Política Doméstica

Por que o Partido Democrata (se) perdeu? 

Crédito e fonte: Partido Democrata/Yahoo! news

Por Vitor Marques Mariano dos Santos* [Informe OPEU] [Partido Democrata] [Política Doméstica]

Partido Democrata

Desde a sua fundação por Thomas Jefferson, em 1792, o Partido Democrata navega e usa sua vela para mudar seus direcionamentos. De berço de políticas antiabolicionistas de fazendeiros sulistas, promoveu uma revolução interna dentro de suas bases para rumos mais progressistas, fazendo alianças com ex-políticos republicanos e passando por mudanças profundas provocadas por figuras como Franklin D. Roosevelt, Harry Truman e John. F. Kennedy

Ao longo dos anos, o Partido Democrata se revigorou e se colocou contra radicalismos, adotando um discurso a favor da criação de sindicatos, de políticas sociais voltadas para classes menos favorecidas e apoio à classe trabalhadora, sedimentando vitórias históricas como a de Barack Obama, primeiro presidente negro da história dos EUA, e de figuras da velha política, como Joe Biden

Mas, em alguma curva, o partido se perdeu: em 2024, os democratas amargaram, novamente, uma dura derrota – que não sofriam desde 2016, na candidatura de Hillary Clinton – para Donald Trump. Primeiro, Joe Biden foi lançado para reeleição e, após desistência, foi apresentada sua vice, Kamala Harris. Ela obteve 226 delegados e 70.916.946 milhões de votos, ou 47,19%. 

O desempenho de Kamala só não foi pior do que o de Michael Dukakis. Em 1988, ele perdeu para George W. Bush por incríveis 426 delegados para o candidato republicano.

Joe Biden

Joseph Robinette Biden Jr. nasceu em 20 de novembro de 1942. Político de carreira, foi membro do Conselho do condado de New Castle e senador no Congresso por Delaware, presidindo comissões de relevância como as de Relações Exteriores e de Justiça. Em 2008, foi eleito vice-presidente na chapa com Obama, ficando no cargo de 2009 a 2017. Em 2020, tornou-se o 46º presidente dos EUA. 

Uma carreira sólida não impediu, porém, que ele se envolvesse em polêmicas. Em 1987, por exemplo, foi acusado de plágio na campanha eleitoral. Mais recentemente, os holofotes se voltaram para sua condição mental e sua vitalidade, após um debate desastroso com Donald Trump. Além disso, o indulto presidencial dado ao próprio filho, Hunter Biden, por sonegação de impostos e porte ilegal de arma, fez sua exposição permanecer assídua na mídia. 

No debate citado anteriormente, as condições de Biden eram tão adversas e seu desempenho tão pífio que lhe renderam, além de “memes” em redes sociais, o fim de sua aventura na reeleição. Foi substituído, de última hora, por sua vice, Kamala Harris. O desastre fez o Partido Democrata remodelar sua estratégia, o que, de acordo com analistas políticos, atrasou uma transição segura. 

As dificuldades econômicas, em boa parte por conta da inflação, bem como dificuldades na política externa e concorrência comercial acirrada, principalmente em relação a outras potências, como a China, renderam a Biden péssima fama e alta rejeição, o que impactou diretamente a campanha de sua vice. 

Muito se critica a insistência de Joe Biden em tentar a reeleição, com posições contrárias à sua candidatura até mesmo dentro do núcleo democrata, inclusive quando ele anunciou pela primeira vez, em abril de 2023, que entraria na corrida presidencial. A objeção se deu exatamente por conta do seu índice de popularidade e a visão da população em relação aos rumos da economia do país, principalmente entre os menos favorecidos. 

É plausível sugerir que Biden, sendo resistente em momentos cruciais, contribuiu imensamente para a derrota democrata, em função das fraquezas demonstradas por suas decisões recentes. Outro complicador era sua postura frágil – física e verbal – com a questão da idade de Biden e dúvidas sobre sua vitalidade para liderar o projeto do partido. 

