Seminário internacional INCT-INEU 2024: as eleições de novembro
Crédito: Tatiana Carlotti
Por Tatiana Carlotti* [INCT-INEU] [Seminário internacional] [Eleições 2024] [Trump 2.0]
Nos dias 5 e 6 de dezembro, o INCT-INEU promoveu o seminário “As eleições nos EUA e as políticas do Governo Biden: balanço e perspectivas” em sua sede, no prédio da Universidade Estadual Paulista (Unesp), na frente da Praça da Sé, em São Paulo.
O seminário começou com uma discussão sobre a derrota do Partido Democrata na eleição presidencial e sobre a captura dos republicanos pelo Make America Great Again (MAGA) que não é apenas um slogan de Trump, mas um movimento de massas de extrema direita nos Estados Unidos. Aliás, os pesquisadores da rede foram unânimes: um movimento que “veio para ficar”.
Neste texto, sequência do debate sobre as eleições de novembro, nós vamos ver em detalhes os números do voto latino e da vitória republicana nas duas casas do Congresso, observando as votações também nas câmaras legislativas estaduais. Por fim, teremos um balanço sobre os caminhos, ou descaminhos, que acenam para a potência mundial (e o restante do planeta) nos próximos quatro anos.
O voto latino
Nos Estados Unidos, os latinos são vistos como sendo uma mesma e única categoria, mas “não podemos considerar o voto latino ou a postura política dos latinos ou a perspectiva cultural dos latinos uma coisa só”, explica o professor Marcos Cordeiro Pires (Unesp – Marília). Basta tentar responder o que é prioritário para os latinos? Mas qual latino? O que está legalmente no país? O indocumentado? Os filhos de latinos e nascidos nos Estados Unidos?
Destacando a frustração da população diante das promessas de Biden, uma frustração comum a todos os “sistemas políticos em que existe competição partidária”, Cordeiro lembrou que, ao contrário da experiência chinesa, cujo governo não muda, mas mudam as políticas, “as políticas nos Estados Unidos são as da oligarquia financeira, industrial e militar”. Isso significa que mudam os governos, mas se alteram as políticas. O fato é que, mesmo frustrados, os latinos não decepcionaram os democratas nas urnas: 62% votaram em Harris, e apenas 37%, em Donald Trump.
Thaís Lacerda, editora do site de análises Latino Observatory, mostrou isso em dados. Nesta eleição, um em cada cinco latinos votou pela primeira vez e, no geral, foram priorizados temas como custo de vida e inflação (52%), empregos e economia (36%), custo de habitação e acessibilidade (27%), custos de saúde (25%) e aborto e direitos reprodutivos (23%).
Confira a apresentação de Thaís Lacerda (UCA) e Marcos Cordeiro Pires (Unesp – Marília)
Ao mesmo tempo, aproximadamente 90% dos latinos afirmaram apoiar a criação de uma lei que proíba a especulação de preços ou que impeça que empresas aumentem os preços artificialmente. E 86% acham justo que empresas com mais de US$ 1 bilhão em lucros paguem um imposto de 15%.
Em relação aos imigrantes, 80% dos latinos apoiam que os indocumentados de longa data tenham seu status legalizado; e 71% são favoráveis ao projeto de lei bipartidário de segurança na fronteira.
Quanto aos resultados eleitorais, entre os homens latinos, a maioria (56%) votou em Harris, e 43%, no republicano. Entre os jovens latinos, ela venceu por 51% ante 48%, apesar de os avanços eleitorais dos republicanos serem registrados nesta faixa etária. Já entre as latinas, 66% votaram nos democratas, enquanto 32% votaram em Trump.
Ao contrário do que foi incensado na imprensa, observa a pesquisadora, os latinos não foram decisivos para a vitória de Trump. Em outros termos, se nenhum deles tivesse votado no candidato republicano, o resultado teria sido o mesmo.
A onda vermelha: resultados
A editora do Observatório Político dos Estados Unidos (OPEU), Tatiana Teixeira, trouxe uma análise sobre o resultado eleitoral e passou a linha editorial dos próximos anos: “Nosso maior foco é olhar as condições dadas para as próximas midterms (eleições de meio de mandato) de 2026. Ela se estabelece como uma agenda de pesquisa, vamos trabalhar nela mais detidamente”, afirmou.
