América Latina

Nacionalismos na crise na fronteira EUA-México no governo Trump 1.0

Migrantes parados na fronteira EUA-México (Crédito: Toby Harriman/Flickr)

Por Andressa Mendes e Thiago Oliveira* [Informe OPEU] [Fronteira] [Ultradireita] [Nacionalismo] [Migração]

A ascensão da ultradireita no século XXI tem sido pauta de debates referentes aos fundamentos que orientam o movimento, seja no âmbito doméstico ou internacional. O conceito de nacionalismo é central para compreender essas dinâmicas, associado a outros fenômenos políticos e sociais, como o populismo.

Como Cas Mudde apresenta, a ultradireita é a composição de movimentos – violentos ou não violentos –, cujas pautas elencam ao menos três dos seguintes temas: nacionalismo, racismo, xenofobia, antidemocracia ou autoritarismo. A ultradireita engloba dois subgrupos: a extrema direita e a direita radical, a qual pode, ou não, ser populista. A diferença entre os dois subgrupos reside em como eles percebem a democracia liberal. A extrema direita rejeita a democracia e é iliberal. Já a direita racial aceita a essência da democracia, mas se opõe a elementos da democracia liberal, como os direitos das minorias e o Estado de Direito.

Com relação ao populismo, Mudde classifica-o como uma ideologia estrita (thin-centered ideology), ou seja, o populismo pode ser combinado a uma “ideologia anfitriã”, como o nacionalismo, o liberalismo ou o socialismo. Ele considera a sociedade separada em dois grupos homogêneos e antagônicos: povo puro e elite corrompida, além de defender a política como expressão da vontade geral do povo e não pertencente à elite do establishment

Nacionalismos em vez de nacionalismo

Um dos temas mais recorrentes na ultradireita é o nacionalismo. Apesar de ser tratado como um conceito monolítico no campo das Relações Internacionais, há alguns autores que se referem ao termo como “nacionalismos”, em especial os contemporâneos que se preocupam em se distanciar de teorias do nacionalismo que sejam capazes de explicar o fenômeno de forma generalizada, priorizando práticas, discursos, aspectos e representações do nacionalismo, tanto na esfera política quanto na rotina de indivíduos.

Logo, as distintas formas de nacionalismo são determinantes para identificar quais símbolos, narrativas e práticas serão executadas por uma comunidade imaginada. As tipologias de nacionalismo são subdivididas em duas grandes categorias, com base na narrativa nacional escolhida. A primeira, aspectos de identidade social fixos, faz referência a aspectos ligados a princípios, valores e ideais a serem internalizados por indivíduos – sendo as mais comuns o nacionalismo cívico, econômico, expansionista, revolucionário, conservador, liberal e o cristão. A segunda, dos aspectos descritivos, enfatiza aspectos transmitidos por meio da hereditariedade, englobando o nacionalismo racial, cultural, religioso e linguístico. Cabe destacar que essa divisão não impede que uma comunidade pautada em aspectos fixos também recorra a aspectos descritivos, como a religião, para compor narrativas e tradições nacionais.

Em suma, algumas premissas básicas são estabelecidas para o nacionalismo: (1) autorreconhecimento entre uma comunidade imaginada – aqui entendida como uma nação além de características estritamente territoriais e objetivas –, caracterizada pela solidariedade e lealdade entre seus membros; (2) sentimento de superioridade de uma nação – grupo de indivíduos – diante de outras, criando uma distinção clara entre “nós e eles”; (3) práticas e símbolos que mencionem, celebrem e perpetuem essa comunidade imaginada; (4) o desejo de autogoverno em um determinado território; e (5) o nacionalismo não é uma força necessariamente inclinada para a destruição, sendo um elemento necessário e essencial para a organização de Estados-nação até hoje. 

