TPP ganha sobrevida sem os Estados Unidos
por Solange Reis
A Parceria Transpacífico (TPP) ganhou outra chance de se concretizar depois que onze países decidiram seguir negociando mesmo sem os Estados Unidos.
Ministros de Austrália, Japão, Canadá, Chile, Peru, Brunei, Malásia, México, Nova Zelândia, Vietnã e Cingapura reforçaram, no sábado (11), a intenção de refazer o acordo de livre comércio preservando os elementos fundamentais do texto original.
O anúncio aconteceu na APEC (Cooperação Econômica da Ásia-Pacífico, em Inglês), um dia depois de Donald Trump criticar outros países por agressão econômica e trapaça comercial em acordos multilaterais.
Sopro de oxigênio
Desde a retirada dos Estados Unidos da TPP em janeiro, o desafio dos países remanescentes foi eliminar as cláusulas exigidas pelo governo Obama sem ter de renegociar o acordo integralmente.
Essas provisões foram alguns dos motivos que estenderam as discussões por anos, até a assinatura do pacto em 2016. A Parceria Transpacífico era uma peça importante na estratégia de Barack Obama conhecida como Pivot Asiático.
A alternativa encontrada agora pela TPP-11 foi suspender 20 dessas cláusulas sobre tópicos como agricultura, investimentos, telecomunicação, fármacos. Outros quatro pontos terão que ser acordados nos próximos meses, entre eles a proposta canadense de exceção cultural (proteção de arquivos, museus e setor audiovisual).
O plano do grupo era assinar um compromisso sólido na sexta-feira (10), mas a ausência de última hora do Canadá resultou somente numa declaração de intenções.
Justin Trudeau, primeiro-ministro canadense, justificou o que a imprensa australiana chamou de sabotagem como a necessidade de resolver divergências sobre a indústria automotiva e o setor cultural antes do documento final.
Além do alinhamento político do Canadá com os Estados Unidos, a TPP entra em conflito com o NAFTA no que diz respeito às condições de conteúdo regional para tarifa zero na importação de carros
O não comparecimento do Canadá à reunião foi uma ducha de água fria no grupo, mas a declaração posterior do ministro canadense, François-Philippe Champagne, – em apoio à continuidade das negociações – manteve certa perspectiva.
Mesmo que o processo não avance, a decisão coletiva traduz a tendência de isolamento dos Estados Unidos. Trump, que não conseguiu fechar um acordo bilateral com nenhum país durante sua primeira viagem à Ásia, faz da “America first” uma América mais sozinha.
Os ataques do presidente ao NAFTA certamente não ajudam a criar o nível de confiança necessário entre os potenciais parceiros comerciais.
Vácuo de poder
Austrália e Japão encabeçam os esforços para salvar a TPP, numa tentativa de preencher o vazio de liderança deixado pela saída de Washington.
O primeiro-ministro australiano, Malcolm Turnbull, declarou que o texto precisa ser feito de maneira que os Estados Unidos possam voltar quando estejam preparados (o que também explica a suspensão das cláusulas, e não a eliminação).
Embora confiante nos interesses de longo prazo do aliado – uma aposta de que o “trumpismo” será passageiro na história econômica dos Estados Unidos – Turnbull foi categórico ao afirmar que “não podemos nos dar ao luxo de esperar”.
Juntos, os onze países remanescentes na TPP respondem por um sexto do comércio mundial. O número é significante, apesar de bem inferior aos 40% tendo os Estados Unidos como signatário.
Quando Trump abandonou a TPP, Turnbull sinalizou que a China poderia aderir ao acordo no futuro. Pequim não tem o mesmo peso econômico dos Estados Unidos, mas seu PIB de US$ 11 trilhões já não fica tão distante dos US$ 18 trilhões norte-americanos.
Para Wendy Cutler, que integrou a equipe de Obama nas negociações da TPP, a sobrevivência do acordo será importante para estabelecer regras de livre comércio que servirão como modelo para outros acordos regionais.
Dicotomia: segurança X comércio
Três dias depois de tomar posse, Donald Trump denunciou o que considerou um arranjo “rídiculo” desenvolvido por Obama. Chegou a dizer que a TPP era um “estupro contra o povo americano”.
No discurso na APEC, na sexta-feira (10), Trump condenou práticas comerciais ilegais como subsídios governamentais, roubo de propriedade intelectual e ciberataques sofridos por empresas norte-americanas.
A oposição à Parceria Transpacífico foi um dos poucos pontos de convergência entre o republicano Trump e o progressista Bernie Sanders, que concorreu nas primárias democratas. Sanders e Trump adotaram, então, uma rota de colisão com os núcleos centrais de seus respectivos partidos.
Ambos consideram que os acordos de livre comércio geram desemprego nos Estados Unidos. A semelhança entre eles, no entanto, não vai além disso. Enquanto Trump responsabiliza o comércio desleal de outras nações, Sanders vê a questão como um problema estrutural da globalização, que facilita a mobilidade das corporações na busca por mão-de-obra barata em outros países.
Mas a abordagem nacionalista e protecionista de Trump no comércio contrasta com seu pedido de união para a segurança regional. O presidente pressiona pelo engajamento de países aliados, e de outros não tão amigos, para conter o avanço militar e nuclear da Coreia do Norte.
Durante a construção do poder hegemônico depois de 1945, os Estados Unidos obtiveram alinhamento econômico de parceiros no Pacífico em troca de segurança militar. Austrália e Japão, por exemplo, tiveram a dependência estratégica como vetor de suas respectivas políticas externas ao longo das últimas décadas.
Com a chegada de Trump e de seus ideólogos ao poder, os pilares da aliança correm risco de esfacelamento.