Política Doméstica

Oscar 2025 diz ‘não’ a Trump e sua agenda 

Fonte e crédito: Lanks/Shutterstock.com

Por Tatiana Teixeira* [Informe OPEU] [Trump 2.0] 

O Aprendiz - Ingresso.comSalvo no anúncio da indicação do filme sobre sua trajetória (“O Aprendiz”, 2024), Donald Trump não foi mencionado, diretamente, na festa do Oscar 2025. Seu suplente Elon Musk tampouco. Isso não significa que a figura presidencial tenha sido ignorada e que o evento tenha sido apolítico, ou politicamente irrelevante, conforme noticiado aqui e ali. Política é política, grande e pequena, e não deve ser diminuída, especialmente se ela acontece em um contexto de ameaça à liberdade de expressão dos dissidentes, politicamente desalinhados e desafetos. Apesar da orientação, por parte da Academia do Oscar, de uma festa politics-free, o governo e as políticas de Trump estiveram claramente presentes na noite do prêmio de maior prestígio da indústria cinematográfica mundial. Como sabemos, a separação artificial de arte e política é difícil de garantir e de ser sustentada – pelo menos por muito tempo. 

Em um desses momentos, o anfitrião Conan O’Brien (que substituiu o politicamente engajado Jimmy Kimmel) fez sua única piada (velada) sobre a relação do presidente americano com o colega Vladimir Putin, no contexto da prolongada e desgastante guerra da Ucrânia e das potenciais negociações para pô-la a termo. “Acho que os americanos estão animados por ver alguém finalmente enfrentar um russo poderoso”, ironizou O’Brien, lacônico, ao comentar as estatuetas de “Anora”. 

Grande vencedor da noite, com cinco prêmios, entre eles, melhor filme, melhor diretor (Sean Baker) e melhor atriz (Mikey Madison), essa produção independente de baixo orçamento (US$ 6 milhões) conta a história de uma profissional do sexo que se casa com o filho de um oligarca russo. Um filme que – na análise de Ty Burr, do Washington Post – ilustra, mais uma vez, o fetiche de Hollywood com mulheres que vendem seus corpos. 

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O que vimos na noite de domingo no Dolby Theatre, em Los Angeles, foi uma tomada de posição política, sim, de diferentes vozes e com apoio do seleto e glamouroso público, sobre pontos diretamente relacionados com Trump 2.0. E foram reações simbolicamente importantes, em um contexto de cada vez maior (auto)censura, (auto)silenciamento, aquiescência, “adaptação” editorial e recuo dos principais veículos da imprensa e de prestigiosas universidades americanas no que diz respeito a Trump 2.0. O motivo? Evitar uma perseguição por parte do governo, assim como a judicialização da política, envolvendo declarações e o que mais desagradar ao trumpismo e a seus acólitos.  

Essas reações também se mostram necessárias ante uma Academia que, apesar das mudanças e das tentativas de atualização de missão, políticas e diretrizes internas feitas nos anos recentes na esteira dos movimentos #OscarsSoWhite, Time’s Up e #MeToo, ainda é vista como machista, desigual, pouco inclusiva e diversa, precipuamente ocidental, além de geográfica e culturalmente pouco representativa. Uma análise detalhada sobre o perfil da Academia e dos prêmios concedidos pela instituição foi publicada pela Sky News e pode ser lida aqui (o site MediaTalks, do UOL, traz a versão em português).  

E por que, mesmo sendo pontuais e não tão numerosas quanto em edições anteriores do Oscar, tais reações devem ser consideradas relevantes? 

Primeira observação. Em 16 de janeiro, dias antes de sua posse, Trump anunciou o nome de três embaixadores especiais para Hollywood: os atores Jon Voight, Mel Gibson e Sylvester Stallone. Como acontece em muitas das políticas e medidas anunciadas por Trump já como presidente, não há detalhes sobre o assunto e não se sabe o que esse grande e qualificado trio terá de (e conseguirá) fazer, mas, segundo Trump, “eles atuarão como enviados especiais para mim com o objetivo de trazer Hollywood, que perdeu muitos negócios nos últimos quatro anos para países estrangeiros, de volta – MAIOR, MELHOR E MAIS FORTE DO QUE NUNCA! Essas três pessoas muito talentosas serão meus olhos e ouvidos, e eu farei o que elas sugerirem. Será novamente, como os próprios Estados Unidos da América, a Era de Ouro de Hollywood!”. O nostálgico recorte temporal nos dá uma pista: retorno a uma época de temas, papéis, estereótipos e gêneros bem definidos, sem espaço para inovações e alteridade; período de reconstituição moral da sociedade; e estilo clássico e grandioso das produções.  