Nationalisms in International Politics (Princeton Studies in Political  Behavior): Powers, Kathleen E.: 9780691224565: Amazon.com: BooksEm seu livro Nationalisms in International Politics (Princeton University Press, 2022), a cientista política Kathleen Powers apresenta o nacionalismo como um fenômeno multifacetado e facilmente transformável com base em elementos presentes em um determinado contexto nacional. Ela incorpora os elementos de “comprometimento” e “conteúdo” como duas dimensões do nacionalismo: o comprometimento, como a força de uma identidade nacional; e o conteúdo, como o que significa ser nacionalista, a partir da estruturação da maneira que indivíduos de um in-group interagem entre si e com aqueles de fora do seu grupo (o out-group). As variações no conteúdo auxiliam na explicação de variações nacionalistas na política externa. O comprometimento, por sua vez, infere na incorporação de uma ideia específica sobre o que é ser um nacional.

Derivado desses elementos de comprometimento ou conteúdo no nacionalismo, Powers utiliza modelos relacionais de unidade e igualdade que estabelecem regras implícitas sobre como pensamos e nos comportamos diante de outros indivíduos e grupos. Normas baseadas em unidade priorizam a homogeneidade do in-group, uma vez que necessita de uma separação dicotômica ante a uma “possível ameaça” para unificar seus membros. Já a igualdade resulta na manifestação de comportamentos de reciprocidade e justiça entre os membros do in-group, detendo maior heterogeneidade e promovendo barreiras mais flexíveis de separação entre grupos distintos. Os nacionalismos centrados na igualdade podem mitigar políticas exteriores agressivas. 

A crise na fronteira com o México

Desde 2016, Donald Trump se posicionou contra a recepção de imigrantes nos Estados Unidos. Seus discursos foram pautados por propostas como a construção do muro na fronteira com o México. Após eleito, ainda na primeira semana do seu mandato, ele assinou 472 ordens executivas que afetaram a imigração no país, entre as quais estão inclusas ordens sobre a questão imigratória. Algumas dessas ordens são: a Ordem 13.767, “Melhorias na Segurança de Fronteiras e na Aplicação da Lei de Imigração”, que determinava a construção de um muro ao longo da fronteira México-Estados Unidos; e a Ordem 13.768, “Melhorando a Segurança Pública no Interior dos Estados Unidos”, que afirmava que as cidades-santuário que se recusassem a cumprir as medidas de fiscalização da imigração não seriam elegíveis para receber subsídios federais, exceto para fins de aplicação da lei. conforme necessário.

Houve, ainda, um grande esforço de mobilização por fundos para a criação do muro durante o primeiro mandato do governo Donald Trump, em especial da parte do seu ex-chefe estrategista Steve Bannon, que conseguiu angariar mais de US$ 25 milhões para construir o muro na fronteira com o México. O governo mexicano, por sua vez, nunca contribuiu financeiramente para a construção do muro. 

Outro acontecimento importante nesse âmbito foi a separação das crianças de seus pais na fronteira, após a adoção de uma política zero, implementada em 2018, cujo objetivo era processar criminalmente suspeitos de cruzar a fronteira, o que levou à separação de milhares de crianças de seus pais. Essa medida teve uma repercussão bastante negativa, foi judicializada e acabou sendo cancelada sob ordem executiva. No entanto, centenas de famílias continuaram separadas. A situação piorou quando, em 2020, em meio à crise da covid-19, foi estabelecida uma ordem ― baseada no estatuto de saúde pública de 1944, da Seção 265 do Título 42 do Código dos EUA ― que proibia a entrada de requerentes de asilo e de outras formas de chegada não autorizadas nas fronteiras terrestres. Foi registrado um aumento de 41% de entradas ilegais bem-sucedidas em 2019, comparado a 2016. 

Nacionalismos na crise na fronteira durante o governo Trump 1.0

A administração de Donald Trump, enquanto enquadrada no espectro da ultradireita, busca situar o tema da imigração na fronteira como uma ameaça existencial ao povo estadunidense, apesar da média de imigrantes em situação de ilegalidade cruzando a fronteira ter-se mantido em torno de 0,3%, em relação à população total. Falas classificando imigrantes na fronteira como “não são pessoas, são animais”, “estupradores” e “traficantes” servem à necessidade do nacionalismo de construção de um out-group e se referem aos nacionalismos racial, cultural e étnico. 

