Desafios e implicações para o Pentágono da indicação de Pete Hegseth
(Arquivo) Pete Hegseth no AmericaFest 2021 no Centro de Convenções Phoenix, em Phoenix, Arizona, em 19 dez. 2021 (Crédito: Gage Skidmore/Flickr)
Por Yasmin Abril M. Reis e Lauro Henrique Gomes Accioly Filho* [Informe OPEU] [Trump 2.0] [Defesa] [Pete Hegseth]
Após o resultado das urnas, Donald Trump inicia sua preparação para ocupar novamente a Casa Branca. As indicações para seu gabinete demonstram que as personalidades estão fugindo da escolha tradicional, o que tem gerado polêmica. Uma das escolhas é o secretário de Defesa: Pete Hegseth, coapresentador do programa “Fox & Friends”, na Fox News, e um veterano das guerras no Iraque e no Afeganistão, que também atuou no Centro de Detenção de Guantánamo. Ante o perfil de seu escolhido, uma preocupação posta é a desmedida postura de promover um aliado de uma emissora amiga para comandar o Pentágono e liderar 1,3 milhão de soldados da ativa.
Desde o anúncio da indicação, o cenário doméstico tem-se modificado constantemente após as denúncias de estupro, abusos contra mulheres e embriaguez no trabalho que surgiram contra Hegseth. Temendo sua rejeição no Senado, que deve aprovar o primeiro escalão do futuro gabinete, a equipe de Trump tem avaliado substituir a indicação de Hegseth pela de Ron DeSantis, atual governador da Flórida. Nada foi confirmado ainda (mas onde há fumaça, há fogo).
A característica marcante do perfil do Hegseth é sua adulação das políticas de Trump no governo anterior, defendendo as interações com o líder norte-coreano, Kim Jong-un, por exemplo. Destaca-se que Hegseth, durante sua trajetória, mudou de posição e de convicções muitas vezes. Em 2019, Hegseth usou de seu poder midiático na Fox News para apoiar enfaticamente a agenda “America First”, a qual, entre outros pontos, preconizou a retirada das tropas estadunidenses de conflitos no exterior e a defesa de militares acusados de crimes de guerra. Foi o que aconteceu, por exemplo, com o suboficial-chefe Edward Gallagher, um membro do SEALs, a principal força de operações especiais da Marinha dos Estados Unidos, e um componente do Comando Naval de Operações Especiais (NSWC, na sigla em inglês), absolvido de crimes de guerra graves no Iraque. Toda essa pressão resultou em Trump demitindo o então secretário da Marinha, Richard Spencer, a quem Hegseth havia criticado agressivamente.
(Arquivo) O então secretário da Marinha dos EUA, Richard Spencer, em evento em 23 nov. 2019 (Fonte: Embaixada e consultados dos EUA no Canadá/Flickr)
Na preparação para a primeira cúpula Coreia do Norte-EUA, realizada em Singapura, em 2018, Hegseth pronunciou algumas falas consideradas controversas em defesa de Kim Jong-un, inferindo que o líder norte-coreano “provavelmente não ama ser o cara que tem que assassinar seu povo o dia todo”.
Se a indicação de Hegseth for adiante, deve enfrentar oposição mesmo com uma maioria republicana no Senado. Além do que já mencionamos, os altos oficiais militares e talvez alguns legisladores que serviram no Exército divergem do discurso de Hegseth sobre tropas que infringiram as regras da justiça militar. Outras características que delineiam seu perfil são suas oposições às mulheres em funções de combate e ter questionado se Charles Quinton Brown Jr., general e chefe do Estado-Maior das Forças Armadas dos Estados Unidos, estava em sua posição por causa da cor de sua pele. Para Eric Edelman, que serviu como o mais importante oficial de política do Pentágono durante o governo de George W. Bush (2001-2009), os principais critérios usados por Trump na escolha de seu gabinete são mais concentrados em lealdade do que em experiência.
Ele também deu declarações grosseiras sobre aliados da OTAN serem fracos. Neste contexto, um dos maiores impactos de sua possível nomeação, caso aprovada no Senado, será o de demissão em massa de oficiais militares e servidores públicos de carreira que ele considera desleais, especialmente, devido a questões de guerra cultural. Trump se refere a esses funcionários como “woke”, um termo para aqueles focados em justiça racial e social, mas que é usado por conservadores para menosprezar políticas progressistas. Dentro dessas possíveis ações, há chances de restabelecer a proibição de tropas transgênero.
Perfil emblemático de Pete Hegseth
Pete Brian Hegseth nasceu em 6 de junho de 1980 em Minneapolis, em Minnesota. Hegseth é descendente de família norueguesa e estudou na Forest Lake Area High School, formando-se em 1999. Em 2003, graduou-se em Política, pela Universidade de Princeton. No mesmo ano, ingressou na Bear Stearns como analista de mercado de capitais de ações, mas optou por seguir carreira como oficial de Infantaria na Guarda Nacional do Exército de Minnesota.
Durante sua passagem pelo Iraque, Pete Hegseth foi condecorado com a medalha Estrela de Bronze, o distintivo de Soldado de Infantaria de Combate e, depois, com uma segunda medalha de Comenda do Exército.
Se hoje o personagem é um tanto controverso como apresentador na Fox News, não foi diferente de sua atuação no posto militar. Em 2006, quando retornou do Iraque, defendeu o envio de mais tropas norte-americanas para o conflito. Além disso, é reconhecido por sua atuação na função de editor, no jornal conservador The Princeton Tory. Em 2003, Hegseth publicou um texto no jornal supracitado sobre ter visto a estátua de Saddam Hussein ser derrubada, em Bagdá.