O que quer que seja, claro está que Trump vê Hollywood como uma questão a ser controlada e resolvida e que críticas de celebridades e doações aos democratas não serão facilmente esquecidas, ou “perdoadas”. 

Segunda observação. Hollywood e o macarthismo. No Pós-Segunda Guerra Mundial, início da Guerra Fria, quando estava em curso a batalha entre duas ideologias, estilos de vida e sistemas político e econômico opostos, a sociedade americana vivenciou um paranoico período de caça às bruxas em diferentes setores e instituições, como universidades, mídia, Forças Armadas e indústria do cinema. Institui-se uma Lista Negra (sic) de Hollywood, em meio às investigações conduzidas pelo Comitê de Atividades Antiamericanas (HUAC). Atores, diretores e demais profissionais do setor foram vigiados, denunciados, perseguidos e isolados, perdendo seus empregos, ou mesmo deixando o país. 

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Da seleção dos filmes indicados à escolha dos vencedores nas mais importantes categorias, passando por emocionados e/ou impactantes discursos dos agraciados com a estatueta, a mensagem ressoada no Oscar 2025 foi: somos a favor da democracia, somos contra a xenofobia e somos contra o esmagamento e o apagamento do povo palestino. No caso deste último tópico, trata-se de mensagem e premiação notáveis, em uma indústria que sempre priorizou o outro lado do conflito e contou (e ainda conta) com um pesado lobby a seu favor. Quem tem mais recursos, tem mais voz e mais aliados em diferentes esferas do poder, como mostra o fato de o documentário “No Other Land” ter, até hoje, grande dificuldade em sua distribuição nos cinemas nos EUA. 

No Other Land - Bozeman Doc Series

Entre os indicados deste ano repleto de filmes de pautas políticas, tivemos obras como “Sing Sing”, de Greg Kwedar, sobre as condições nos presídios americanos, onde se encontra uma ampla maioria negra de detentos; “Ainda estou aqui”, de Walter Salles, sobre violência da ditadura no Brasil; “A substância”, de Coralie Fargeat, sobre a pressão estética e performática imposta às mulheres e seu consequente descarte a partir de certa idade; “A Real Pain”, de Jesse Eisenberg, e “The Brutalist”, de Brady Corbet, sobre Holocausto e imigrantes; ou “Emilia Pérez”, de Jacques Audiard, sobre o processo de transição de uma mulher trans; além dos já mencionados “O Aprendiz” e “Anora”. 

Em seu discurso para receber o prêmio de melhor ator, Adrien Brody (“The Brutalist”) se referiu ao contexto polarizado atual. Disse que reza “por um mundo mais saudável, mais feliz e mais inclusivo” e que “o passado (…) é um lembrete para não deixarmos o ódio passar sem controle”. O ator também lembrou que recebe seu segundo Oscar na mesma categoria (após “O Pianista”, 2002), interpretando um sobrevivente do Holocausto e representando “os traumas e as repercussões persistentes” da guerra, do antissemitismo e do racismo.  

No caso do vencedor na categoria documentário, “No Other Land”, dois dos quatro diretores – o ativista palestino Basel Adra e o jornalista israelense Yuval Abraham – destacaram os efeitos das campanhas militares de Israel em Gaza e na Cisjordânia ocupada, pediram uma “solução política” para o conflito histórico e denunciaram a política externa dos Estados Unidos para a região. “Há um caminho diferente, uma solução política sem supremacia étnica, com direitos nacionais para ambos os povos”, disse Yuval Abraham. “E, devo dizer, enquanto estou aqui, que a política externa deste país está ajudando a bloquear esse caminho”, completou. Adra também conclamou o mundo a “acabar com a injustiça e com a limpeza étnica do povo palestino”, enquanto Abraham condenou “a destruição atroz de Gaza e de seu povo”. 