No âmbito do nacionalismo econômico, há uma constante associação entre a ideia de perda de empregos/poder de compra com a entrada de imigrantes em situação de ilegalidade, com Trump afirmando em 2019 que “Os americanos da classe trabalhadora têm de pagar o preço da imigração em massa: empregos reduzidos, salários mais baixos, escolas sobrecarregadas, hospitais tão lotados que não é possível entrar, aumento da criminalidade e uma rede de segurança social esgotada”. Já no que tange ao nacionalismo cristão, ele se manifesta pela questão da hierarquia, mas também se faz presente no tópico da fronteira, uma vez que, pelo fato de a identidade de “ser cristão” se tornar um marcador mais importante para pertencimento nacional, eleva-se a probabilidade de a identidade estadunidense também estar atrelada apenas aos nativos – mais especialmente no caso dos que se encaixam na identidade nacional WASP (White Anglo-Saxan and Protestants, em português: branco, anglo-saxão e protestante). 

What is Christian Nationalism? | First Plymouth ChurchIdentidade de “ser cristão” se torna um marcador mais importante para pertencimento nacional (Fonte: First Plymouth Congressional Church)

Sobre o grau de comprometimento dos apoiadores da questão da fronteira entre Estados Unidos e México, a política de construção de um muro na fronteira, ao mesmo tempo em que enfrenta a oposição de 57% da população, contou com o apoio de 84% do eleitorado republicano, enquanto em relação à política de separação das crianças e suas famílias na fronteira apenas 53% dos republicanos se opuseram, contra 91% dos eleitores democráticos.

No caso da fronteira, é possível observar que Trump não mediu esforços na construção do tema como uma ameaça vital ao estilo de vida e identidade estadunidenses. Lideranças e partidos políticos podem se basear em elementos narrativos já existentes – como ressentimentos raciais não solucionados, que permeiam a história do país – e promover novas ideias de qual seria a identidade do grupo frente a um out-group. O modelo de Powers, enfim, além de ilustrar como uma identidade nacional pautada na unidade é mais propensa ao conflito em determinado eixo político, também demonstra a importância de lideranças políticas no processo de redefinição da identidade nacional em certos contextos. 

 

Leia mais da autora no OPEU

Informe OPEU, “‘Nunca recuaremos e nunca, nunca, nunca nos renderemos’: O argumento final de Donald Trump”, 5 nov. 2024

Panorama EUA, “Ascensão de queda de Steve Bannon”, 15 out. 2024

Panorama EUA, “O primeiro debate presidencial de 2024: antecedentes, tópicos abordados e repercussão”, 5 jul. 2024

Informe OPEU, “Biden vs. Trump 2.0: polarização política e fragilidade da democracia”, 14 mar. 2024

Resenha OPEU, “A vitória de Donald Trump nas eleições de 2016: A extrema-direita e as fake news, de André Pini”, 20 fev. 2024

 

Leia mais do autor no OPEU

Republicação, “Plano ultraconservador do futuro governo Trump não é bem recebido pela sociedade americana”, 11 dez. 2024.

Resenha OPEU, “‘O Aprendiz’: como as três regras de Roy Cohn construíram a imagem de Donald Trump, 13 fev. 2025.

 

 

 

 

* Andressa Mendes é pesquisadora colaboradora do INCT-INEU/OPEU e doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas (Unesp, Unicamp, PUC-SP). Ela é mestre e graduada em Relações Internacionais pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Contato: glm.andressa@gmail.com.

Thiago Oliveira é pesquisador colaborador do INCT-INEU/OPEU, doutorando e mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas (Unesp, Unicamp, PUC-SP) e pós-graduado em Globalização e Cultura pela FESP-SP. Contato: thiagogodoy_oliveira@hotmail.com

** Revisão e edição finais: Tatiana Teixeira. Recebido em 15 de novembro. Este Informe não reflete, necessariamente, a opinião do OPEU, ou do INCT-INEU.

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