Brasil

Perspectivas do governo Trump e seu impacto no BRICS 

Crédito: Instagram Screengrab

Por Ana Thees e Beatriz Mesquita* [BRICS] [Trump 2.0] [Política Externa] 

O BRICS, um “foro de articulação político-diplomática, de cooperação e concertação dos países do Sul Global”, está progressivamente conquistando protagonismo no palco da geopolítica global. O grupo encarou um ponto de guinada em 2023, com a adesão de cinco novos países: Egito, Emirados Árabes Unidos, Etiópia, Irã e Arábia Saudita. Seu fortalecimento continuou em 2025, com a declaração de oito nações como “países parceiros”: Belarus, Bolívia, Cazaquistão, Cuba, Malásia, Tailândia, Uganda e Uzbequistão. A ampliação não se manifesta apenas no aumento de números de integrantes, mas também no desenho de políticas de alternativa à ordem neoliberal vigente, como a criação e a adoção de uma moeda comum.  

Essa ideia surgiu do desejo de incentivar uma maior liberdade econômica, de modo a reduzir a dependência do dólar, a atual moeda de reserva global. Apesar de estar sujeito a dificuldades operacionais, o assunto está sendo estudado e já apresenta uma cédula simbólica do BRICS. Também está em curso a discussão de uma alternativa menos extrema, defendida igualmente pela presidenta do Novo Banco de Desenvolvimento, Dilma Rousseff, de promoção nos financiamentos de moedas nacionais. Ambas as alternativas minam significativamente o poder do dólar, o qual, atualmente, enquanto moeda hegemônica, permite que os Estados Unidos financiem seus déficits e influenciem a dinâmica do sistema financeiro internacional. 

Diante desse cenário, a expansão do BRICS representa um desafio à ordem mundial centrada no país norte-americano. Durante o governo de Joe Biden, optou-se por procurar transmitir uma postura de despreocupação em relação ao grupo. Em 22 de agosto de 2023, por exemplo, o então conselheiro de Segurança Nacional do democrata, Jake Sullivan, afirmou que os EUA não enxergam o BRICS como um bloco rival. “Da nossa perspectiva, vamos continuar trabalhando nas relações fortes e positivas que temos com Brasil, Índia e África do Sul”, destacou. Além disso, publicamente, os Estados Unidos subestimaram a expansão do BRICS, afirmando que cada país é livre para escolher seus parceiros. Sullivan também enfatizou as diferenças de visões políticas entre os integrantes do bloco. No dia 21 de outubro de 2024, Karine Jean-Pierre, porta-voz da Casa Branca, afirmou que o foco do governo Biden era fortalecer parcerias estratégicas para alcançar objetivos compartilhados. A secretária de Imprensa reiterou que os Estados Unidos não consideram “o BRICS como rivais geopolíticos”. Dessa forma, nenhuma medida de retaliação severa foi tomada diretamente contra o bloco no decorrer da gestão de Joe Biden. Apesar de acirrar disputas econômicas e políticas entre Rússia e China, o ex-presidente buscou preservar as alianças tradicionais entre EUA e diversos integrantes do grupo, como o Brasil. 

President Biden's National Security Advisor Jake Sullivan | Flickr(Arquivo) Jake Sullivan, conselheiro de Segurança Nacional de Biden, em 27 abr. 2023 (Crédito: Ralph Alswang/Flickr)

Donald Trump e sua política externa 

Um fator de discrepância entre a estratégia do governo Biden e a de seu antecessor Donald Trump se refere ao direcionamento da política externa. No primeiro mandato de Trump (2017-2021), as relações internacionais se baseavam em um bilateralismo pautado em um nacionalismo econômico que se alinhava com seu emblemático lema America First, norte de seu primeiro mandato. Ou seja, os interesses econômicos estadunidenses eram priorizados em detrimento de considerações globais ou multilaterais. Portanto, o BRICS, enquanto fórum multinacional, não se incluiu como foco da agenda de assuntos internacionais de Trump 1.0.  

