Política Doméstica

As cerimônias de posse presidenciais e Trump

(Arquivo) O então presidente Donald Trump toma posse para seu primeiro mandato, em 20 jan. 2017, no prédio do Capitólio dos EUA, em Washington, D.C. Ao lado da mulher, Melania Trump, ele apoia a mão esquerda sobre duas versões da Bíblia: uma Bíblia de infância dada a ele por sua mãe, junto com a Bíblia de Abraham Lincoln (Fonte: Facebook da Casa Branca)

Por Kayla Arnoni Vertematti Baptista* [Informe OPEU

A posse de Donald Trump (2017-2021) como o 45º presidente dos Estados Unidos, em 20 de janeiro de 2017, foi um marco polarizador na história do país. Na época, sua vitória destacou profundas divisões na sociedade americana e trouxe diversas mudanças ao cenário político. Agora, em 2025, com Trump reassumindo a Presidência após um intervalo no poder, o evento pode ganhar novos contornos. Para alguns, representa a reafirmação de suas ideias e legado, para outros, é um lembrete das tensões que continuam a moldar o futuro político e social dos Estados Unidos.

A cerimônia e o discurso

A cerimônia de posse ocorre a cada quatro anos, no dia 20 de janeiro, e marca a transição de poder, independentemente de ser uma troca entre presidentes do mesmo partido ou de partidos diferentes, e tenta refletir a natureza da democracia. Começa com a chegada do presidente eleito e sua família ao Capitólio, em Washington, D.C. O evento é presidido pelo presidente da Suprema Corte, que administra o juramento de posse. Tradicionalmente, o presidente eleito jura cumprir a Constituição dos Estados Unidos e manter o país livre e unido. O juramento é um dos momentos mais esperados, simbolizando a transição do poder de maneira solene.

A banda militar toca músicas patrióticas, como o Hino Nacional e canções de celebração, e o presidente eleito tradicionalmente escolhe uma bíblia para ser usada no juramento. A escolha da bíblia é uma questão pessoal, com alguns presidentes escolhendo bíblias familiares, enquanto outros optam por bíblias históricas, como a usada por Abraham Lincoln durante sua posse, escolhida por Obama e Trump. O presidente coloca a mão esquerda sobre a bíblia e recita o texto do juramento, estipulado pela Constituição: Eu solenemente juro que executarei fielmente o cargo de Presidente dos Estados Unidos e, ao máximo de minha capacidade, preservarei, protegerei e defenderei a Constituição dos Estados Unidos”.

Embora a bíblia seja, em geral, usada nas cerimônias de posse, houve algumas exceções. John Quincy Adams (1825-1829), em 1825, fez seu juramento sobre o “Laws of the United States”, um compilado de leis estadunidenses. Franklin Pierce (1853-1857), em 1853, optou por “afirmar” seu juramento, em vez de “jurar”, não utilizou a Bíblia, devido às suas crenças religiosas, e omitiu a frase “so help me God” (“então que Deus me ajude”). Theodore Roosevelt (1901-1909) também não usou uma bíblia em sua posse de 1901, já que a cerimônia ocorreu de forma rápida e improvisada após o assassinato de William McKinley (1897-1901). Além disso, Lyndon B. Johnson (1963-1969), ao assumir a Presidência em 1963 após o assassinato de John F. Kennedy (1961-1963), fez o juramento a bordo do Air Force One, usando um livro católico de orações, já que uma bíblia não estava disponível.

Photo - Swearing in of Lyndon B. Johnson as President - LBJ Library(Arquivo) Posse de LBJ como presidente a bordo do Air Force One, ao lado de Jacqueline Kennedy (à dir.), em 22 nov. 1963 (Crédito: Biblioteca presidencial LBJ/Cecil Stoughton)

Após a posse, o novo presidente faz o seu discurso inaugural, o momento em que ele define suas prioridades e tenta unir a nação sob sua liderança, conversando com seus eleitores e tentando aproximar a oposição, além de se conectar com o mundo. Os discursos variam em tom, estilo e duração. O mais curto foi o de George Washington (1789-1797) em sua segunda posse, em 1793, com apenas 135 palavras e menos de dois minutos, o mais longo foi de William Henry Harrison (1841), em 1841, com cerca de 8.500 palavras e mais de duas horas.

