Crise no ‘X’: saída dos jornais e a violação dos direitos humanos

Publicação do jornal The Guardian sobre sua saída no aplicativo “X”, em 13 nov. 2024 (Crédito: The Guardian)
Por Ana Julia S. Coqueiro* [Informe OPEU] [Elon Musk] [Direitos Humanos]
“Queríamos que os leitores soubessem que não publicaremos mais em nenhuma conta editorial oficial do Guardian no site de mídia social X”, afirmou o jornal The Guardian em sua página oficial, no dia 13 de novembro de 2024. Mas por que essa decisão foi tomada? O que a incentivou? E o que ela pode significar para o futuro do jornalismo na plataforma social “X”?
A decisão do jornal pode ser o início de um movimento de saída de outras fontes informacionais do aplicativo de Elon Musk, dado que sua motivação não é uma novidade entre as polêmicas envolvendo a plataforma. Depois de, em agosto de 2024, o aplicativo ter sido suspenso no Brasil por violações de ordens judiciais do ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes, novamente vemos a rede social envolvida em questões de violações de diretrizes — dessa vez, sobre os direitos humanos.
Entende-se que, apesar da forte presença do jornal no X (mais de 80 contas e, aproximadamente, 27 milhões de seguidores), o Guardian não compactua com o “conteúdo ofensivo” na plataforma. “Isto é algo que estamos considerando há algum tempo, dado o conteúdo frequentemente perturbador promovido ou encontrado na plataforma, incluindo teorias de conspiração de extrema direita e racismo”. A postagem do veículo acrescentou, ainda, que a campanha eleitoral nos Estados Unidos apenas fomentou a toxicidade da plataforma e, inclusive, serviu para o próprio Elon Musk moldar a corrida política de seu aliado, o republicano Donald Trump.
Era uma vez uma plataforma saudável…
Antes da chegada de Elon Musk ao mercado midiático, o Twitter era uma plataforma que contava com diversos momentos históricos, revolucionando a maneira como as pessoas podiam se comunicar, publicar seus pensamentos, interagir com seus interesses e se conectar com o mundo por meio de notícias. Em 14 de abril de 2022, porém, começaram as conversas e negociações sobre a compra da plataforma pelo bilionário, com a transação sendo concluída em 27 de outubro de 2022. A partir daí, o Twitter que conhecíamos sofreria diversas mudanças, incluindo seu nome – que passaria a ser X.
A história da rede social começa em 2006, com Jack Dorsey, Evan Williams, Biz Stone e Noah Glass lançando a plataforma e alcançando uma rápida ascensão no mercado. Foram diversos marcos midiáticos vistos ao longo dos anos, com o uso da rede como uma ferramenta de protesto, propagação de notícias e revolução na área de publicidade e marketing. Apenas para ressaltar um acontecimento superinteressante, em 2010 a rede social ultrapassou a órbita terrestre: o astronauta Timothy Creamer enviou um tuíte do espaço.
Postagem feita na conta oficial do astronauta Timothy Creamer no antigo Twitter, em 22 jan. 2010 (Fonte: X)
Após a finalização da compra do Twitter, em 2022, diversas mudanças começaram a acontecer, como: a demissão do então CEO da plataforma, o fechamento de escritórios e a demissão em massa de funcionários. Com isso, inicia-se uma nova era na rede social.
Entre as muitas mudanças realizadas pelo novo dono desta mídia, as mais relevantes para este Informe estão em torno da governança, das prioridades comerciais e das políticas internas. Aqui está um quadro comparativo com as diretrizes do Twitter antes e depois da aquisição por Elon Musk:
Aspecto | Antes da aquisição | Depois da aquisição por Musk |
Moderação de conteúdo | Políticas contra discurso de ódio, desinformação e assédio eram rígidas, com equipes amplas para monitoramento | Redução drástica das equipes de moderação e flexibilização das regras; priorização da “liberdade de expressão” |
Verificação de contas | Selos de verificação gratuitos para figuras públicas, jornalistas e marcas verificadas | Introdução do sistema pago “Twitter Blue” para obtenção do selo |
Funcionamento da equipe | Estruturas completas com foco em diversidade de funções, incluindo segurança e direitos humanos | Demissões em massa (cerca de 75% do quadro), impactando todas as áreas |
Monetização e anúncios | Receita focada em publicidade, com regras rigorosas para conteúdo patrocinado | Mudança para assinaturas e redução no número de anunciantes, devido a preocupações com brand safety |
Uso de dados | Políticas tradicionais de proteção de privacidade | Alterações e maior ênfase na integração com outros projetos de Musk; uso de dados para treinamento da IA (Inteligência Artificial) da plataforma |
Fonte: Elaboração da autora com base em matéria da NPR
A onda de violação aos direitos humanos
Com base nas mudanças acima, nota-se como o ambiente do X se tornou mais propício para certas violações, incentivando uma atmosfera hostil e tóxica entre seus usuários. Dentro da plataforma, são inúmeros os tuítes que indicam que a rede social é uma “realidade paralela”, por conta da normalização da cultura do cancelamento, dos diversos insultos proferidos e da fomentação da ideia de que a Internet é uma terra sem lei.
