Editora Unesp lança ‘Como os Estados Pensam’, de John Mearsheimer e Sebastian Rosato

Crédito: Tatiana Carlotti
Por Tatiana Carlotti* [Resenha OPEU] [John Mearsheimer]
Com tradução de Fernando Santos e a excelência da Editora Unesp, finalmente chega às livrarias brasileiras Como os Estados pensam, o mais recente estudo do teórico das Relações Internacionais John Mearsheimer (Universidade de Chicago) e do cientista político Sebastian Rosato (Universidade de Notre Dame).
Lançado nos Estados Unidos, em setembro de 2023, o livro é traduzido pela primeira vez, uma iniciativa do INCT-INEU em parceria com a Editora Unesp. Referência para os pesquisadores em Relações Internacionais, Como os Estados Pensam é leitura para todos os que se interessam por política internacional ou desejam compreender como os Estados efetivamente tomam as suas decisões.
Além de apresentar um tema-chave sobre os destinos de todos nós, a obra é inovadora em sua forma de elaboração. Foi um processo colaborativo on-line que permitiu a Mearsheimer e Rosato recolherem visões de inúmeros pesquisadores pelo mundo afora, em reuniões onde o texto era visto simultaneamente, levando a sucessivas versões e revisões.
“Como os Estados pensam é filho tanto da pandemia – que nos confinou em nossas casas e que, ao deixar em suspenso o resto das nossas vidas, nos proporcionou o tempo de que precisávamos para pensar e escrever – como do Zoom, que nos permitiu passar umas três mil horas trabalhando juntos e nos reunindo com colegas do mundo inteiro” (p. 16), contam os autores.
Neste trabalho, eles dialogam com várias teorias das políticas internacionais e desenvolvem o conceito de racionalidade estratégica, argumentando que ver os adversários como irracionais, ou amorais, apenas prejudica a capacidade de resposta dos Estados.
Racionalidade estratégica
Em meio a tantas guerras – Ucrânia, Palestina, Sudão, Burkina Faso, Mianmar e outras –, quedas de democracias, embargos e sanções econômicas com resultados catastróficos, pensar nas decisões dos Estados como “racionais” parece um exagero. No entanto, Mearsheimer e Rosato não só afirmam – “em nítido contraste com o senso comum emergente, julgamos que os Estados geralmente são racionais” (p. 206) – como mostram essa racionalidade, analisando uma série de decisões tomadas pelos Estados em momentos cruciais.
O resultado é um tratado sobre o que eles definem como “racionalidade estratégica”, combatendo a percepção contrária do senso comum e até de teóricos das Relações Internacionais defensores da irracionalidade dos Estados.
Eles citam como exemplo a percepção corrente da invasão russa na Ucrânia. Desde 2022, o presidente russo, Vladimir Putin, vem sendo apresentado na imprensa como um déspota irracional.
Presidente Vladimir Putin (Crédito: ITU/V. Martin/Flickr)
Sem endossar nenhum dos lados, os autores argumentam que “Putin e seus conselheiros pensaram simplesmente em termos da teoria do equilíbrio de poder, considerando que as tentativas do Ocidente de transformar a Ucrânia numa cidadela na fronteira da Rússia era uma ameaça existencial que não podia ser tolerada (…) Era uma guerra de autodefesa para impedir uma mudança desfavorável no equilíbrio de poder” (p. 13).
“Contra a opinião cada vez mais frequente entre os estudantes de Política Internacional de que os Estados geralmente não são racionais, afirmamos neste livro que a maioria dos Estados é racional a maior parte do tempo”, frisam.
E advertem: “Racionalidade não tem a ver com resultados. Agentes racionais muitas vezes não conseguem alcançar seus objetivos, não por terem ideias malucas, mas devido a fatores que eles não conseguem prever nem controlar” (p. 21).
Da mesma forma, racionalidade não significa moralidade. “Políticas racionais podem violar padrões de conduta amplamente aceitos, e podem até ser extremamente injustas” (p. 12), complementam.
Teorias verossímeis e deliberação
Mearsheimer e Rosato apontam que a racionalidade estratégica do Estado “tem a ver com o modo como os líderes que formulam a política externa trabalham juntos para apresentar os objetivos e as estratégias para alcançá-los.”