Após o juramento, o presidente eleito e sua família seguem em desfile, de carro, pelas ruas de Washington, em direção à Casa Branca, com milhões de americanos se reunindo ao longo do trajeto para comemorar e assistir ao evento. Em alguns casos, como no de 2009, quando Barack Obama (2009-2017) assumiu a Presidência, o evento contou com apresentações musicais, grupos culturais e artistas famosos. Contudo, em tempos mais recentes, especialmente na posse de Trump 1.0, o desfile teve um tom mais político, refletindo a polarização da época, com protestos acontecendo nas ruas.

O impacto

Em 2017, a posse de Donald Trump ocorreu em meio a uma atmosfera carregada de tensão. A cerimônia aconteceu no Capitólio, em Washington, D.C., e foi transmitida ao vivo para milhões de pessoas em todo o mundo. Embora o evento fosse, em tese, uma celebração da transição pacífica de poder, ele rapidamente se tornou um reflexo das profundas divisões que marcaram as eleições da época.

Trump fez seu juramento diante do presidente da Suprema Corte, seguindo o processo constitucional que passa o poder de um presidente para o próximo. No entanto, o tom do evento foi diferente das posses anteriores. Longo e combativo, o discurso de Trump foi uma clara declaração de sua intenção de romper com a política estabelecida, usando da nostalgia de um “passado glorioso” e prometendo uma América “mais forte”, “mais autossuficiente” e “mais segura”. Destacou o foco na economia nacional, com prioridade para benefícios para trabalhadores e famílias americanas, defendendo a ideia de “compre produtos americanos e contrate americanos”. O discurso abordou também a perda de empregos, o fechamento de fábricas e as falhas no sistema educacional, comprometendo-se a reconstruir a infraestrutura, reduzir a pobreza e promover o trabalho. Trump declarou sua intenção de erradicar o terrorismo islâmico radical e apelou à unidade nacional, argumentando que a solidariedade e o patriotismo são fundamentais para superar divisões. Com uma expectativa otimista, ele garantiu que os EUA prosperariam novamente, oferecendo um futuro de grandeza e nacionalismo. Também mencionou os imigrantes, indiretamente, ao abordar a proteção das fronteiras dos Estados Unidos: “devemos proteger nossas fronteiras da devastação de outros países que fabricam nossos produtos, roubam nossas empresas e destroem nossos empregos”.

O mais notável na cerimônia de posse foi a presença de um público dividido. O número exato de pessoas na Praça Nacional foi um ponto de contenda, com Trump e sua equipe afirmando que a multidão foi histórica, enquanto imagens aéreas e estimativas de autoridades locais indicavam uma presença consideravelmente menor do que a alegada e se tornando uma competição com presidentes anteriores. O então secretário de Imprensa, Sean Spicer, declarou em uma coletiva que “esta foi a maior audiência a presenciar uma posse, ponto final”. A declaração foi contestada e criticada pela falta de evidências. Kellyanne Conway, a assessora de Trump, defendeu a declaração de Spicer, dizendo que ele estava usando “fatos alternativos”, uma expressão que virou motivo de piada, pelo absurdo da tentativa de distorcer a realidade, como se observa nas fotos abaixo.

Here are the photos that show Obama’s inauguration crowd was bigger than Trump’s – The Denver Post(Arquivo) Contrastes: À esq., foto do público presente na posse do presidente Barack Obama, no National Mall, em Washington, D.C., em 20 jan. 2009. À dir., foto da cerimônia de posse do presidente Donald Trump, no mesmo lugar, em 20 jan. 2017 (Crédito: Serviço Nacional de Parques. Fonte: Portland Press Herald)

Ao mesmo tempo, fora do Capitólio, as ruas de Washington se tornaram um campo de protestos e manifestações em um clima de hostilidade. Milhares de manifestantes se reuniram em várias áreas de Washington, incluindo o National Mall, para expressar sua insatisfação com a eleição e a posse de Trump. No dia seguinte, aconteceu a Marcha das Mulheres, um dos maiores protestos da história dos Estados Unidos, com milhões de pessoas nas ruas, como símbolo de resistência às políticas e retóricas de Trump, especialmente no que dizia respeito aos direitos das mulheres.

O que vem junto com a transição de poder                                      

Em janeiro de 2021, poucos dias antes da posse de Joe Biden (2021-2024), o Capitólio dos Estados Unidos foi palco de um dos eventos mais chocantes da história do país: a invasão do prédio por trumpistas. A ação ocorreu no dia em que o Congresso estava reunido para certificar os resultados da eleição presidencial de 2020, em que Biden havia derrotado Trump. Desde a derrota de Trump nas urnas, ele e muitos de seus aliados haviam espalhado alegações infundadas de fraude eleitoral, incitando uma onda de fake news e desconfiança no processo eleitoral.

