Ártico e o estado da Califórnia, que baniu a exploração offshore por motivos ambientais em 1969.
O governo federal acredita que as águas territoriais dos Estados Unidos tenham 90 bilhões de barris de petróleo e 318 trilhões de pés cúbicos de gás.
Se levada adiante, a abertura será a mais agressiva nesse sentido desde os anos Reagan. O projeto também acabará com mais uma política de Barack Obama. O presidente democrata vetou a atividade petrolífera em 94% da costa nacional depois do maior acidente ambiental na história do país, causado pela explosão numa plataforma offshore da BP na Flórida.
O secretário Zinke disse que o plano atual não será executado da noite para o dia, mas marcará uma nova era para a “dominância energética na América”. Queremos desenvolver nossa própria indústria de energia offshore, e não entregá-la a litorais estrangeiros, disse Zinke. Os leilões serão abertos entre 2019 e 2024, e o interesse das empresas dependerá do valor do petróleo no mercado global.
Ao liberar a área offshore, o Departamento do Interior se posiciona ao lado da indústria petrolífera e contra os ambientalistas. Apostando em energia não renovável, o governo dá um passo atrás na corrida internacional pela transição verde, hoje liderada pela China.
A Flórida, no entanto, não foi o único estado contrário, sendo esperado que outros tentem impedir a decisão do governo Trump, independentemente da legenda de seus Executivos. Dos 32 governadores de estados potencialmente afetados, apenas sete apoiam a decisão.
O procurador-geral da Califórnia veio a público afirmar que o estado também é único e que seu litoral depende economicamente do turismo. Xavier Becerra disse que, se esse é o padrão do Departamento do Interior, a Califórnia precisa ser excluída da lista imediatamente.
Andrew Cuomo, governador de Nova Iorque, já perguntou onde é preciso assinar para pedir isenção. Algo semelhante fez o estado da Virgínia.
O governo federal tem autoridade sobre a exploração offshore, mas os estados controlam as três primeiras milhas a partir da costa submersa. Isso significa que poderão boicotar o plano impedindo a construção de infraestrutura para o transporte da produção em alto mar até as refinarias e portos do país. Em contrapartida, uma lei de 1953 (Outer Continental Shelf Lands Act) permite que o presidente obrigue os estados em nome do velho e conveniente interesse nacional.
A preocupação dos governadores é com o meio ambiente, o turismo e a opinião pública, mas também com a divisão da receita. Zinke confirmou que qualquer revisão na fórmula de repasse aos estados precisará ser aprovada no Congresso, onde muitos senadores e representantes são apoiados financeiramente pela indústria de petróleo e gás.
A briga promete ser grande, e deverá deixar muitos políticos no Congresso entre “a cruz e a espada”. Apoiar o governo federal poderá implicar impasse com suas bases eleitorais. Por outro lado, rejeitar a abertura da exploração offshore arrisca os polpudos financiamentos de campanha feitos pelas empresas de energia fóssil.
As indústrias do setor aprovam o fim da barreira regulatória, mas o interesse pela exploração em alto-mar não é tão garantido. Além de investimentos muito elevados, o retorno financeiro pode ficar abaixo do esperado se o valor do barril não alavancar nos próximos anos. Apesar da ligeira alta recente, o preço do petróleo continua abaixo de três dígitos desde 2014.
Com os preços não inflacionados, a exploração em zonas inóspitas se torna improvável. É o caso do Mar Ártico, local onde grandes petrolíferas desistiram de projetos nos últimos anos. O custo de produção e a falta de infraestrutura têm inviabilizado as tentativas. Problemas logísticos também teriam de ser superados na costa oeste do país.
A cereja do bolo era justamente a Flórida, que possui as maiores reservas comercialmente viáveis e dispõe de infraestrutura adequada.
Fica, portanto, a pergunta. Se não era para cumprir, por que divulgar um plano tão ambicioso e com tamanho impacto potencial no mercado de global de petróleo e gás?
O governo Trump nunca escondeu que pretendia derrubar a barreira à exploração offshore e tratou de tomar medidas nessa direção desde o primeiro semestre. Ao mesmo tempo, os formuladores dessa política expansionista sempre souberam que encontrariam resistência pesada.
A iniciativa pode ser só uma forma mal ajambrada de cumprir promessas de campanha ou mais um passo no processo de desregulamentação. Mas o plano de abrir as águas do país para a atividade petrolífera também precisa ser olhada à luz de outros fatores de longo prazo. Entre eles, a incerteza sobre a duração do boom de xisto, que vem em declínio desde o ano passado.
Há outro objetivo menos evidente. Pioneiros da exploração offshore, os Estados Unidos passaram a enfrentar concorrência estrangeira nas últimas décadas, principalmente de estatais de potências emergentes, como Brasil e China. Retomar essa liderança para as multinacionais do país talvez seja a maior motivação.