Mas a postura dos usuários não é a única raiz para a criação dessa atmosfera. O próprio X vem acumulando desavenças com autoridades no mundo todo. Na União Europeia, por exemplo, foi apontado que a plataforma está em descumprimento da legislação; no Brasil, o aplicativo foi suspenso por mais de um mês por descumprir as ordens judiciais de Alexandre de Moraes, ministro do STF, e por não ter um representante legal no país; na Austrália, a rede social se recusa a apagar um vídeo de uma tentativa de assassinato de um bispo, conteúdo que, segundo as autoridades, estava incentivando a violência no país.
Por conta disso, o jornal The Guardian optou por deixar a plataforma. Em sua postagem oficial, mencionou que os usuários do X ainda poderiam compartilhar seus artigos, mas o jornal em si não faria mais publicações oficiais. Acrescentaram ainda que “as redes sociais podem ser uma ferramenta importante para as organizações de notícias e nos ajudam a alcançar novos públicos, mas, neste momento, o X desempenha um papel menor na promoção do nosso trabalho. Nosso jornalismo está disponível e aberto a todos em nosso site, e preferimos que as pessoas acessem theguardian.com e apoiem nosso trabalho lá”.
Vale ressaltar a reação de Elon Musk à notícia da saída do jornal: ele declarou que o The Guardian é uma “máquina de propaganda laboriosamente vil”.
Resposta de Elon Musk no X sobre a saída do The Guardian, em 13 nov. 2024 (Crédito: X)
Começa um possível “segue o líder”
Após a notícia da saída do tradicional jornal britânico, outros veículos de informação também estão optando por deixar a plataforma. Suas motivações são as mesmas do The Guardian, além de constatarem ser uma rede social repleta de desinformação.
O segundo jornal a anunciar sua saída foi o La Vanguardia, da Espanha. Entre os motivos para deixar a plataforma, o perfil do periódico publicou que “Desde a chegada de Elon Musk, o X está repleto de conteúdo tóxico e desorientador de uma forma cada vez mais avassaladora”. Além disso, mencionaram como a plataforma foi tomada por teorias da conspiração e pela propagação de fake news.
O jornal informou que deixará suas contas em suspenso e continuará seguindo “pessoas, entidades, empresas e instituições nesta rede para poder informar pontualmente seus leitores sobre mensagens e debates que possam ocorrer nela”.
Outro que disse estar deixando o X é o jornal francês Ouest-France. Em sua publicação, o veículo esclarece que o motivo de sua saída é por não considerar “sensato ou apropriado permanecer ativo [no X] até que sejam tomadas garantias sérias contra a desinformação, o assédio e a violência”. Sendo o periódico de maior circulação no país, sua decisão apenas reforça uma possível onda que a partida do The Guardian colocou em curso.
Ressalta-se que a decisão do jornal francês tem sido alimentada desde 2023, dado que, “em protesto contra a falta de moderação e regulamentação na rede social X (antigo Twitter), onde a desinformação e as notícias falsas são abundantes, a Ouest-France desligou suas publicações na plataforma. Essa ‘greve’ foi lançada por um grupo para condenar os excessos da plataforma. Desde então, nossas várias contas têm sido atualizadas apenas esporadicamente: a conta geral passou de 200 tuítes por dia para cerca de 20 por semana”.
Ainda temos outros jornais deixando a plataforma. Caso as violações de diretrizes, direitos e moral dos usuários continuem acontecendo, além da propagação de desinformação e liberação de postagens de conspirações políticas de extrema direita em prol da “liberdade de expressão”, a tendência é de mais periódicos se firmarem em seus valores morais e éticos e saírem da plataforma de vez.
Esse movimento pode significar uma reestruturação da maneira como as informações e notícias são transmitidas, principalmente para a parcela mais jovem da população, dado que grande parte da nova geração utiliza a rede social para se alimentar das notícias e não cair na alienação.
Isso nos leva a questionar se o X ainda será uma ferramenta política para a propagação de manifestações, movimentos sociais e lutas por direitos humanos, como o Twitter uma vez foi.
* Ana Julia S. Coqueiro é estudante de Relações Internacionais na Universidade Anhembi Morumbi e aluna participante do projeto de extensão da referida instituição em parceria com o OPEU. Contato: anajuliasilvacoqueiro@gmail.com. Contato: LinkedIn.
** Revisão e edição finais: Tatiana Teixeira. Recebido em 18 nov. 2024. Este Informe não reflete, necessariamente, a opinião do OPEU, ou do INCT-INEU.
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