Na manhã de 6 de janeiro, Trump fez um discurso em frente à Casa Branca, reiterando suas alegações de fraude e incitando seus seguidores a “lutar como nunca antes”. Ele os incentivou a marchar até o Capitólio, onde os membros do Congresso estavam em processo de certificação dos votos eleitorais. Ao mesmo tempo, milhares de seus apoiadores, inflamados pelo discurso de Trump e pela desinformação que circulava, começaram a se reunir nas proximidades do Capitólio. O evento, inicialmente planejado como uma manifestação de apoio ao presidente, rapidamente se transformou em um confronto violento.

À medida que o dia avançava, um número crescente de manifestantes começou a invadir o Capitólio. Eles romperam as barreiras de segurança e conseguiram entrar no prédio, causando caos e confusão. A cena era surreal. Os manifestantes, muitos deles com bandeiras de Trump e camisas com slogans de apoio, destruíam móveis, saqueavam escritórios e deixavam um rastro de destruição. Alguns até se sentaram nas cadeiras dos senadores, como se estivessem assumindo o controle do governo. Dentro do complexo legislativo, membros do Congresso estavam em pânico. O vice-presidente Mike Pence, que presidia a sessão de certificação dos votos, foi retirado junto com outros líderes. A polícia do Capitólio, que estava em menor número do que o necessário para conter a multidão, foi rapidamente sobrecarregada. O cerco durou várias horas, até que as forças de segurança, incluindo a Guarda Nacional, chegaram para retomar o controle da situação. Enquanto isso, a sessão no Congresso foi interrompida, e o processo de certificação dos votos foi temporariamente suspenso. A invasão resultou em cinco mortes (quatro manifestantes e um policial), mais de 140 agentes feridos, e cerca de 950 pessoas foram acusadas de crimes federais. Apesar da violência e do caos, a certificação foi concluída naquela mesma noite, e Joe Biden foi formalmente reconhecido como o vencedor das eleições de 2020.

Em um espelho do que aconteceu em Washington, em 8 de janeiro de 2023, uma semana depois da posse de Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2011; 2023-) em Brasília, apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (2018-2022), movidos por alegações infundadas de fraude nas eleições de 2022, invadiram a Praça dos Três Poderes. Os manifestantes atacaram as sedes do Executivo, Legislativo e Judiciário, tentando forçar uma intervenção militar e desestabilizar o governo de Lula. Como em 2021, a violência foi amplificada por discursos polarizadores e teorias da conspiração, que encontraram um terreno fértil nas redes sociais e em certos setores da mídia.

Nove em cada dez brasileiros reprovam invasões de 8 de janeiro | Agência  Brasil(Arquivo) Invasão ao Congresso Nacional, em Brasília, em 8 jan. 2023 (Crédito: Marcelo Camargo/Agência Brasil)

Em ambos os casos, a presença de figuras políticas que instigaram ou apoiaram tais ações – Trump nos Estados Unidos e Bolsonaro no Brasil – foi decisivo para o que aconteceu. Seus discursos, que descreditavam o processo eleitoral e alimentavam a narrativa de fraude, criaram a ideia de que a ação violenta poderia ser vista como um meio legítimo de “recuperar” o que acreditavam ter sido “roubado” deles nas urnas e usaram de momentos próximos às posses de seus opositores para os ataques. Agora com Trump reeleito, a cerimônia de posse de 2025 será um ponto de inflexão: tanto para reafirmar a força de sua base em um tom de retorno ao poder, quanto para definir como será sua abordagem em um mandato marcado por desafios econômicos, tensões internacionais e demandas de reconciliação interna.

 

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Informe OPEU, “Como as campanhas eleitorais nos EUA podem ser financiadas?”, em 5 de junho de 2024

Informe OPEU, “O que está por trás dos elefantes vermelhos e dos jumentos azuis na política estadunidense?”, em 16 de maio de 2024

 

* Kayla Arnoni Vertematti Baptista é graduanda em Relações Internacionais pela Universidade Anhembi Morumbi e aluna participante do projeto de extensão da referida instituição em parceria com o OPEU. Contato: kaylavertematti@gmail.com.

** Revisão e edição: Tatiana Teixeira. Recebido em 16 jan. 2025. Este Informe não reflete, necessariamente, a opinião do OPEU, ou do INCT-INEU.

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