Fazer a América Grande de Novo e hegemonia regional no governo Trump 2.0
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Crédito: Razones de Cuba
Por Luciana Wietchikoski, para Interesse Nacional* [Republicação] [Trump 2.0] [Hegemonia] [América Latina]
No seu discurso de posse, no dia 20 de janeiro deste ano, o novo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump voltou a incluir a América Latina no radar de sua política externa. Ele reafirmou que sua administração considerará retomar o controle do Canal do Panamá e renomeará o Golfo do México como “Golfo da América”. Embora essas declarações sejam bravatas pouco diplomáticas e desprovidas de viabilidade política, a controvérsia envolvendo a América Latina intensificou os questionamentos sobre os rumos da política externa estadunidense na região, com reflexos diretos para o Brasil.
À primeira vista, o discurso radical e pouco convencional de Trump sugere — no mínimo — um alto grau de imprevisibilidade. No entanto, por trás de suas “medidas surpreendentes”, é possível identificar elementos centrais que estarão em jogo no próximo mandato do conservador ultradireitista. Entre esses, destaca-se o papel estratégico que a América Latina desempenha na manutenção do status quo internacional dos Estados Unidos, especialmente diante da disputa com a China.
Embora seja frequentemente anunciada como secundária para os Estados Unidos, a América Latina desempenha papel estratégico para a superpotência internacional. A região foi o primeiro espaço prioritário de expansão econômica estadunidense, impulsou seus negócios (privados), como, por exemplo, a atuação marcante da United Fruit Company na América Central e acesso a recursos materiais fundamentais ao seu “progresso”, como o petróleo venezuelano e colombiano explorado por empresas como a ExxonMobil. Além disso, o controle estratégico do Canal do Panamá, exercido pelos EUA de 1914 a 1999 – ao permitir a comunicação marítima entre a costa do Atlântico e do Pacífico –, foi decisivo para fortalecer seu poder econômico e militar não só na região, mas em outras partes do globo.
Devido a esta importância, há mais de 200 anos os EUA transformaram a América Latina em sua “zona de influência”. Um status formalmente legitimado pela proclamação da Doutrina Monroe, em 1823, que declarou a América como território reservado aos negócios estadunidenses. Essa hegemonia regional marcou profundamente a história da América Latina e foi sustentada ao longo do tempo por uma ampla burocracia voltada à proteção dos interesses da grande potência ao Norte, frequentemente garantida por meio de golpes de Estado, influência econômica e, nada raro, intervenções militares.
Embora os EUA não utilizem a força militar direta na América Latina desde a invasão do Panamá em 1989, a região continuou sob o jugo dos interesses estadunidenses. Por exemplo, em nome da estabilidade regional elaboraram e investiram mais de 10 bilhões de dólares no Plano Colômbia e, em meio à ascensão de governos de esquerda e progressistas na região, reativaram a 4ª Frota Naval em 2008, durante o governo George W. Bush.
Além dessas ações, no Brasil, a Petrobras tornou-se alvo de atenção, especialmente após os desdobramentos da Operação Lava Jato, iniciada em 2014. Vazamentos, como os divulgados por Edward Snowden em 2013, indicaram que a Agência de Segurança Nacional estadunidense espionou a empresa, levantando suspeitas sobre o interesse em informações privilegiadas sobre o pré-sal, uma das maiores reservas de petróleo descobertas no século XXI.
Da mesma forma, na Bolívia, o foco está no lítio, essencial para a produção de baterias de veículos elétricos e dispositivos eletrônicos. Durante o governo de Evo Morales, que durou de 2006 a 2019, a nacionalização dos recursos naturais dificultou a entrada de empresas estadunidenses no setor, como a Tesla. Contudo, após a renúncia de Morales em 2019, a empresa demonstrou maior interesse no lítio boliviano, evidenciando a continuidade das disputas econômicas na região. Ou seja, apesar da aparente baixa prioridade, a América Latina manteve-se como uma região de relevância econômica e estratégica.
Com a crescente presença da China na América Latina, especialmente por meio da Iniciativa do Cinturão e Rota (lançada na região em 2017), a política da “América para os Americanos” também teve de lidar com um ator externo. Assim, enquanto no século XIX a Doutrina Monroe priorizou a expulsão de potências europeias e, durante a Guerra Fria, impediu a presença dos soviéticos, o governo democrata de Barack Obama (2009-2017) deu o ponta pé inicial à definição do país asiático como uma ameaça à hegemonia regional do país.
Mas foi o conservador Donald Trump, em seu primeiro mandato (2017-2021), o responsável por definir a China como adversária econômica e geopolítica dos EUA, o que foi mantido pela administração de Joe Biden (2021-2025). O democrata aprofundou as estratégias de Trump. Um exemplo recente das consequências para os países latino-americanos foram as pressões enfrentadas pelo Brasil no ano passado, relacionadas à sua participação na nova dinâmica dos BRICS e ao interesse dos EUA em impedir sua adesão à Iniciativa do Cinturão e Rota liderada pela China.
Portanto, ao buscar “fazer a América grande de novo” — isto é, garantir os interesses econômicos dos Estados Unidos —, o país tem como objetivo retomar sua hegemonia regional. Isso envolve assegurar o acesso ao comércio, investimentos e recursos naturais da América Latina, combatendo a crescente presença chinesa por meio de negociações, pressões diplomáticas e até ameaças de coesão. Um exemplo recente é o caso do Canal do Panamá, onde os EUA intensificaram sua influência para conter avanços estratégicos da China na infraestrutura regional.
A estratégia estadunidense também passa pela consolidação de alianças com governos mais alinhados aos seus interesses, frequentemente de direita, enquanto impõe desafios adicionais a governos progressistas, como o de Lula no Brasil, que enfrentam maiores dificuldades de diálogo. Além disso, há uma clara tentativa de instrumentalizar as políticas domésticas de países latino-americanos para atender às demandas econômicas estadunidenses, como a redução de tarifas comerciais, a abertura de mercados e a proteção de setores estratégicos dentro dos EUA.
Nesse cenário, a América Latina permanece uma prioridade histórica e estratégica para os Estados Unidos. Foi a primeira região de influência direta estadunidense e, muito provavelmente, será a última a perder essa centralidade. Com mais de dois séculos de presença econômica e geopolítica, os EUA buscam preservar a todo custo ativos fundamentais, como recursos naturais, rotas comerciais, mercados e fluxos de investimentos diretos. A intensificação dessas ações sugere tempos desafiadores para a América Latina, especialmente em um contexto de disputas econômicas e políticas globais cada vez mais acirradas.
* Luciana Wietchikoski é doutora em ciência política pela UFRGS com estágio pós-doutoral em relações internacionais pela UFSC e professora na Unisinos.
** Publicado originalmente no site Interesse Nacional, em 27 jan. 2025. Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião do OPEU, ou do INCT-INEU. Republicado com a autorização da autora.
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