Em 2022, durante outro seminário do INCT-INEU, ela havia registrado que a popularidade de Biden estava em queda, e que os americanos já diziam confiar mais no Partido Republicano em questões como inflação, desemprego e criminalidade. “Só aí já tínhamos dois sinais de alerta, ignorados pelos democratas”, ponderou.
Em sua avaliação, “mais importante do que o afastamento dos democratas é o impacto disso na luta social. Você tem uma divisão de cada minoria, e cada uma se vendo muito diferente da outra”. Ao mesmo tempo, nota-se um “afastamento da classe trabalhadora, que está saindo do Partido Democrata e se direcionando para Trump”.
Confira a apresentação de Tatiana Teixeira (INCT-INEU/OPEU), Lucas Amorim (IRI/USP) e Augusto Scapini (OPEU)
“Apesar de uma recuperação da economia americana, que apareceu no horizonte, havia a percepção de que a economia ainda estava ruim, e essa é uma tendência que deve se manter em razão da forte desigualdade” nos Estados Unidos, complementa.
Ela ressaltou, ainda, que a base MAGA está cada vez mais sólida, o que tem relação com a busca de institucionalização do trumpismo. O Projeto 2025 é “um caminho para essa institucionalização”, disse ela, ao destacar a parceria entre o OPEU e site The Conversation (Brasil) na publicação conjunta de análises sobre este documento.
Teixeira trouxe dois pesquisadores que atuam no OPEU, o doutorando Lucas Amorim (IRI-USP/Georgetown University) e o bacharel Augusto Scapini (IRID/UFRJ), para apresentar os dados eleitorais do Congresso (Câmara dos Representantes e Senado) e dos governos e Câmaras estaduais.
A Câmara dos Representantes, destacou Amorim, renova-se a cada dois anos e tem uma “característica mais responsiva às mudanças de opinião dos eleitores em curto prazo”.
A expectativa, antes da eleição, “era de uma pequena maioria democrata. No entanto, os republicanos conseguiram eleger uma maioria bastante apertada”. Ante a nova composição, explica, é possível “projetar que um ou dois deputados não MAGA possam bloquear o presidente”. Um indicador importante neste sentido será a eleição da Presidência da Câmara, programada para janeiro do próximo ano.
No Senado, continua Amorim, as projeções apontavam a derrota democrata. “Das 34 vagas em disputa, 23 eram democratas, e apenas 11, republicanas. Os democratas estavam na defensiva, sem possibilidades realistas de reverter algum assento republicano. Eles também tinham de defender três cadeiras para estados ditos vermelhos, e cinco, em estados-pêndulo”.
Após as eleições, das 100 cadeiras no Senado, 53 passaram para os republicanos; 45, para os democratas; e duas, para os independentes (que votam com os democratas). Trump, porém, não emplacou um candidato MAGA na liderança da maioria republicana no Senado. O vencedor, observa Amorim, foi o senador John Thune, da Dakota do Sul, “um conservador do mainstream republicano”. Tem-se aí um indicativo de que Trump não terá um cheque em branco por parte da Câmara alta.
Scapini, por sua vez, destacou os números das eleições locais. Neste ano, 167 assentos de cargos executivos estaduais foram eleitos em 30 estados, sendo 37 assentos para cargos de primeira linha: governadores, vice-governadores, procuradores-gerais e secretários de Estado.
No total, foram eleitos 11 governadores (três democratas e oito republicanos), nove vice-governadores (três democratas e seis republicanos), 12 procuradores-gerais (cinco democratas e sete republicanos) e sete secretários de Estado (quatro democratas e três republicanos).
Além dessa imensa quantidade de candidatos, os eleitores nos Estados Unidos também foram mobilizados a votar em uma agenda de 159 medidas certificadas para votação em 41 estados, englobando temas como aborto e direitos reprodutivos, direito ao voto, sistema eleitoral, justiça criminal e imigração, direitos trabalhistas e remuneração, política de uso de drogas, entre outras.