V20210312LJ-1036 | President Joe Biden and Vice President Ka… | Flickr(Arquivo) Biden e Kamala, na Casa Branca, em Washington, D.C., em 12 mar. 2021 (Crédito: Lawrence Jackson/Casa Branca)

Kamala Harris

Kamala Harris nasceu em 20 de outubro de 1964, em Oakland, Califórnia, filha de imigrantes — seu pai é jamaicano, e sua mãe, indiana. 

Formou-se em Ciência Política e Econ(mia pela Universidade Howard, e em Direito, pela Universidade da Califórnia, iniciando sua carreira jurídica como procuradora-adjunta no condado de Alameda, em 1990. 

Em 2004, foi eleita procuradora distrital de São Francisco, tornando-se a primeira mulher negra a ocupar esse cargo. Em 2010, foi eleita procuradora-geral da Califórnia, sendo a mulher e a primeira pessoa negra a assumir, novamente, uma nova posição. Em 2016, Harris foi eleita senadora pelo estado da Califórnia, destacando-se por sua atuação na defesa dos direitos civis e na reforma do sistema de justiça criminal. Em 2020, chegou à vice-presidência dos Estados Unidos, sendo a primeira mulher e primeira pessoa de origem afro-americana e sul-asiática nessa função. 

Muito se especula que a demora de Joe Biden acabou culminando em um desafio enorme para a campanha de Harris, que teve, paralelamente, menos tempo que Trump para tentar diversificar sua base, buscar novos eleitores e potencializar suas chances de vitória.

Sua campanha arrecadou, em doações, US$ 310 milhões em duas semanas, o dobro do montante de Trump no mesmo período. As elevadas cifras não se converteram, porém, em voto, como ficou evidente ao final da disputa. 

É possível dizer que foi Kamala quem errou? 

Analistas apontam que sua campanha falhou na maneira como abordou questões econômicas centrais, como a inflação, o que gerou dupla desconfiança: por um lado, do povo trabalhador e consumidor; e, de outro, sob a ótica do mercado, que viu riscos na falta de tenacidade em sua postura. Isso se mostrou ser, inevitavelmente, uma estratégia democrata para diminuir desgastes com relação às pautas econômicas. 

Outro ponto destacado foi a falta de firmeza de Kamala em dizer como resolveria a questão migratória, outra ponta em que a candidata não conseguia empenhar o mesmo “fervor”, como fez Trump. Na campanha, o candidato republicano assumiu posturas declaradamente nacionalistas e protecionistas, além de prometer selar as fronteiras e dificultar ainda mais a entrada no país. 

Aparentemente, há consenso, dentro do Partido Democrata, sobre Kamala não vir a desempenhar mais o papel de candidata, pelo menos não à Presidência. Sua imagem continua importante, contudo, para questões de justiça social e direitos civis, o que sempre foi um marco dentro de sua carreira, tanto jurídica quanto política. 

No mais, Trump soube explorar as questões de maior fragilidade de Kamala, como os eventos econômicos; a questão migratória e das fronteiras, em que suas colocações, procurando senso humanitário, não pareceram ao eleitorado efetivas a curto prazo, algo para o qual Trump dá uma resposta radicalizada; e, por fim, sua falta de experiência em cargos de liderança, como é o caso da Presidência dos EUA. 

Kamala foi a candidata possível num cenário quase irreversível

Com a resposta, Bernie Sanders

O Partido Democrata perdeu, porque abandonou a classe trabalhadora, e foi abandonado por ela, escreveu Bernie Sanders. 

Em uma carta publicada na noite do dia 6, Bernie Sanders, senador independente por Vermont (I-VT), dirigiu duras críticas ao Partido Democrata, após a vitória de Donald Trump. 

Não deveria ser uma grande surpresa um Partido Democrata que abandonou a classe trabalhadora descobrir que a classe trabalhadora o abandonou. Primeiro, foi a classe trabalhadora branca, e agora são os trabalhadores latinos e negros também

[…] Enquanto o Partido Democrata defende o status quo, os americanos estão zangados e querem uma mudança. E têm razão”.