A partir das visões adotadas pelo presidente, a política externa dos Estados Unidos foi baseada em relações individuais entre os países-membros do grupo, cada qual com suas devidas particularidades. Em 2018, Trump declarou oficialmente uma guerra comercial com a China, um dos principais pilares do bloco. A ação fez parte da estratégia do governo de reduzir o déficit comercial com o país asiático e defender setores industriais estadunidenses. O presidente acusou a China, com veemência, de adotar práticas de comércio desleais, por meio da concessão de subsídios estatais a empresas chinesas, da manipulação cambial e da violação de direitos de propriedade intelectual. A relação entre Estados Unidos e Rússia também foi marcada por tensões, devido a questões como a anexação da Crimeia e o apoio russo ao separatismo ucraniano. Já a abordagem com Índia e Brasil foi caracterizada por uma aproximação bilateral. O governo de Trump almejava conter a influência chinesa na região do Indo-Pacífico, o que levou ao alinhamento de políticas referentes a segurança, energia, defesa e comércio com o país asiático. Já no cenário brasileiro, o então presidente Jair Bolsonaro buscou firmar uma aliança ideológica e comercial com os Estados Unidos, enquanto estabeleceu um distanciamento estratégico quanto às dinâmicas de cooperação do bloco.  

De todo o modo, o BRICS enquanto grupo não era enxergado como uma ameaça aos interesses do país norte americano, o que revela que Trump não previu o recente fortalecimento do bloco. Nesse meio tempo fora da Presidência, as dinâmicas de alianças e a configuração da governança global mudaram radicalmente, e as demandas dos países em desenvolvimento voltaram a ganhar mais destaque no cenário internacional. A visão pautada na doutrina Make America Great Again não parece mais ser suficiente para preservar a hegemonia estadunidense. Um país que se recusa a estabelecer diálogo, ou que não domine minimamente as regras do jogo de barganha em um cenário de ascensão da China enquanto potência, favorece a sua própria queda. Dessa forma, o BRICS seguirá buscando sua autonomia frente às instituições financeiras e políticas tradicionais, quer seja da vontade de Trump ou não.  

Perspectivas para o governo 

O segundo governo de Donald Trump deixou suas primeiras impressões já no seu dia de posse. Em 20 de janeiro de 2025, o presidente dos Estados Unidos revogou 78 ações executivas do governo anterior e assinou uma série de novas ações. Entre essas iniciativas, Trump priorizou temas como imigração, relações comerciais e acordos internacionais, alinhando-se ao discurso de fortalecimento da imagem e dos interesses dos EUA. Esses primeiros movimentos sugerem um possível indicativo das políticas deste governo, com foco ainda maior em temas que foram centrais durante sua companha eleitoral. Esse compromisso com sua agenda política havia sido antecipado em sua declaração em 5 de novembro após a eleição presidencial, quando afirmou “Governarei com um lema simples: promessas feitas, promessas cumpridas”. 

No cenário atual, o governo Trump 2.0 assume uma postura incisiva em relação ao BRICS, embora baseada em diretrizes já observadas durante sua gestão anterior. Dessa forma, mantém um perfil mais firme e assertivo em suas decisões, reforçando uma abordagem considerada de linha dura. Esse posicionamento reflete seu slogan oficial da campanha eleitoral, utilizado desde 2016, Make America Great Again, quando concorreu pela primeira vez à Presidência dos Estados Unidos.  

Ao longo dos meses, especialmente durante a campanha, foi possível acompanhar as expectativas do possível posicionamento internacional norte-americano com a volta de Donald Trump. Como resultado, houve a expectativa de um posicionamento internacional mais isolacionista do governo, a fim de focalizar suas forças nas questões internas do país. Entretanto, já nos seus primeiros momentos na Casa Branca, nota-se movimentos políticos embasados nas concepções do chamado Destino Manifesto, o que se caracterizou não apenas pela expansão dos Estados Unidos frente ao seu território para o Oeste nos anos 1812 a 1860, como também pela ocupação de territórios para fora do território nacional. Como é indicado na matéria de Alessandra Corrêa, na BBC News Brasil, “Nos primeiros dias desde que voltou à Casa Branca, o presidente americano, Donald Trump, tem sinalizado uma política externa mais imperialista do que isolacionista, pelo menos em sua retórica”.  

Esse posicionamento se manifesta de forma particular em relação aos países latino-americanos, por meio da imposição de medidas econômicas que visam a reafirmar o poder de articulação dos Estados Unidos e o seu potencial impacto sobre esses países. Tais medidas estão remodelando as relações diplomáticas entre as partes, independentemente das intenções reais em concretizar suas ameaças. A retórica empregada nas ações do governo se mostra bem incisiva e, em muitos casos, busca gerar pressões nos demais países como forma de alcançar seus objetivos estratégicos. Portanto, ao reafirmar o desejo de materializar suas promessas do período eleitoral, esses efeitos interferem não somente nas políticas internas Estados Unidos, como transcendem para suas relações diplomáticas com demais países. É o caso dos países que compõem parte do BRICS, onde as tensões têm-se tornado cada vez mais evidentes.  