“É esse conjunto de pessoas, não o Estado propriamente dito, que faz as políticas. Portanto, a racionalidade de um Estado depende do modo como as opiniões de seus principais assessores políticos são reunidas” (p. 23), explicam.
Líderes racionais “empregam teorias verossímeis tanto para compreender a situação em questão como para escolher as melhores políticas para alcançar seus objetivos”. Neste sentido, um Estado é racional, quando “as opiniões de seus principais líderes são reunidas por meio de um processo deliberativo, e a política final é baseada em uma teoria verossímil”.
Um Estado não é racional, por sua vez, “quando não baseia sua estratégia numa teoria verossímil, não delibera, ou ambos” (p .23).
Eles destacam que “as relações internacionais acontecem em um mundo imprevisível”, no qual “os assessores políticos não têm acesso a informação abundante a respeito dos problemas que enfrentam, e os dados relevantes que conseguem obter nem sempre são confiáveis” (p. 38).
Quando o processo é estrategicamente racional, esses assessores políticos “empregam teorias verossímeis para compreender o mundo e decidir a melhor maneira de alcançar um objetivo. Os Estados racionais agregam as opiniões de diferentes assessores políticos em duas etapas: um debate vigoroso e irrestrito e uma escolha de política feita por um decisor supremo” (p. 25).
Após uma análise cuidadosa da História, eles afirmam que, “avaliados por esses critérios, os Estados são sistematicamente racionais em sua política externa” (p. 23). Para evidenciar isto, eles destinam os quatro primeiros capítulos às definições e teorias das políticas internacionais.
Vale salientar que a discussão não afugenta os leitores não especializados. A linguagem é acessível, e os autores trazem, de forma muito didática, os embates conceituais.
A partir do quinto capítulo, para sustentar este modelo teórico, eles analisam uma série de decisões estratégicas racionais e irracionais, em momentos de crise ou não, tomadas por diversos países ao longo da História.
Grandes processos decisórios
Ainda que seja muito interessante a teorização em torno dos conceitos de racionalidade, dos processos negociados de tomada de decisão em condições de imprevisibilidade, muito da força do livro, sobretudo para o público não especializado, está na forma como os autores narram e analisam os grandes conflitos internacionais que conhecemos, levando-nos a uma compreensão mais ampla da História.
Isso é particularmente importante, pois, como os autores salientam, fomos frequentemente levados a simplificar os grandes conflitos, limitando-nos a decidir “de que lado estamos”, quem são os bons e os maus. Além disso, a visão retrospectiva sobre decisões de grande impacto, ajuda-nos a projetar sobre os desafios em curso e os que virão.
Para cada caso, os autores abrem o leque de opções, não descrevendo os conflitos, amplamente conhecidos, mas nos colocando diante dos momentos em que as decisões precisavam ser tomadas. Não a quantidade de tanques, de navios, de batalhas, e sim como os desafios se refletiam nas reuniões governamentais e como essas decisões, certas ou erradas, justas ou injustas, racionais ou irracionais, foram tomadas.
Um enfoque enriquecedor sobre as tensões e os conflitos internacionais. Quais as opções dos Estados Unidos relativamente à União Soviética depois da Segunda Guerra Mundial: agressividade, contenção, isolamento, deixar a Europa enfrentar? A própria relação estadunidense com a Europa, em grande parte destruída naquele momento, com diferentes opções estratégicas e com países em situações tão diferenciadas, como as da Alemanha, Itália, França e Inglaterra.
As análises das opções não se limitam a um período cronológico. No caso da China, eles mostram a evolução das tensões frente ao crescimento econômico mais recente; no do Japão, eles voltam ao embargo sobre as exportações de petróleo imposto pelos Estados Unidos, ainda nos anos 1930. A medida colocou o país em uma posição extremamente frágil em termos de energia, levando ao ataque a Pearl Harbor, em 7 de dezembro de 1941.
Casos analisados
Com algumas páginas por caso, os autores fazem uma “retrospectiva” sobre como esses episódios evoluíram antes de serem tomadas as decisões e a construção das políticas, cujos resultados conhecemos, mas na dimensão dos embates e dos processos decisórios.