Sozinho no palco ao receber o Oscar de melhor filme internacional, o brasileiro Walter Salles dedicou o prêmio à Eunice Paiva. Sua história inspirou o livro homônimo, escrito por seu filho Marcelo Rubens Paiva e que deu origem ao filme. “Em nome do cinema brasileiro, é uma honra tão grande receber isso de um grupo tão extraordinário. Isso vai para uma mulher que, depois de uma perda tão grande no regime tão autoritário [o assassinato de seu marido, Rubens Paiva], decidiu não se dobrar e resistir. Esse prêmio vai para ela: o nome dela é Eunice Paiva”, declarou Salles. 

Ainda estou aqui - O livro que deu origem ao filme | Amazon.com.br

Em outro momento, Zoe Saldaña (melhor atriz coadjuvante por “Emilia Pérez”) disse ser a primeira americana de ascendência dominicana a ganhar um Oscar, mas que não será a última. E se emocionou, ao falar da avó. “Minha avó veio para este país em 1961. Sou uma filha orgulhosa de pais imigrantes com sonhos, dignidade e mãos trabalhadoras (…) E o fato de estar recebendo um prêmio por um papel em que pude cantar e falar em espanhol, minha avó, se estivesse aqui, ficaria muito feliz. Isto é para minha avó”. Em seu primeiro mês de governo, Trump deportou 37.660 imigrantes em situação ilegal, conforme informação do Departamento de Segurança Interna, e publicou várias ordens executivas voltadas para conter a chegada de novos migrantes e devolver para os países de origem os que já estão nos EUA. 

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De acordo com informação disponível no site institucional, mais de 10.500 “artistas e líderes globais do setor cinematográfico” são membros da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas. Entre eles, estão atores, escritores, diretores, figurinistas, maquiadores, produtores e outros profissionais do setor, incluindo brasileiros. Para a 97a cerimônia do Oscar, o prazo de inscrição para as categorias gerais ocorreu em meados de novembro, e a votação preliminar teve início em 9 de dezembro de 2024. Trump já estava, portanto, eleito. 

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Quando o tecido social se esgarça, e a disputa política se torna tão árida e brutal, é para a arte que nos voltamos. A arte, em suas variadas formas, pode ajudar a nos mantermos vivos, alertas e unidos.

 

Conheça alguns dos textos da autora publicados no OPEU

Informe “Posse presidencial: um ritual de sacralização do ordinário marcado por opulência e poder”, 21 jan. 2025

Informe “Criador das ‘13 Keys’, Nostradamus das eleições nos EUA prevê vitória de Kamala Harris”, 7 set. 2024

Informe “Impacto da saída de RFK Jr. é pequeno, mas pode ser chave em eleição apertada”, 30 ago. 2024

Informe “Think tanks, lobbies e política nos EUA”, 6 jun. 2024

Informe “Colégio Eleitoral nos EUA: um sistema obsoleto que resiste à mudança dos tempos e da sociedade”, 28 de maio de 2024

Informe “Lula e Biden: uma relação com ganhos e (novos) limites para Brasil e EUA”, 11 fev. 2023

Informe “A carta de Biden”, 21 mar. 2021

Informe “O legado do senador republicano Mitch McConnell”, 30 out. 2020

Informe “Think tanks e política nas eleições de 2020 nos EUA”, 15 dez. 2019

Informe “A bilionária e feroz propaganda eleitoral nos EUA”, 17 nov. 2019

Informe “Think tanks americanos e a desigualdade de gênero”, 29 out. 2019

 

Tatiana Teixeira é editora-chefe do Observatório Político dos Estados Unidos (OPEU). Contato: professoratatianateixeira@outlook.com.

** Revisão e edição final: Tatiana Teixeira. Este conteúdo não reflete, necessariamente, a opinião do OPEU, ou do INCT-INEU.

*** Sobre o OPEU, ou para contribuir com artigos, entrar em contato com a editora do OPEU, Tatiana Teixeira, no e-mailprofessoratatianateixeira@outlook.com. Sobre as nossas newsletters, para atendimento à imprensa, ou outros assuntos, entrar em contato com Tatiana Carlotti, no e-mailtcarlotti@gmail.com.

 

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