Defensor enfático do conservadorismo e forte opositor da esquerda, Pete Hegseth é simpatizante da política do America First tão bem seguida por Trump desde seu primeiro mandato. Hegseth defende o papel de um Exército mais forte como essencial para a estabilidade e a paz norte-americanas, argumentando que a paz mundial virá na sequência, como um efeito de longo prazo. É importante frisar a visão de Pete Hegseth em convergência com Trump sobre a ameaça de potências extra-regionais no continente. Questionamo-nos se não poderá gerar um processo de militarização na região como acontece em relação a outras ameaças, a exemplo do combate ao narcotráfico nas últimas décadas.
A indicação de Pete Hegseth surpreendeu membros do Pentágono, afinal é uma das posições mais importantes do país, e se espera no mínimo uma qualificação e experiência em consonância com a função. Os últimos nomes ocupantes da vaga, independentemente de sua trajetória militar ou não, foram figuras que construíram carreira com alguma passagem pelo Gabinete do secretário de Defesa. Durante o governo Trump 1.0, dois militares de carreira, James Mattis (2017-2018) e Mark Esper (2019-2020), estiveram à frente do departamento.
(Arquivo) O então secretário de Defesa, Jim Mattis, em Kandahar, Afeganistão, em 28 set. 2017 (Crédito: Departamento de Defesa dos EUA/sargento Jette Carr, da Força Aérea dos EUA/Flickr)
A nova indicação poderá surpreender mais o Pentágono nos próximos anos, já que o novo posto pode vir a ser ocupado por um nome contrário a China, Rússia e Irã, abertamente, e que defenderá um retrocesso na esfera do establishment militar.
Para o democrata membro do Comitê de Serviços Armados da Câmara, Adam Smith (D-WA), “há motivos para preocupação de que esta pessoa não seja um formulador de política sério o suficiente, um implementador de política sério, para fazer um trabalho bem-sucedido”. Desse modo, além do temor na esfera externa, há, no alto escalão governamental dos EUA, um temor de que Hegseth possa buscar uma “vingança” junto a Trump dos oficiais superiores considerados desleais pelo presidente eleito passado. Assim, como sugerem alguns analistas, o Departamento de Defesa passará a ganhar uma nova roupagem com alguém de tendências “neofascistas” no seu comando nos próximos quatro anos.
Qual o papel de um secretário de Defesa dos Estados Unidos?
O secretário de Defesa é o principal conselheiro da política de defesa do presidente e é responsável pela formulação da política geral de defesa e das políticas relacionadas com o Departamento de Defesa, bem como pela execução das políticas aprovadas. Sob a direção do presidente, o secretário exerce autoridade, direção e controle sobre o Departamento de Defesa. O cargo foi criado em 1947, com a promulgação da Lei de Segurança Nacional, que unificou as funções de defesa e segurança nacional sob um único departamento. A partir de então, o secretário de Defesa passou a ser o principal conselheiro do presidente sobre questões de defesa e o responsável pela administração das Forças Armadas.
Hegseth, caso seja nomeado em janeiro, defende a mudança do nome de Departamento de Defesa para Departamento da Guerra. A última nomenclatura foi utilizada pela última vez em 1940 após o fim da Segunda Guerra Mundial (1939-1945).
Ao longo do tempo, o secretário de Defesa foi assumindo várias responsabilidades, incluindo a formulação da política de defesa, supervisão do orçamento, supervisão das operações militares e a coordenação das atividades de defesa nos níveis nacional e internacional. Neste contexto, os desafios e as pressões enfrentadas pelos secretários de Defesa incluem questões como a relação com os militares, com o Congresso, com outras agências governamentais e com aliados internacionais. Isso acontece, especialmente, porque o secretário de Defesa precisa barganhar com o Legislativo para desenvolver políticas e orçamentos de defesa e tê-los aprovados.
Além disso, conforme destaca o historiador militar Alfred Goldberg em prefácio no volume 1 da série History of the Office of the Secretary of Defense (Historical Office of the Secretary of Defense, 1984), este cargo é central, devido a sua imprescindível atuação em tempos de crise, quando as decisões de defesa exigem ação rápida e coordenada. Neste aspecto, é notório que o escolhido deve exercer influência na definição das estratégias de segurança nacional, cooperação com aliados e atuação em fóruns internacionais de defesa. Entre as questões de maior preocupação sobre o novo governo, estão como se dará a futura relação de Trump com a OTAN e quais estratégias poderão ser implementadas em relação à China. Declarações já dadas por Pete Hegseth mostram que ele tem percepções fortes e inegociáveis sobre essa pauta.
* Lauro Henrique Gomes Accioly Filho é pesquisador colaborador do OPEU e mestrando do Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), com período “sanduíche” na American University, em Washington, D.C. Contato: lauroaccioly.br@gmail.com.
Yasmim Abril M. Reis é doutoranda em Relações Internacionais pelo Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas (UNESP/UNICAMP/PUC-SP), mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Segurança Internacional e Defesa da Escola Superior de Guerra (PPGSID/ESG), pesquisadora colaboradora no OPEU nas áreas de Segurança e Defesa, e vice-líder e assistente de pesquisa voluntária no Laboratório de Simulações e Cenários na linha de pesquisa de Biodefesa e Segurança Alimentar (LSC/EGN). Contato: reisabril@gmail.com.
** Primeira revisão: Simone Gondim. Contato: simone.gondim.jornalista@gmail.com. Segunda revisão e edição final: Tatiana Teixeira. Primeira versão recebida em 14 nov. 2024. Este Informe OPEU não reflete, necessariamente, a opinião do OPEU, ou do INCT-INEU.
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