O quinto capítulo é voltado para as decisões estratégicas consideradas racionais. São analisadas: as escolhas da Alemanha antes da Primeira Guerra Mundial; as decisões do Japão em relação à União Soviética nos anos 1931-1937; as discussões políticas na França ante ao avanço do nazismo na Alemanha, e o sentimento de impotência gerado; a decisão de expandir a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) em 1997 e o papel do então presidente Bill Clinton; e as opções dos Estados Unidos após o fim da Guerra Fria, em 1991.
(Arquivo) Soldados americanos inspecionam casa ao norte de Qui Nhon durante a Guerra do Vietnã em 10 jun. 1966 (Crédito: Forças Armadas dos EUA/Wikipedia)
No sexto capítulo, eles observam casos de “racionalidade e gestão de crise”: a decisão da Alemanha de desencadear a Primeira Guerra, em 1914; a do Japão de atacar Pearl Harbor em 1941; a da Alemanha de invadir a União Soviética naquele mesmo ano; a estratégia dos Estados Unidos em meio à Crise dos Mísseis em Cuba, em 1962; e a invasão soviética da Tchecoslováquia, em 1968. Abordam, ainda, a invasão dos Estados Unidos no Vietnã na década de 1960, comentando sobre a “teoria do dominó”, que justificava a opção pela guerra com o argumento de que, se o Vietnã “caísse”, todos os países vizinhos cairiam. Resultado: Os Estados Unidos perderam, e não houve dominó.
Aliás, também não havia armas de destruição de massa no Iraque, caso analisado no sétimo capítulo do livro. Nele, os autores trazem dois exemplos de grandes estratégias não racionais: a decisão da Alemanha, na virada do século XX, de construir uma Marinha e desafiar a Grã-Bretanha; e a escolha da Grã-Bretanha de não criar um exército para lutar no final da década de 1930.
No mesmo capítulo, os autores debatem, ainda, outros casos de políticas não racionais em momentos de crise, como a decisão dos Estados Unidos pela invasão da Baía dos Porcos, em 1961; e a de invadir o Iraque; em 2003. “Em cada um dos casos, a política do governo se baseou em teorias inverossímeis, ou em argumentos guiados pela emoção, e resultou de um processo não deliberativo” (p. 171), afirmam.
Estados são racionais, na maioria dos casos
As teorias mais amplas por trás das decisões tomadas pelos Estados também são apresentadas. Os autores trazem o peso, por exemplo, que adquiriram as teorias de Milton Friedman, a partir do governo de Ronald Reagan (1981-1989), para justificar o vale-tudo corporativo que coincidia com a evolução para o neoliberalismo.
Em relação às teorias que embasam a racionalidade do Estado, eles dividem em dois eixos – liberal ou realista – e elencam igualmente as “teorias inverossímeis”, como “a teoria da promoção violenta da democracia [que] postula que um Estado pode usar a força militar para derrubar um dirigente não democrático e transformar o Estado visado em uma democracia” (p. 66). A referência é a política norte-americana.
No oitavo capítulo, eles discutem a questão da autopreservação dos Estados, mostrando que, “ao contrário das afirmações de alguns especialistas, não há muitos indícios de que os Estados subordinem sua autopreservação a outros objetivos” (p. 32). Por fim, no nono e último capítulo, os autores examinam as consequências de seus argumentos para a teoria e a prática da política internacional.
“Dizer que um Estado é um agente racional significa dizer que ele baseia suas políticas em teorias verossímeis e toma decisões por meio de um processo deliberativo de formulação de políticas. Por esse padrão, a História revela que a maioria dos Estados é racional a maior parte do tempo” (p. 206), concluem.
Com uma bibliografia de fôlego – 25 páginas –, o livro chega às livrarias como uma referência para os pesquisadores de Relações Internacionais e, sobretudo, para os assessores políticos que se encontram nas instâncias decisórias do Estado brasileiro. Para o público, em geral, é uma enriquecedora leitura que dá acesso aos bastidores de grandes decisões históricas.
O livro estará à venda no site da Editora Unesp.
* Tatiana Carlotti é doutora em Semiótica pela USP e mestre em Literatura Brasileira pela PUC-SP. Confira seus textos em tcarlotti.blog.
** Revisão e edição final: Tatiana Teixeira. Este conteúdo não reflete, necessariamente, a opinião do OPEU, ou do INCT-INEU.
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