As críticas de Bernie Sanders sempre foram mais à esquerda do que outras. 

Para o senador, o Partido Democrata não está formando uma identidade própria. 

O histórico das últimas eleições presidenciais, desde 2020: 

ELEIÇÃO 

CAND. DEMOCRATA/COLÉGIOS 

CAND. REPUBLICANO/COLÉGIOS 

2000

Al Gore – 266

George W. Bush – 271

2004

John Kerry – 251

George W. Bush – 286

2008

Barack Obama – 365

John McCain – 173

2012

Barack Obama – 332

Mitt Romney – 206

2016

Hillary Clinton – 227

Donald Trump – 304

2020

Joe Biden – 306

Donald Trump – 232

2024

Kamala Harris – 226

Donald Trump – 301

Assim, é possível instigar algumas conclusões prévias: 

  • Trump não obteve a vitória mais significativa em números finais. Obama, em 2008 e em 2012, tem números melhores, como o próprio Biden quando derrotou Trump, em 2020; 
  • Das duas candidatas mulheres, ambas democratas, nenhuma obteve a vitória ou conseguiu passar de 260 colégios eleitorais. Talvez os Estados Unidos ainda não tenham abertura para eleger uma mulher presidente;  
  • Enquanto, ao longo desses 24 anos, o Partido Democrata teve seis candidatos, o Partido Republicano teve quatro, demonstrando maior iniciativa do Partido Republicano em não diversificar seus nomes nas disputas e replicar antigas candidaturas; 
  • Kamala Harris, no fim das contas, desafiou um candidato que, na média, conquista 279 colégios eleitorais, se considerarmos os resultados já de 2024 — o que supera, numericamente, a margem de 270 para uma vitória; 
  • Agora, o Partido Democrata tem uma eleição conquistada a menos do que o Partido Republicano. 

Passado Obama, que foi considerado um marco, o Partido Democrata aparenta perder sua identidade, sem candidatos que carreguem, historicamente, as bandeiras do partido e que tenham identificação com a população norte-americana. Com a ausência de uma referência, o partido teve maiores dificuldades de criar personalidade junto aos seus eleitores e mantê-los fiéis.

O Partido Democrata aparenta ter-se distanciado da classe trabalhadora, quando não ousou reformar o Sistema de Saúde, afrontar a concentração de renda e reequilibrar a distribuição de riquezas, como pontuado por Bernie Sanders. 

Seu principal bastião, os trabalhadores, majoritariamente brancos, migraram para o Partido Republicano sem maiores delongas, provavelmente motivados pela falta de respostas de Biden e Kamala nos últimos quatros anos, sentindo-se, também, mais inseguros sobre a qualidade dos empregos e dos salários.

Nessa última eleição, curiosamente, a classe trabalhadora, mas agora negra e latina, também se alinhou aos republicanos, e não por questões de imigração, mas por uma necessidade de respostas econômicas de curto prazo.

Juntando isso ao distanciamento no discurso, ao pouco tempo de campanha de Kamala Harris e a seu desempenho, o Partido Democrata tomou uma série de decisões desconexas, que não encontrou coro na sociedade estadunidense, expressada, em sua maioria, por uma classe trabalhadora, branca, negra, hispânica e latina, insatisfeitas com o rumo do país.

 

* Vitor Marques Mariano dos Santos é graduando de Relações Internacionais na Universidade Anhembi Morumbi e aluno participante do projeto de extensão da referida instituição em parceria com o OPEU. Contato: www.linkedin.com/in/vitor-marques-6b79491a7.

** Primeira revisão: Simone Gondim. Contato: simone.gondim.jornalista@gmail.com. Revisão e edição finais: Tatiana Teixeira. Recebido em 18 dez. 2024. Este Informe não reflete, necessariamente, a opinião do OPEU, ou do INCT-INEU.

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