Um dos casos que mais se destacou foi o evidente desconforto dos Estados Unidos, principalmente em relação aos aspectos econômicos, o que levou o país a intensificar discursos favoráveis de imposição de 10% sobre os produtos chineses, por exemplo. Essa medida parece refletir uma preocupação diante da proposta de criação de uma moeda comum pelo BRICS, que surge como um potencial alternativo ao dólar americano. Como consequência, observam-se ataques diretos aos países-membros do bloco, com destaque para a China. Essa postura revela uma estratégia agressiva dos EUA para conter a ascensão econômica e a crescente influência do BRICS no cenário global. 

O compilado de discursos e posicionamentos do republicano deixa claro que as iniciativas lideradas pelo BRICS geram um profundo desconforto e preocupação nos Estados Unidos. As ações para deslegitimar o grupo e seus membros não se limitam ao campo político ou econômico, mas também incluem esforços no âmbito da propaganda enviesada. Think tanks norte-americanos têm produzido análises tendenciosas que buscam acusações infundadas contra o bloco. Um dos exemplos é o artigo de Michael Rubin, publicado pela revista American Enterprise Institute, do think tank homônimo, no qual ele afirma que “O BRICS é cada vez mais uma organização que fornece cobertura para autocratas e aqueles que buscam derrubar a ordem liberal” (tradução nossa).  

Michael Rubin (@mrubin1971) / XMichael Rubin, analista do AEI (Fonte: X)

Além das análises tendenciosas, os think tanks frequentemente reproduzem artigos com uma visão limitada e distorcida, buscando induzir a ideia de que os países-membros do BRICS têm como objetivo atacar a ordem liberal internacional. Como mencionado anteriormente, essa narrativa associa o grupo a um suposto ataque aos Estados Unidos, criando uma dicotomia que coloca os norte-americanos como defensores dessa ordem, e os BRICS, como antagonistas. Essa retórica se revela, no entanto, simplista e alarmista, ao retratar os integrantes do bloco como adversários constantes, reforçando uma narrativa que justifica o posicionamento dos EUA em uma postura defensiva. Um exemplo disso é o artigo publicado pelo think tank libertário Cato Intitute, desenvolvido por Swaminathan S. Anklesaria Aiyar e Arvind Subramanian 

“A iniciativa da China foi apoiada por Rússia, Brasil, Índia e outros países em desenvolvimento que há muito se irritam com o padrão dólar de fato. Esses países estão longe de serem admiradores do FMI, mas acham que seria melhor ter alguma palavra a dizer em uma moeda apoiada pelo FMI do que nenhuma na moeda dos EUA” (tradução nossa). 

Considerando-se as ações no cenário atual, há indícios de que Trump manterá uma postura mais firme em defesa dos interesses norte-americanos, o que deve resultar na continuidade de choques diplomáticos. Esses atritos incluem países da América Latina, com foco em temas como imigração em situação ilegal e a imposição de tarifas sobre produtos da região. No que se refere ao BRICS, os avanços nas negociações do grupo provavelmente entrarão em rota de colisão com as medidas políticas adotadas pelo presidente Donald Trump. 

Ainda é prematuro definir com clareza a direção que a política externa de Donald Trump tomará, especialmente diante de um perfil presidencial marcado por uma dualidade entre discursos e ações. No entanto, as expectativas iniciais de um isolacionismo parecem estar se dissipando. Assim, é evidente que a dinâmica turbulenta de pressões exercidas pelo Estado norte-americano sobre outros países representa apenas os primeiros passos de um cenário que se desenhará ao longo dos próximos quatro anos, a partir de 2025.

 

* Ana Thees é graduanda em Relações Internacionais pelo Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e bolsista de IC do INCT-INEU, sob supervisão e orientação do prof. Dr. Williams Gonçalves (Uerj/INCT-INEU). Contato:anathees241@gmail.com. 

Beatriz Mesquita é graduanda em Relações Internacionais pelo Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e bolsista de IC do INCT-INEU, sob supervisão e orientação do prof. Dr. Williams Gonçalves (Uerj/INCT-INEU). Contato: beatrizmesquitauerj@gmail.com. 

** Primeira revisão: Simone Gondim. Contato: simone.gondim.jornalista@gmail.com. Revisão e edição finais: Tatiana Teixeira. Este conteúdo não reflete, necessariamente, a opinião do OPEU, ou do INCT-INEU

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