Em sua apresentação, Scapini detalhou algumas delas, como a proposta de aumentar o salário-mínimo aprovada no Nebraska, Alasca e Missouri, mas negada na Califórnia, um estado até então considerado mais progressista.
O futuro da política estadunidense
As eleições deste ano nos Estados Unidos confirmaram a força do trumpismo. Não apenas de Trump, mas do seu estilo de fazer política, afirmou Rafael Ioris (Universidade de Denver), ao mencionar que a ideia de que Trump seria transitório, um ponto fora da curva, esvaiu-se. O trumpismo se consolidou dentro do Partido Republicano: “aquela disputa entre alas trumpista e não trumpista não existe mais”.
Ioris inclusive questiona a própria ideia de uma sociedade partida ao meio. “Será que faz sentido a conotação de uma polarização de um país divido em dois? Não sei mais se é simétrica [a polarização]. Há uma polarização evidente, mas existe a força dos ventos”, e “a lógica e o estilo da extrema direita se consolidam no país, o que vai ajudar a consolidar esses ventos em outros lugares”, pondera.
Confira a íntegra da apresentação de Rafael Ioris
Em sua avaliação, a eleição deste ano atesta a força do trumpismo, “um populismo de direita, para não dizer neofascista”. Ela também “confirma uma crise mais profunda da democracia norte-americana, das instituições, da cultura cívica e democrática” e, sobretudo, “o profundo declínio dos Estados Unidos no mundo”.
Xenofobia em alta
Residente nos Estados Unidos há décadas e após um longo giro pela Europa, Ioris fala com propriedade. Ele viu de perto o crescimento da xenofobia, dentro e fora do país. “Cada um, no seu país, com este nacionalismo exacerbado e crescente”.
Em sua avaliação, o tema das fronteiras, engolido pelo eleitorado de Trump, é um exemplo latente dessa xenofobia.
“Só nos sonhos, nos últimos 30 anos, os republicanos pensariam em consolidar, de maneira tão efetiva (o último momento semelhante foi na época de Ronald Reagan), uma mobilização e apelo junto ao seu eleitorado tanto por questões econômicas quanto por questões culturais. O trumpismo apresenta isso”, analisa.
Em sua avaliação, “se Trump conseguir consolidar a lógica nativista e isolacionista de maneira estrutural, por um bom tempo nos próximos ciclos eleitorais e congressuais… Se essa direita conseguir fazer isso, será um novo momento histórico”.
“Tudo depende do aparelhamento que Trump conseguirá realizar, o que pode apresentar uma nova dinâmica do papel do Estado no país e na sociedade”, complementou, ao citar a reforma anunciada por Trump. Se levada a cabo, essa reforma “pode culminar em uma destruição de regulações trabalhistas e ambientais, levando a uma reconfiguração do próprio Estado, de maneira concreta”.
“Isso se aprofunda como uma resposta ao declínio relativo do país no mundo, que é uma resposta míope, porque não vai dar respostas para o desmonte da saúde, da pesquisa, da indústria de inovação, da energia limpa”.
Essa agenda não vai ser beneficiada com Trump no poder, embora seja “o que o país deveria fazer para manter sua competitividade mundo”. Em síntese: “acelera-se o declínio, e não há uma resposta à altura, mas num mundo tão complexo, pondera Ioris, fazer previsões é arriscado”.
(A cobertura continua…)
* Clique aqui e assista ao seminário na íntegra *
* Tatiana Carlotti é repórter e atua na Comunicação do INCT-INEU. Tem doutorado em Semiótica (USP) e mestrado em Crítica Literária (PUC-SP).
** Revisão e edição final: Tatiana Teixeira. Primeira versão recebida em 11 dez. 2024. Este Informe OPEU não reflete, necessariamente, a opinião do OPEU, ou do INCT-INEU.
*** Sobre o OPEU, ou para contribuir com artigos, entrar em contato com a editora do OPEU, Tatiana Teixeira, no e-mail: tatianat19@hotmail.com. Sobre as nossas newsletters, para atendimento à imprensa, ou outros assuntos, entrar em contato com Tatiana Carlotti, no e-mail: tcarlotti@gmail.com.
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